Com gasolina em alta, conversão de carros para GNV sobe 88% em 2021: quais são os custos e quando vale trocar?

Modificação é vantajosa para quem roda muito e mora perto de locais com oferta do produto; pós-GNV, carro perde potência e exige manutenção constante

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – O preço dos combustíveis não parou de crescer neste ano: a gasolina já subiu mais de 28% e o álcool passa de 38%, segundo dados até agosto da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Agosto marcou, também, o recorde nos preços dos produtos no país, com o valor médio da gasolina a R$ 5,93 e o máximo ultrapassando os R$ 7,20. O etanol foi encontrado a R$ 4,50, na média, e chegou a R$ 6,99.

Como efeito de comparação: em agosto de 2020, o preço médio da gasolina estava em R$ 4,20 e o máximo era de R$ 5,70. No caso do etanol, no mesmo período, a média era de R$ 2,70 e o preço máximo de R$ 4,90.

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Em setembro, as elevações de preço continuaram e, até a terceira semana do mês, o custo médio da gasolina era de R$ 6,09 e o do etanol de R$ 4,71.

Com os preços nas alturas, o consumidor faz malabarismos para economizar o combustível que consegue comprar nos postos. O InfoMoney já abordou o assunto com dicas práticas de economia de combustível e produziu um vídeo que explica os motivos por trás a alta dos valores (veja no player acima).

Mas uma parte dos brasileiros também vem considerando outra alternativa para aliviar o bolso: a substituição dos combustíveis líquidos para o Gás Natural Veicular (GNV).

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O número de automóveis convertidos para GNV alcançou 163.168 unidades entre janeiro e setembro (até o dia 28) deste ano, uma alta de 88,5% em relação ao mesmo período de 2020, quando o procedimento havia alcançado 86.518 carros, segundo a Senatran (Secretaria Nacional de Trânsito), antigo Denatran.

Na fase mais aguda de aumento dos preços dos combustíveis líquidos, entre junho e agosto deste ano, o ritmo das conversões para GNV foi ainda maior e atingiu crescimento de 125% na comparação com o mesmo trimestre do ano passado, também de acordo com a Senatran.

O InfoMoney ouviu especialistas e fez simulações para ajudar quem busca saber se a conversão do veículo para o GNV compensa no atual cenário econômico.

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Como funciona a conversão para GNV?

O GNV é considerado um combustível alternativo, na forma gasosa, e mais barato e menos poluente. O gás natural é encontrado em rochas porosas no solo e também de forma associada ao petróleo. No caso da Petrobras, as plataformas extraem da camada pré-sal o petróleo e o gás natural, por exemplo.

Existem três formas de ter um carro movido por GNV: instalando um kit de conversão de combustível no próprio carro (novo ou usado); comprando um carro usado que já seja abastecido com GNV; ou adquirindo um carro já preparado para receber a estrutura de instalação do GNV.

Isso porque os carros que saem de fábrica hoje não comportam o uso do gás natural como combustível. Eles foram fabricados para rodarem com combustíveis líquidos (gasolina ou álcool) que possuem características diferentes, explica Cassio Pagliarini, da consultoria automotiva Bright Consulting.

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“Para usar o GNV é necessário um motor que tenha alguns componentes especiais em sua construção, mais resistentes ao gás, como a guia e a sede de válvulas de aço, por exemplo, além de adaptações como os bicos de injetores [que fazem a mistura adequada entre o combustível e o ar] para que o gás entre no motor. Assim, é preciso fazer a instalação do chamado ‘kit GNV’ para deixar o motor mais robusto e adequado ao combustível gasoso”, explica o consultor.

O kit nada mais é do que a instalação da infraestrutura necessária para que o carro possa rodar com o gás natural. Entre os itens presentes nele estão: o redutor de pressão, filtro, sensor de pressão, fluxo e temperatura do combustível, mangueiras de gás e água, bicos injetores, entre outros, de acordo com Pagliarini.

“Os veículos a gás vão exigir um reservatório, que são os cilindros que ficam no porta-malas ou na parte de baixo do carro e geralmente são amarelos. Boa parte dos consumidores utilizam, inclusive, dois cilindros”, complementa.

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Hoje, poucos carros podem sair de fábrica com uma predisposição para a instalação do kit GNV. Um exemplo é o Fiat Grand Siena 1.4 Flex, que custa em torno de R$ 67,5 mil.

Segundo a Fiat, o modelo é um sedã de entrada com alta procura para o mercado de transporte de passageiros —atividade em que, geralmente, o carro roda bastante.

