Crise energética? Brasileiros ignoram risco de apagão e aceleram compra de carros elétricos

Nunca se vendeu tanto veículo eletrificado quanto em junho. Veja os planos das montadoras e saiba quanto custa ter uma usina solar para "abastecer" em casa

Suzana Liskauskas

Volvo XC40 (Divulgação)

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SÃO PAULO – Com 3.507 veículos eletrificados emplacados, junho de 2021 se tornou o melhor da série histórica da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE), iniciada em 2012. No primeiro semestre, as vendas da categoria – que reúne modelos elétricos a bateria, híbridos (movidos a combustível e bateria, recarregada durante o uso) e híbridos plug-in (movidos a combustível e bateria, recarregada durante o uso e na tomada) – somaram 13.899 unidades e representaram 1,4% do total de automóveis e veículos comerciais leves negociados no país.

Embora tímido, se comparado à média mundial de 4,6%, o número traduz um cenário inédito no Brasil. A previsão da ABVE é ultrapassar a marca de 28 mil emplacamentos de eletrificados ao fim de 2021, o que representaria um aumento de 42% em relação a 2020. Os números mostram que, mesmo diante do risco de um apagão e das possibilidades de racionamento de energia elétrica, o brasileiro não freou os planos de comprar um carro elétrico, principalmente quando os modelos são totalmente elétricos.

A aceleração das vendas dos elétricos no país e a rápida adesão à tecnologia pelo consumidor brasileiro estimularam a Volvo Car a encerrar as vendas de carros à combustão no Brasil, a exemplo do que fez na Noruega. Desde janeiro, a fabricante sueca de carros só comercializa modelos híbridos e elétricos no país. João Oliveira, diretor geral de Operações e Inovação da Volvo Car no Brasil, diz que a decisão foi reflexo de pesquisas com clientes que adquiriram modelos híbridos, vendidos no Brasil desde 2017.

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Os resultados da pré-venda do XC40 Recharge, primeiro modelo 100% elétrico da Volvo Car no Brasil, dão peso à programação de rota da fabricante sueca. Com 400 quilômetros de autonomia e preço em torno de R$ 390 mil, o primeiro lote do XC40 Recharge disponível para venda, com 300 unidades, esgotou em duas semanas. Segundo Oliveira, foi necessário negociar com a fábrica o envio de um lote extra, com 150 unidades. Até a primeira semana de julho, 50 carros tinham sido vendidos. As primeiras entregas serão feitas em setembro.

Os donos do XC40 Recharge vão receber um pacote de serviços, válido por três anos, que inclui manutenção, serviço de assistência 24 horas e o Volvo Wallbox, carregador com a instalação incluída. Para esses consumidores vorazes de tecnologia, o acréscimo no consumo de energia elétrica parece não pesar. De acordo com Adalberto Maluf, presidente da ABVE, o consumo de um veículo elétrico corresponde a um aparelho de ar-condicionado. Ele detalha:

Estudos internacionais apontam que cerca de 90% das recargas dos veículos elétricos são feitas em residências à noite ou no local de trabalho, ou seja, fora do horário de pico do consumo de energia elétrica, que acontece entre 17h e 20h

Economia extra? No futuro, com o V2G

Outro dado animador para quem compra um carro 100% elétrico é a tecnologia Vehicle to Grid, ou V2G. Alexandre Szklo, professor do programa de planejamento energético da Coppe/UFRJ, explica que, em redes elétricas inteligentes, os carros elétricos poderão devolver energia ao sistema. Os proprietários podem carregar seus carros em sistemas de geração solar, por exemplo, e usar a energia armazenada para alimentar a rede da casa ou do escritório em períodos que a energia elétrica é mais cara. A próxima plataforma de 100% elétricos da Volvo Car, o XC90, já terá essa tecnologia, segundo Oliveira.

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No Brasil, porém, os entusiastas da mobilidade eletrificada terão que esperar um pouco mais para economizar energia. O entrave está na questão regulatória. O presidente da ABVE explica que a atual versão do Código Brasileiro de Energia Elétrica não permite que veículos elétricos devolvam energia para a rede, mas a entidade tem trabalhado para mudar esse contexto e permitir que o V2G seja uma realidade no país.

O Projeto de Lei 5829/19, que cria o marco legal da geração de energia descentralizada, está em tramitação na Câmara dos Deputados. O sistema V2G chegou a entrar no texto, mas já não está mais na versão que avança atualmente no Congresso. “A legalização do uso do veículo elétrico como fornecedor de energia para o sistema elétrico aumenta a geração distribuída, e a sensação é de que há um movimento para restringi-la”, diz Maluf.

