Com Selic em 2,75%, economia no financiamento imobiliário pode chegar a R$ 240 mil com portabilidade; veja simulação

Procura pela migração do empréstimo de um banco para outro aumentou, mas o processo é burocrático; especialistas recomendam renegociação

Giovanna Sutto

Prédio residencial (conceptualmotion/ Getty Images)

Publicidade

SÃO PAULO – A compra de um imóvel, geralmente, é a maior compra da vida de uma pessoa. Os valores são altos e a dívida é de longo prazo. Por isso, é comum avaliar as opções de financiamentos para conseguir fechar o negócio mais vantajoso possível em termos de custos. Porém, com o ciclo de queda da Selic, taxa básica de juros da economia, que aconteceu nos últimos anos, muitos brasileiros podem estar pagando mais do que precisariam em seus respectivos empréstimos imobiliários.

A Selic foi de 14,25% ao ano em 2015 para 2% a.a. em 2020. Na última quarta-feira (17), depois de quase seis anos, o Comitê de Política Monetária (Copom) voltou a subir a taxa e elevou de 2% a.a. para 2,75% a.a. — ainda assim, nível historicamente baixo para o país.

Na prática, a queda da Selic está diretamente relacionada aos custos dos empréstimos imobiliários porque as instituições financeiras, responsáveis por ofertar esse tipo de financiamento, costumam repassar parte dos cortes da taxa básica de juros às taxas cobradas nos contratos — o que torna as prestações mais suaves e pode viabilizar a negociação para mais pessoas.

Masterclass

O Poder da Renda Fixa Turbo

Aprenda na prática como aumentar o seu patrimônio com rentabilidade, simplicidade e segurança (e ainda ganhe 02 presentes do InfoMoney)

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Mas quem tomou um empréstimo imobiliário em 2016, por exemplo, poderia economizar muito se optasse pela portabilidade de crédito, ou seja, migrar seu contrato de um banco para o outro a fim de fugir das taxas de juros desvantajosas acordadas anos atrás e conseguir taxas melhores diante das opções atuais do mercado. Hoje, na média, os juros dos financiamentos são muito menores do que eram cinco anos atrás.

Para entender o tamanho da economia: uma simulação feita pela Melhortaxa, plataforma online de crédito imobiliário, mostra que uma pessoa poderia economizar cerca de R$ 240 mil em um financiamento de um imóvel que custasse R$ 800 mil ao optar por migrar um contrato fechado em 2016, quando a taxa média girava em torno de 10,7% a.a., para um em outra instituição com as taxas cobradas atualmente.

Um outro exemplo da simulação mostra que ao fazer uma portabilidade de um empréstimo imobiliário fechado em 2018, quando a taxa média era de cerca de 9% a.a., para um contrato com as taxas atuais, a economia pode chegar a algo em torno de R$ 160 mil. Hoje, com uma taxa média de 6,99% a.a. as prestações poderiam ficar bem menores.

Continua depois da publicidade

Simulação

A Melhortaxa comparou o antes e o depois da portabilidade para outra instituição financeira, utilizando como parâmetros contratos fechados em maio de 2016 e maio de 2018 — quando a média das taxas cobradas estavam entre 9,2% a.a. e 10,7%. a.a. — e fazendo a migração da dívida para a um contrato atual, em que a taxa média cobrada é de 6,99%, com a Selic em 2,75% a.a.

Para a simulação foram considerados imóveis de R$ 800 mil e uma portabilidade entre modalidades iguais, no caso, com a opção mais tradicional: Taxa Referencial (TR) mais uma taxa fixa. Hoje a TR está zerada.

Veja:

Como funciona a portabilidade?

Segundo Roberto Bachmann, professor de finanças da PUC-PR, o primeiro passo que o cliente deve tomar ao considerar a portabilidade é conhecer os detalhes do seu contrato de financiamento.

“Boa parte dos tomadores não conhecem o saldo devedor, o prazo remanescente da dívida, a taxa de juros contratada, forma de amortização, valor de cada prestação, entre outros. Então, antes de fazer a portabilidade peça ao banco os dados do financiamento – mesmo sem mencionar sua intenção. Com isso em mãos fica mais fácil comparar novas propostas”, explica.

Depois, para iniciar o processo de portabilidade, o cliente deve buscar o “banco B” para o qual pretende migrar o crédito. A própria instituição entra em contato com o banco original (no qual o cliente tem o empréstimo) e solicita os dados do financiamento.

O banco original entrega as informações da dívida. O “banco B” vai analisar o perfil de crédito e confirmar com o banco original o saldo da dívida. Se o cliente for aprovado pelo “banco B” (novo credor), vai receber uma proposta para fazer a migração. Se optar por fazer a portabilidade, a transferência de recursos acontece.

