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Como pedir indenização, reparar casa e ausência no trabalho por desastre natural?

População precisa documentar situação das casas afetadas antes de acionar Justiça; veja recomendações

Anna França

Homem atravessa área alagada no Rio Grande do Sul (Gustavo Mansur/Palávio Piratini)

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Uma catástrofe ambiental sem precedentes no Brasil. Assim pode ser definida a situação do Rio Grande do Sul, que deixou milhares de pessoas sem casa e centenas de desaparecidos e mortos. Para além dos impactos sociais, a vida das pessoas atingidas ficou, literalmente, em suspensão.

Para ajudar a população afetada a resolver questões práticas, como a perda do imóvel, do aluguel e entender como ficam as questões relacionadas ao trabalho, o InfoMoney buscou respostas de especialistas. Confira:

1- O que fazer com aluguel de casa alagada?

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De acordo com o Código Civil, em sua seção que trata das locações de imóveis urbanos, o locatário pode pleitear uma redução proporcional do valor do aluguel ou mesmo a rescisão do contrato de locação, sem incidência de multas, caso o imóvel alugado torne-se inabitável ou impróprio ao uso a que se destina em razão de eventos como enchentes ou desastres naturais, informa a advogada Daniela Poli Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados. “É essencial que tal pedido seja formalizado e documentado, preferencialmente com a realização de um laudo técnico que comprove as condições do imóvel”, diz.

A advogada Janaína De Castro Galvão, sócia na área de Contencioso Cível e Resolução de Conflitos da Innocenti Advogados, lembra ainda que os contratos de locação, em geral, possuem cláusula determinando que o locador faça a contratação de um seguro residencial para o imóvel, com cobertura para eventos como incêndios e alagamentos. “Nesse caso, se o seguro tiver sido contratado, o locador poderá entrar em contato com a seguradora, comunicando o sinistro e iniciando o processo para recebimento da indenização”, explica.

2-Se o proprietário não tiver seguro ou a apólice não cobrir os estragos de fenômenos climáticos, o que posso fazer?

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Caso não haja a contratação de seguro residencial e o alagamento se dê por catástrofes naturais, como é o caso das enchentes que estão assolando diversas cidades do Rio Grande do Sul, o mais aconselhável é que o locatário tente chegar a um acordo com o locador (proprietário) sobre os danos sofridos pelo imóvel.

“É sempre importante que o locador documente todos os fatos ocorridos, para que sua indenização seja liberada com a maior rapidez possível; fotos e vídeos são aceitos como prova”, diz Janaína. Se o imóvel alugado precisar de algum reparo após a inundação, caberá ao proprietário promovê-los, não podendo cobrar os serviços de reparos do locatário. 

3 – Como pedir indenização ao governo?

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Em casos em que há declaração oficial de estado de calamidade, os afetados têm direito a auxílios emergenciais ou indenizações estabelecidas por lei. Estes benefícios vêm de fundos estaduais ou federais destinados a situações de emergência e também de seguradoras, dependendo das apólices contratadas que cubram danos por desastres naturais. “É vital verificar as condições específicas das políticas de seguro e os decretos governamentais que ativam esses mecanismos de apoio financeiro”, afirma a advogada Daniela Poli Vlavianos.  

Para se pedir indenização ao governo pelos prejuízos sofridos com as enchentes, Janaína De Castro Galvão lembra que a pessoa afetada (proprietário, ou até mesmo o inquilino que perdeu seus bens) deverá procurar um advogado para ajuizar uma ação judicial. Essa ação deverá ser instruída com documentos que comprovem os danos sofridos pelo imóvel – e pelos bens – através de fotos, vídeos, registros por escrito. No caso dos bens móveis que estragaram com a enchente, deverá ser comprovado, ainda, a existência deles antes do evento e que eles estavam em perfeito funcionamento.

4- Proprietário pode cobrar aluguel do morador se a casa ficar inabitável?

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Se a enchente for forte o suficiente para deixar o imóvel inabitado, o proprietário não pode cobrar o aluguel do locatário, até que este possa voltar ao local. Neste caso, o locatário pode até pedir a rescisão do contrato de locação, explica Janaína.

5-Reparos no imóvel são de responsabilidade do proprietário?