Como ter uma usina solar e abastecer em casa

Enquanto o Brasil não avança na regulação, os donos de carros elétricos buscam alternativas para não se desviarem da rota da economia no consumo de energia elétrica.

Na BMW, que prepara a marca Mini para ser 100% elétrica até 2030, desenha os carregadores de carros elétricos para serem integrados a painéis solares. Henrique Miranda, head de Conectividade do BMW Group Brasil, diz que o aplicativo da recarga pode programar o momento em que o veículo seja recarregado. Assim, mesmo que a fonte seja a rede elétrica, é possível programar o consumo e economizar, explica o executivo.

No Brasil, Miranda diz que 2021 já apresenta os melhores resultados de venda do modelo i3 BEV Full, 100% elétrico, que custa cerca de R$ 305 mil. “Até a metade do ano, vendemos 70 unidades. Em 2020, foram vendidas 108 unidades do i3 BEV Full”, afirma.

O casamento da mobilidade elétrica com a energia solar é cada vez mais frequente. Antônio Jorge Martins, coordenador de cursos automotivos da FGV, diz que a Tesla vendeu em 2020 cerca de 500 mil carros elétricos e está vendendo também para seus clientes automotivos os sistemas fotovoltaicos, capazes de converter a radiação solar em energia elétrica.

O empresário Antonio Azevedo, fundador e CEO da LogiGO, especializada em tecnologia automotiva para montadoras, está no time dos proprietários de veículos elétricos que embarcaram na rota da sustentabilidade com geração própria de energia. Dono de um Tesla Model 3, Azevedo instalou, há um ano e meio, um sistema de geração de energia solar em sua casa no litoral de São Paulo.

A instalação do sistema de geração de energia solar na casa de Azevedo custou cerca de R$ 38 mil, e a expectativa é de que o investimento se pague em cinco anos. Mas antes disso, o empresário já identifica a economia. Ele garante que o valor da conta de luz caiu pela metade. No inverno, a redução chega a 65%, mesmo quando seu carro elétrico é recarregado na residência.

Até quem mora em apartamento pode aproveitar a economia da geração solar, como faz Azevedo. Os créditos excedentes gerados em uma residência podem ser usados para economizar na conta de luz de outro imóvel, desde que pertençam ao mesmo dono e estejam na mesma área de abrangência da distribuidora de energia.

Para quem está pensando em comprar um carro elétrico, mas se preocupa com os custos extras na conta de luz, a possibilidade de produzir a própria energia solar pode dar uma injeção de ânimo. Em junho, a geração de energia solar no país ultrapassou um terço da energia gerada pela usina hidrelétrica de Itaipu, segundo mapeamento da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Foram 6 gigawatts (GW) de fonte solar fotovoltaica, baseada na conversão direta da radiação solar em energia elétrica. Dos cerca de 505 mil sistemas de geração de energia solar instalados no Brasil, 72,5% são residenciais. Segundo Rodrigo Sauaia, CEO da Absolar:

Existe uma gigante sinergia entre veículos elétricos e energias renováveis, inclusive a solar. A tecnologia está madura, os equipamentos têm vida útil de 25 anos ou mais e podem ser reciclados depois

José Renato Colaferro, sócio-fundador da Blue Sol Energia Solar, do setor de energia solar fotovoltaica, percebe o movimento de donos de carros elétricos buscando a geração própria de energia. “Além de limpa, a geração de energia solar não é suscetível à inflação elétrica”, diz.

Na última década, o custo de instalação de um sistema fotovoltaico baixou 85%. Hoje é possível fazer uma instalação de sistema fotovoltaico a partir de R$ 12 mil. Na Blue Sol Energia Solar, o cliente de um projeto residencial paga em média R$ 36 mil, incluindo todos os equipamentos e mão de obra especializada.

Colaferro diz que os painéis fotovoltaicos representam 60% dos custos, mas há ainda o inversor elétrico, espécie de “cérebro” do sistema, responsável pela conexão da energia gerada nos painéis com a rede elétrica. Também compõem a solução as estruturas metálicas para fixar os painéis, cabos e componentes elétricos.

A atuação de um engenheiro eletricista é fundamental nos projetos de geração de energia solar. Esse profissional vai desenhar o sistema de acordo com a expectativa de produção de energia. Colaferro explica que os sistemas são criados para gerar, em média, o consumo anual de energia elétrica da residência ou do local onde for instalado. O excedente é transformado em créditos – que, segundo Colaferro podem ser acumulados por 60 meses.