Lincoln Nogueira possui um Chevrolet Spin e fez a conversão no fim de junho devido à alta dos combustíveis líquidos. Ele é motorista de aplicativo e viu vantagem na alteração.

“Já considerava fazer a mudança, porque gastava muito com o combustível durante as viagens. A gasolina subiu e eu não podia ficar à mercê dos preços. Não dá para trabalhar para pagar o combustível”, diz.

Vale lembrar que a conversão do kit GNV não é definitiva. O processo reverso tem custos para retirada dos equipamentos e a regularização dos documentos do carro.

“Porém, não é muito comum. Feita a conversão, dificilmente, o consumidor volta atrás. O que pode acontecer é vender o carro e, de repente, comprar um outro veículo [movido por] gasolina ou etanol”, diz Milad Kalume Neto, diretor da Jato Dynamics.

“Historicamente, quando o preço da gasolina e do etanol sobem a demanda para o GNV aumenta e estamos passando por um desses períodos”, diz Gustavo Galiazzi, gerente técnico da Abegás (Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado).

O gerente da Abegás afirma que, entre janeiro e junho deste ano (dados mais recentes), as vendas de GNV cresceram 16,1% no país em comparação com o mesmo período de 2020.

Custos envolvidos

O preço do GNV subiu 48% neste ano, segundo dados até agosto da ANP. Esse patamar de aumento foi registrado após reajustes do produto ocorridos em maio e agosto. Entre 19 e 25 de setembro, o preço médio do combustível gasoso atingiu R$ 4,13 por metro cúbico —a unidade de medida do gás.

O preço do GNV é atrelado ao câmbio do dólar e à cotação do petróleo, ou seja, os valores variam constantemente.

“A referência para o ajuste de agosto é a cotação dos meses de abril, maio e junho. Durante esse período, o petróleo teve alta de 13%, seguindo a tendência de alta das commodities globais; e o real teve valorização de cerca de 4% em relação ao dólar, em consequência, o ajuste será de 7% em R$/m³”, informou a Petrobras, na época.

Pagliarini explica que o carro movido a GNV tem a vantagem de fazer o carro rodar mais gastando menos gás.

Em uma simulação feita pela Fiat, em 2019 (os dados seguem como referência do mercado), a média de consumo de carros movidos por etanol atingiu 7,5 km/l. Os com gasolina, a média saltou para 10,7 km/l. Já com GNV, o desempenho dos veículos de passeio obteve 13,2 km/m³.

O preço do kit GNV varia de R$ 4 mil a R$ 7 mil, a depender da geração do kit, afirma Galiazzi, da Abegás.

“Os valores variam conforme o carro também. Modelos mais novos precisam de kit mais novos, geralmente da chamada 5ª geração. Atualmente, a versão top de linha do kit é a de 6ª geração encontrada na Ásia e Europa”, diz.

Também é preciso atualizar a documentação do veículo no Detran, o que tem um custo. “O departamento vai avaliar onde a instalação foi feita, pedir documentos, fazer inspeções e aprovar a conversão, o que também tem custos para o consumidor”, afirma Kalume Neto, da Jato Dynamics.

Segundo o Detran-SP, o custo da documentação varia entre R$ 220 e R$ 330 —o valor depende do ano do último licenciamento.

Na conversão para GNV, o consumidor faz “um procedimento de alteração nas características do veículo em relação à sua fabricação, o que resulta na emissão de um novo Certificado de Registro de Veículo (CRV)”, diz o site do Detran paulista.

Incentivos fiscais

Além do desempenho por km rodado, um quatro rodas com GNV ainda pode ser beneficiado com desconto em tributos, como o IPVA (Imposto sobre Propriedades de Veículos Automotores). Mas a vantagem depende do CEP.

O desconto já é realidade nos estados de Rio de Janeiro, Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso. Em Pernambuco, o ICMS (imposto que incide na circulação de mercadorias e serviços) do GNV é descontado, e o preço do produto fica mais vantajoso ao consumidor.

Tanto é que em terras pernambucanas, segundo Galiazzi, o consumo de GNV subiu 34% em julho na comparação com o mesmo mês de 2019, por exemplo. “A ideia é incentivar as pessoas a utilizarem mais o gás natural, que pode ser mais econômico e também mais sustentável”, diz o gerente da Abegás.