Os reparos dos danos num imóvel alugado, causados por uma enchente, são de responsabilidade do proprietário, conforme dispõe a Lei das Locações (Lei 8.245/91). Nesse caso específico, os reparos não podem ser cobrados do locatário, já que ele só responde por aqueles danos aos quais ele tenha dado causa.

“Como enchentes, inundações e outras catástrofes naturais são consideradas evento fortuito, caso típico de excludente de responsabilidade, o locatário  não poderá ser compelido a reparar o imóvel locado”, afirma a advogada.

6. Como justificar faltas no trabalho por fenômeno climático?

De acordo com a advogada Líbia Alvarenga de Oliveira, sócia da área trabalhista da Innocenti Advogados, na legislação trabalhista, não está previsto o abono de falta motivada por eventos naturais, o que significa que o empregador pode descontar essas faltas do empregado, se assim desejar. “No entanto, é importante abordar esse assunto com bom senso, considerando todas as consequências que essa decisão pode ter tanto internamente quanto externamente, diante de parceiros e clientes”, afirma Líbia.

Para o advogado trabalhista, Ronan Leal Caldeira, head trabalhista do GVM Advogados, mesmo que não haja previsão na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de justificativa de ausência pela questão climática, pode-se aplicar a força maior e o caso fortuito que impedem o empregado de ir trabalhar, uma vez que atingem inclusive os meios de locomoção necessários, que ficam indisponíveis. “Não havendo como trabalhar, pode buscar-se outras medidas como o home office, caso seja possível.”

Líbia dá como exemplo semelhante ao que ocorreu durante a pandemia da Covid-19, quando várias empresas, mesmo antes das medidas provisórias (MPs) serem publicadas, se organizaram e negociaram antecipações de férias, implementaram banco de horas e muitas delas buscaram o auxílio dos sindicatos representativos da categoria para negociar a melhor solução possível, visando causar o mínimo de prejuízo para todos os envolvidos.

Daniela Poli Vlavianos lembra ainda que, em cenários de calamidade, a CLT oferece mecanismos para que as empresas possam reorganizar as jornadas de trabalho, mediante acordo ou convenção coletiva, assegurando a proteção dos trabalhadores. “Caso a empresa não possa operar, é possível a suspensão temporária do contrato de trabalho, com possibilidade de compensação futura das horas não trabalhadas. Além disso, o empregador é obrigado a garantir um ambiente de trabalho seguro, o que pode incluir medidas excepcionais em situações extremas.”

7. Trabalhador vai ter de recorrer à Justiça para não ter dias descontados?

O trabalhador pode buscar amparo na Justiça, se sofrer penalidades mais severas devido às suas ausências. “Desde que consiga comprovar a relação entre a penalidade e as ausências justificadas”, afirma Líbia. Segundo a advogada, o empregador tem o direito de descontar as faltas do empregado, porém não pode demiti-lo por justa causa em decorrência dessas faltas que, mesmo não sendo abonadas legalmente, foram devidamente justificadas. A única possibilidade de penalizar o trabalhador por faltas é quando estas são injustificadas.

Ronan lembra ainda que as entidades sindicais podem se valer de suas prerrogativas e negociar com os empregadores visando uma composição para evitar tais descontos.

É preciso documentar tudo

É muito importante que o trabalhador reúna provas caso o empregador decida aplicar uma punição indevida por faltas justificadas. “Como a justificativa da ausência é legítima, ter evidências sólidas pode ser crucial para defender seus direitos.” Veja algumas formas:

• Comunicação por escrito (e-mail, mensagem de texto, carta) ao empregador informando sobre a causa da ausência;

• Guardar qualquer forma de comunicação que demonstre a aprovação ou ciência do empregador sobre a justificativa da falta;

• Registrar testemunhos de colegas de trabalho ou outras testemunhas que possam confirmar a razão da ausência;

• No caso de eventos climáticos, guardar notícias publicadas em jornais. Ao ter essas provas em mãos, o trabalhador estará mais bem preparado para contestar qualquer punição injusta por faltas justificadas.

Anna França

Jornalista especializada em economia e finanças. Foi editora de Negócios e Legislação no DCI, subeditora de indústria na Gazeta Mercantil e repórter de finanças e agronegócios na revista Dinheiro