Processo burocrático

O processo, na prática, é moroso e burocrático. “É complexo fazer uma portabilidade porque é como se a instituição recebedora estivesse fazendo um novo financiamento. É uma operação de longo prazo e o novo credor vai assumir todos os riscos da operação, como o de inadimplência. Então, antes de aprovar o crédito ao cliente fará uma avaliação do mesmo, bem como do imóvel”, explica Bachmann.

Danielle Akamine, advogada do Akamines Advogados e Negócios Imobiliários, concorda que o processo é burocrático, mas lembra que as instituições têm prazos que devem ser cumpridos nesse trâmite. “A partir do momento que o cliente dá entrada no banco recebedor da portabilidade, o banco original do cliente tem até cinco dias úteis para compartilhar as informações da dívida. Não pode passar disso”, afirma.

Michael Viriato, professor de finanças do Insper, explica que além do processo ser moroso por se tratar de uma grande dívida, os bancos que podem perder seus clientes não têm interesse em agilizar a burocracia.

“O crédito imobiliário hoje no Brasil é muito concentrado nos grandes bancos. Quando o cliente diz que quer fazer a portabilidade os bancos levam o máximo de tempo que conseguirem — é a chamada operação padrão, usam todo o tempo disponível. Isso desestimula o cliente. Eles não têm interesse em ajudar um cliente que vai sair da sua carteira. E mais: o processo não deve melhorar, já que os bancos que detém a maioria dos financiamentos não vão investir em tecnologia para facilitar um processo de portabilidade”, diz. Vale lembrar, no entanto, que o banco original não pode se recusar a fazer a portabilidade.

Além disso, a advogada acrescenta que o banco original tenta fazer novas ofertas na tentativa de uma renegociação. “E essa costuma ser a melhor opção: tentar renegociar antes de fazer a portabilidade. Inclusive, ainda mais eficiente do que o cliente procurar o banco para tentar renegociar, é procurar o banco quando já deu início no processo em outra instituição — porque pode incentivar o banco que já possui o financiamento a buscar a melhor taxa possível”, sugere.

Mas atenção: o que consumidor deve ficar atento é se o banco não está praticando venda casada. Ele pode te oferecer uma taxa de juros menor se você quiser ter outros produtos financeiros além do financiamento, mas o que ele não pode é te obrigar a tê-los para poder liberar o crédito mais barato.

Custos da portabilidade

Ao fazer a portabilidade, o tomador do crédito pode conseguir uma economia significativa como mostram as simulações. Embora possa ser um processo vantajoso, a portabilidade envolve custos, já que é como se um novo financiamento começasse. “Nesse sentido, é importante entender se a economia da migração do contrato vai compensar os custos do processo”, afirma Bachmann.

Segundos os especialistas contatados, são dois custos principais: a taxa de avaliação jurídica de bens, cobrada pelo banco, que segundo Danielle fica em torno de R$ 3.100, e que varia de acordo com cada instituição; e o custo de averbação, cobrado pelo cartório pela troca de contrato entre instituições, que também muda a depender da região e do valor do imóvel.

Segundo dados da Arisp, entidade que representa os cartórios no estado de São Paulo, para imóveis na capital paulista que custam entre R$ 581 mil a R$ 872 mil, por exemplo, esse custo da portabilidade ficaria em cerca de R$ 970. “Há também a possibilidade de algumas taxas extras a depender da instituição”, alerta Bachmann.

Devido esses custos extras, a renegociação é consenso entre os especialistas consultados. “É crucial que o cliente avalie as propostas que têm em mãos – e não esqueça do próprio banco no qual já tem a dívida. O interesse em manter o cliente é todo dele. Muito provavelmente vai oferecer uma taxa mais baixa para reter o cliente”, avalia Bachmann.

Observe o CET

Danielle diz que a avaliação das opções vai além das taxas de juros. É preciso observar o Custo Efetivo Total (CET) da portabilidade, ou seja, todas as despesas da potabilidade que vão além dos juros do empréstimo, como tarifas operacionais, e seguros obrigatórios, cujos preços variam de banco para banco.

“A taxa de juros é apenas um dos componentes do total. O custo dos seguros, como o MIP (Morte e Invalidez Permanente) pode variar bastante entre os bancos. Às vezes, a taxa de juro do ‘banco A’ é um pouco mais alta, mas o custo com o MIP é menor e compensa essa taxa. Nesse caso, o CET seria menor. É bom ficar de olho nessas diferenças”, diz.

Uma resolução do Banco Central (nº 4.197) obriga todos os bancos a apresentarem o CET das operações de crédito. E alguns sites de associações de consumidores, como o da Proteste, também possuem ferramentas que ajudam o consumidor a calcular o CET dos financiamentos imobiliários.

É possível fazer uma portabilidade entre modalidades diferentes?