Em média, um veículo abastecido com gás natural gera de 20% a 30% menos de CO2 na comparação com veículos abastecidos com etanol e gasolina, segundo dados da União Internacional de Gás (IGU, na sigla em inglês).

A Abegás projetou a economia do GNV por km rodado em São Paulo, a partir do preço do produto praticado na terceira semana de setembro. Com o gás natural, segundo a associação, a economia pode chegar a 58% em relação ao etanol e 53% na comparação com a gasolina.

Retorno sobre o investimento

Antes de decidir pelo GNV, é preciso calcular quanto tempo vai levar para o investimento feito no processo retornar. A reportagem do InfoMoney fez uma simulação a partir da People Interactive, ferramenta que faz esse tipo de análise.

A simulação considerou uma pessoa que dirige cerca de 500 km por mês, um kit GNV na faixa dos R$ 5 mil e os preços médios dos combustíveis cotados na terceira semana de setembro, com a gasolina em R$ 6,07, o etanol em R$ 4,68, e o GNV em R$ 4,13.

Ao final, descobriu-se que seriam necessários 32,1 meses para pagar o investimento inicial feito na conversão. Para quem roda 100 km por mês, em média, nas mesmas condições, o prazo é de 16 meses para ter o retorno do aporte.

“Para pessoas que rodam pouco, esse retorno pode ser demorado”, alerta Galiazzi. Por isso, os especialistas têm o consenso de que a conversão é mais vantajosa para quem usa muito o carro.

Quem roda 2.500 km por mês, segundo a People Interactive, o retorno é obtido entre 5 e 6 meses;  enquanto que a pessoa que se locomove por 5 mil km ao mês tem ao menos três meses de prazo para pagar o investimento.

Foi o caso de Nogueira, motorista de aplicativo que dirige cerca de 5 mil kms por mês e fez um investimento de R$ 3.500 em uma oficina em Santo André, cidade da Grande SP: ele já teve seu retorno.

“No papel já recuperei o investimento feito, mas eu paguei mais barato porque os preços ainda não estavam tão altos. A mesma oficina hoje cobra cerca de R$ 4 mil para instalar o kit”, diz Nogueira.

O motorista diz gastar R$ 1.200 mensais e faz uma média de 16 km por m³. “Antes da conversão, gastava uma média de R$ 3.200 de combustível por mês. A economia no meu caso foi exorbitante”, avalia.

É preciso ficar atento…

Apesar de o GNV ser uma possibilidade de economia, vale olhar com lupa outras variáveis que poderão pesar na decisão de fazer ou não a conversão do carro.

Fique atento à infraestrutura dos locais que vendem GNV e busque saber se você está perto deles. Segundo a Abegás, há 1.623 postos ativos com o combustível gasoso espalhados em 500 municípios do país.

“Nos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, você encontra mais facilmente. Mas, no interior, é muito difícil achar. Então, o cliente precisa avaliar se a região por onde vai rodar tem os postos adequados”, diz Raphael Galante, economista especializado no segmento automotivo.

O Rio de Janeiro, por exemplo, consome 50% do produto ofertado no país, o que depreende que por lá a oferta é abundante. São Paulo vem logo atrás, com 12%. Bahia (5%) e Minas Gerais (6%) são outros dois estados com oferta expressiva.

Outra questão é sobre onde será realizada a conversão. A dica é buscar oficinas certificadas pelo Inmetro, cujas atividades são regularizadas e fiscalizadas.

“Mudar o combustível mexe com a estrutura do carro, por isso, é crucial buscar oficinas certificadas pelo Inmetro que façam um trabalho idôneo. Se uma empresa não homologada fizer essa conversão, o cliente perde a garantia do carro e a fabricante não se responsabiliza. Pode ser perigoso”, diz Galante.

Pagliarini, da Bright Consulting, também pontua que uma conversão mal feita pode gerar desgastes e afetar a durabilidade do motor. “Ele pode dar problemas entre 50 mil e 80 mil kms rodados considerando um carro zero”, diz.

E considerar que o veículo vai diminuir a potência. “Na média, o carro perde entre 10% e 20% de potência na comparação com a gasolina e o etanol, se a conversão for bem feita. Se for em um local não confiável, pode perder muito mais”, afirma.

Galante acrescenta que a instalação dos cilindros de GNV também torna o carro mais pesado, o que exigirá manutenções constantes. “Isso pode gerar desgaste maior nos amortecedores, dirigibilidade ruim por causa da má distribuição do peso e diminui a vida útil dos pneus e freio”, diz.

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Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.