Bloqueio de CNH e passaporte de devedores será uma decisão comum? Advogados explicam

A primeira decisão desse tipo no Brasil aconteceu em setembro do ano passado em São Paulo

Júlia Miozzo

Passaporte do Brasil

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SÃO PAULO – Em setembro do ano passado, a decisão da juíza Andrea Ferraz Musa de bloquear a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) e passaporte de um devedor paulistano gerou polêmica por se tratar de uma decisão inédita. Até então, era permitido ao juiz somente usar da penhora ou expropriação de bens para garantir o pagamento da dívida, não tomar decisões de tal cunho.

Ela teve como base o novo Código de Processo Civil, mais precisamente o inciso 4º do artigo 139, que passou a valer em março de 2016 e permite medidas coercitivas pelo cumprimento de determinações. O juiz pode, segundo o código, “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

Entretanto, esse tipo de decisão, mais comum nos tribunais de primeira instância, tem sido barrado nos tribunais: dos quatro julgamentos ocorridos no ano passado nas Câmaras de Direito Privado do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), somente um autorizou a restrição.

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O motivo para isso é, segundo o advogado e sócio do contencioso cível do escritório L.O. Baptista Associados, André Mendes, que a decisão de bloqueio de CNH e passaporte “extrapola o direito patrimonial e suspende o direito de ir e vir do cidadão” e, portanto, é uma atitude inconstitucional. “Essa é uma atitude muito extrema e que deve ser adotada somente em casos excepcionais. Embora haja algumas decisões que restringem esse direito, só em alguns casos, excepcionalmente, elas serão julgadas”, disse em entrevista para o InfoMoney.

O especialista continuou explicando que o argumento utilizado na tomada dessas decisões é o de que se o devedor não tem patrimônio para pagar a dívida, ele também não pode usufruir de uma vida luxuosa – que, no caso, abrange viagens para o exterior e posse de carros.

“Inicialmente acreditou-se que esse tipo de decisão seria mais comum, mas ela é excepcional. Eu diria que depende do caso e que a tendência é de que ela continue sendo aplicada em casos muito específicos”, explicou o especialista. André ainda completou que, no caso de decisões nas Câmaras de Direito Público, caso se prove que foram esgotadas todas as formas de pagar a dívida, essa decisão pode ser autorizada pelos tribunais.

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É o caso de uma decisão ocorrida em 19 de dezembro de 2016, a segunda do tipo no Brasil, em que o Ministério Público não encontrou “nenhuma quantia em dinheiro em suas contas bancárias” e “não havendo veículos em sua titularidade, tais documentos [CNH e passaporte] mostram-se manifestamente desnecessários, de modo que devem ser apreendidos”, conforme relata a decisão do relator responsável, Rubens Rihl.

O advogado especialista em processo civil Rodrigo Lucas, do escritório Miguel Neto, compartilha da opinião de Mendes sobre esse tipo de decisão: “A satisfação do crédito deve ser buscada em via de regra no patrimônio do devedor, não em sua liberdade. A regra, para mim, é de que ele responde a dívida no limite de eu patrimônio. Qualquer decisão que restrinja sua liberdade é arbitrária”, explicou.

No caso de dívidas relacionadas ao não pagamento de multas de trânsito, Lucas acredita que esse tipo de decisão faz sentido já que ela está relacionada ao objeto da causa. “Não faz sentido que a decisão limite a circulação do veículo pois o processo é em relação ao objeto. Nesse caso específico, eu sou favorável à decisão”, disse. Ela não deve, entretanto, ser interpretada de forma abusiva em outras situações.