Na prática, a portabilidade permite que o cliente tenha a opção de migrar seu contrato de financiamento imobiliário de uma instituição para outra em busca de taxas menores. Esse formato foi definido em 2006, com a regulamentação nº 3.401/2006 do Banco Central. Mais tarde, em 2013, a resolução nº 4.292 também do BC incluiu mais regras, como o prazo de até cinco dias úteis para que o banco informe os detalhes da dívida a ser portada, por exemplo.

A título de exemplo, a simulação da Melhortaxa considerou portabilidades entre a mesma modalidade, a TR + taxa fixa. Porém, de acordo com a resolução n° 4.762 de 2019 também do BC é permitido que uma pessoa opte por fazer a portabilidade entre modalidades diferentes. Na prática, seria possível fazer a migração de um contrato TR + taxa fixa para um corrigido pela poupança, por exemplo.

O InfoMoney contatou os cinco maiores bancos do país para entender se eles aceitam a portabilidade de modalidades diferentes. Em nota, Banco do Brasil, Caixa e Santander informaram que podem receber portabilidade de diferentes modalidades. Itaú e Bradesco não responderam à solicitação.

Mesmo que a portabilidade entre modalidades distintas seja permitida e aceita em alguns bancos, Danielle sugere que o cliente que está em um contrato corrigido pela TR, não efetue uma troca de modalidade ao decidir migrar a dívida.

“O financiamento pela poupança é o mais vantajoso hoje em termos de taxas de juros e CET. Porém, isso é apenas o retrato atual. A tendência é de que a Selic encerre o ano em 4,5% a.a. – em uma perspectiva conservadora. Nesse patamar já não vale a pena trocar. No caso do IPCA é a mesma lógica. O cliente vai trocar de modalidade para tentar economizar, mas tudo indica uma alta em breve. Não vale fazer a portabilidade de modalidade para pagar mais caro. É um contrato de longo prazo”, avalia.

Uma reportagem do InfoMoney comparou as modalidades de financiamentos com a Selic a 2,75% a.a., e a modalidade poupança é a mais barata no cenário atual (clique aqui para saber mais).

Bachmann lembra também que em um passado recente, em que a Selic estava em dois dígitos, as modalidades de financiamento corrigidas pelo IPCA e pela poupança sequer existiam. Tanto que a resolução do BC é de novembro 2019, três meses depois da opção atrelada ao IPCA ser lançada pela Caixa.

“Então, naturalmente, até então a portabilidade era apenas a troca pela mesma modalidade. Hoje temos mais opções, mas que podem se tornar desvantajosas considerando que são atreladas a índices voláteis”, diz.

Portabilidade aumentou em 2020, mas volume ainda é baixo

Segundo dados do Banco Central, 2020 apresentou o maior número de pedidos de portabilidade desde 2014: foram 45.799 solicitações. Para ter uma ideia de comparação, em 2015, quando a Selic estava em 14,25% a.a., foram feitos apenas 618 pedidos, cerca de 1,34% do que foi no ano passado. Em 2016 foram ainda menos pedidos feitos, apenas 152, ou 0,3% do que se viu em 2020.

“Apesar da alta significativa nos pedidos, o volume de portabilidade ainda representa muito pouco do estoque de financiamentos assinados no período de Selic alta”, pontuou Danielle Akamine, advogada do Akamines Advogados e Negócios Imobiliários. De fato, entre 2014 e 2018, quando a Selic estava em patamares bem acima do atual, foram financiados 1.073.437 imóveis segundo dados da Abecip, que representa as entidades de crédito. Mesmo o volume de portabilidade visto em 2020, recorde para o período considerado, representa apenas 4,2% do total.

Ainda, se considerarmos os pedidos efetivados, ou seja, quando a portabilidade de uma instituição para outra realmente aconteceu, os números são ainda mais irrisórios. Em 2020, das 45.799 solicitações de portabilidade cerca de 35% delas aconteceram (ou 16.173). “Isso significa que a imensa maioria dos clientes consegue a renegociação com o banco”, diz Danielle. Em 2015, os pedidos efetivados representaram 22% do total e em 2016, cerca de 20%.

Bom momento para a portabilidade

Também há um consenso entre os especialistas consultados de que o cliente que está avaliando fazer a portabilidade deve fazer isso o quanto antes. “É o momento das pessoas que têm contratos com taxas altas buscarem alternativas. A sinalização é de novo aumento na próxima reunião da Selic”, avalia.

Rafael Sasso, cofundador da Melhortaxa, ressalta que a portabilidade é uma ferramenta que o cliente tem direito de usar, se achar necessário e também concorda que é um bom momento. “Não é hora de esperar. As pessoas devem ir atrás para comparar as possibilidades. A tendência é que de a taxa do financiamento acompanhe a alta da Selic no médio prazo e os custos dos financiamentos podem voltar a subir. A falta de informação ainda é um dos principais fatores que mantém as pessoas afastadas desse recurso”, diz.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.