Troquei o carro pela bike: como é a vida de quem só usa a bicicleta no dia a dia

Gastos mensais com um carro chegam a R$ 1.074 por mês, segundo cálculos do InfoMoney

Júlia Miozzo

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SÃO PAULO – Não é de hoje que a bicicleta vem ganhando mais espaço nas ruas como uma opção ecológica, barata e mais prática do que os carros. Em 2012, o banco Itaú, em parceria com a Tembici, lançava em São Paulo o Bike Sampa, programa de compartilhamento de bicicletas e, neste ano, reformulou seu sistema e ganhou uma nova e desafiadora rival, a Yellow.

Dados da Abraciclo (Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares) mostram que a produção de bicicletas no Brasil teve alta de 16% no acumulado de 2018, em comparação ao mesmo período de 2017; somente em setembro, essa alta foi de 25,7%, na mesma base comparativa.

Em algumas regiões de São Paulo, como a avenida Brigadeiro Faria Lima (na zona Oeste) tamanho é o movimento nas ciclofaixas que ciclistas chegam a fazer “filas” para dirigir. Apesar de ainda ser concentrado em algumas regiões, é nítido o movimento, ainda incipiente, de motoristas que agora deixam o carro em casa e optam por locomover-se de bicicleta ou por aliar a magrela ao transporte público.

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Uma das grandes motivações para tal é financeira. Um levantamento do GuiaBolso feito a partir de dados dos seus usuários mostra que motoristas de carro gastaram cerca de R$ 224,43 por mês com combustível e R$ 204 em estacionamento (estacionamento + SemParar) nos últimos 12 meses.

Outro levantamento, calculado pelo InfoMoney no site O peso do seu carro, da Uber, mostra que os gastos por mês chegam a R$ 1.074 — por dia, R$ 46 — para o proprietário de um Onix Hatch 1.0 Joy mecânico, que se encaixa nas seguintes condições:

Modelo: Onix Hatch 1.0 Joy Manual 2018, comprado em 2017
Mora em São Paulo-SP
R$ 300 reais de estacionamento por mês
Lava o carro 1x por mês
Pagou 37.500 à vista.
Gasta R$ 2.162,85 ao ano com seguro
Roda 10 km por dia

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Esse cálculo considera o carro que há mais de dois anos lidera o posto de mais vendido do país e também o trajeto e costume de um paulistano médio. Os gastos mensais, entretanto, podem ser muito maiores: Paulo Fava, gerente de marketing que também mora na capital paulista, listou para o InfoMoney quais eram seus gastos com o carro que lhe motivaram a optar pela bicicleta. Todos os gastos são referentes a 2015.

Modelo: Nissan Livina 1.6 L Manual 2009
Financiamento: R$ 740
Gasolina: R$ 300
Estacionamento: R$ 400
Seguro: R$ 220
IPVA: R$ 104
DPVAT (*): R$ 9
Licenciamento (*): R$ 7
Pedágio (*): R$ 40
Multas (*): R$ 60
– Multas por rodízio, farol vermelho e parar em local proibido
Depreciação (*): R$ 250
– Desvalorização do carro. Cerca de 10% ao ano
Manutenção preventiva (*): R$ 160
– Inclui revisão, troca de óleo, troca de filtro de ar entre outros
(*) gastos anuais divididos por mês
GASTO MÉDIO MENSAL: R$ 2.290

Em entrevista, Fava disse que esse valor comprometia cerca de 40% de seu salário da época. “Comecei a fazer as contas e na época foi complicado chegar a um número fechado, porque eu ainda estava pagando pelo carro”, disse. Para se organizar, ele começou a usar aplicativos de organização financeira, como o GuiaBolso, e dois meses depois já tinha vendido o carro.

Mesmo que não compre uma bicicleta própria, optar por locomover-se usando as bikes da Yellow já sai mais barato: considerando que o trajeto de até 15 minutos custa R$ 1, e supondo que o ciclista demore meia hora para realizar seu trajeto de ida e volta para o trabalho, ele gastaria por mês R$ 88, em média — sem considerar os finais de semana. Isso já representa uma economia de R$ 2.202 por mês. 

“A questão financeira pesava muito, mas também tomei a decisão pensando em tornar meu tempo mais produtivo”, contou. Uma vez que abandonou o carro, Paulo diz ter ficado mais disposto e motivado no trabalho, ter notado melhora na saúde física e mental e reduzido o tempo de deslocamento até o trabalho de uma hora e meia para 30 minutos. Ele também usa outros meios de transporte, como ônibus e metrô, mas “sempre que possível” dá preferência para a bicicleta.

Paulo ainda disse que a transição do carro para a magrela pode ser difícil, mas que, uma vez finalizada, você percebe que “viver sem um carro é mais simples do que parece”.

Aline Okada, também paulistana, tomou a mesma decisão. Casada, ela e seu marido deixaram os respectivos trabalhos para tirar um ano “sabático” e, para isso, venderam o carro. “Quando voltamos, pensamos muito se compraríamos de novo um carro. Moramos perto do trabalho atual dele, e eu consigo chegar até o meu usando a ciclovia da Av. Faria Lima”, contou. Acabaram optando por ficar sem carro e comprar uma bicicleta barata: “faz mais sentido”, disse.

Ela explica que sentiu o peso financeiro do carro depois que o vendeu, mas que também se viu livre de outros custos, principalmente “emocionais” — o esforço de fazer revisão do carro, lembrar de lavar, abastecer, consertar quando necessário, entre outros. “A gente nunca coloca esse esforço mental no papel, e eles são significativos. Eles potencializam muito a diferença entre ter uma bicicleta e ter um carro”, contou.

Hoje, com uma bicicleta, Aline faz revisão a cada oito meses. Ela também usa o transporte público e eventualmente, Uber. “Hoje o tempo que levo pra me locomover é também tempo de ler um livro ou de fazer exercícios. Eu agreguei muito mais valor ao meu tempo, é um benefício indireto enorme”, disse.

Existe infraestrutura?
Uma das questões que surgem quando falamos da bicicleta como principal meio de transporte é se existe infraestrutura necessária para que isso seja viável — maior cobertura de ciclovias e ciclofaixas nas cidades, sinalização e regulação específica para ciclistas, entre outros pontos. A resposta, analisando alguns dados estatísticos, é que essa estrutura ainda precisa melhorar bastante.

Em dezembro de 2016, a cidade de São Paulo era a capital do Brasil que tinha a maior malha cicloviária do país, com 468 km; ela é seguida pelo Rio de Janeiro e Brasília, com 450 e 420 km de ciclovias, respectivamente. Cidades como Amsterdã e Berlim, entretanto, têm mais de 1.200 quilômetros de vias exclusivas para ciclistas — três vezes o que hoje tem a capital paulista.

Além disso, no primeiro trimestre deste ano, a morte de ciclistas teve aumento de 17,8% no estado de São Paulo em relação ao mesmo período de 2017. No ano passado foram 73 ocorrências registradas, neste ano foram 86 no período.

Sobre o assunto, Paulo comenta que elas não são “totalmente seguras” e nem “têm o cuidado que deveriam ter”, mas que as pessoas “têm que encarar o desafio”. “Não dá pra esperarmos até elas ficarem perfeitas”, disse.