Chips estão em todos os lugares – menos nas fábricas

Pandemia é parte da explicação para a explosão da demanda por semicondutores; produção de automóveis e eletrônicos é afetada

Sérgio Teixeira Jr.

(Pixabay)

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NOVA YORK – O primeiro alerta veio da indústria automobilística: algumas montadoras foram obrigadas a interromper a produção temporariamente por falta de chips. Depois, vieram as empresas de eletrônicos, como Samsung e Sony.

A escassez desses componentes feitos de silício, presentes em produtos tão diversos como escovas de dente elétricas, geladeiras e bicicletas, está causando uma crise sem precedentes numa cadeia produtiva essencial para o que entendemos por vida moderna.

A pandemia é parte da explicação para a explosão da demanda por semicondutores. Há mais de um ano, muita gente passa a maior parte do tempo dentro de casa, para trabalho ou lazer.

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Em muitos casos, isso significou a necessidade de comprar um computador novo. O Instituto de Pesquisas de Mercado IDC, especializado em tecnologia, estima que as vendas de PC aumentaram 13% no ano passado, o maior salto em dez anos.

Esses computadores todos foram usados para fazer planilhas, mas também para happy hours virtuais e para assistir séries na Netflix. Isso significa um aumento enorme de demanda nos enormes data centers que mantêm esse tipo de serviço em funcionamento.

Os chips também são necessários para instalar as redes de telefonia 5G, que começam a pipocar em vários pontos do planeta, e cada vez mais para “mineirar” criptomoedas, como o bitcoin.

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Tudo isso ao mesmo tempo criou um problema inédito para os mais diversos setores – e a solução não é nada simples.

Complexidade extrema

A fabricação de microchips é um dos negócios mais complexos do mundo. Craig Barrett, que foi CEO da Intel e presidente do conselho da Intel, afirmou celebremente que os microprocessadores são o dispositivo mais complicado criado pelos seres humanos.

E caros. Erguer e operar uma planta de última geração pode custar até US$ 20 bilhões. Além do investimento enorme, é necessário um processo de ajustes até que a fábrica esteja operacional, o que pode levar anos.

Um chip moderno, como o recém-lançado M1, da Apple, contém, 16 bilhões de transistores. A escala dessas minúsculas chaves liga-desliga se conta em nanômetros. Hoje, a fronteira da tecnologia de produção está sete nanômetros, ou um quarto de um milésimo da espessura de um fio de cabelo.

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Nem todos os chips precisam dessa performance, é claro, mas mesmo a manufatura de semicondutores de gerações anteriores é complexa – e cada vez mais concentrada na Ásia.

Dependência perigosa?

Em 1990, mais de três quartos da produção de chips acontecia na Europa ou nos Estados Unidos. Hoje, essa proporção se inverteu.

Países asiáticos estabeleceram políticas agressivas de subsídios para a construção das “fabs”, como são chamadas as plantas de semicondutores. A China deve se tornar a maior produtora de chips do mundo até o fim desta década.

Gigantes como Apple e Qualcomm projetam seus chips nos Estados Unidos, mas terceirizam a manufatura para fabricantes especializados na Ásia. Uma das raras exceções é a Intel, que ainda concentra a maior parte da produção em solo americano.

No caso dos chips mais avançados, usados em computadores e smartphones, basicamente toda a produção depende de duas companhias: a TSMC, de Taiwan, e a Samsung, da Coreia do Sul.

Essa dependência tornou-se assunto urgente com a escassez dos últimos meses. Em meados de abril, com um pedaço de silício na mão, o presidente americano, Joe Biden, afirmou que o país precisa de investimentos urgentes.

“Esses chips, esses wafers, baterias, banda larga – é tudo infraestrutura”, disse Biden. Wafer é o nome das rodelas de silício que são a matéria-prima inicial para a fabricação de chips.

A maior autoridade para assuntos industriais da União Europeia, o comissário Thierry Breton, afirmou na semana passada que o bloco foi “ingênuo demais” ao permitir que a produção abandonasse o continente.

A UE anunciou em março um plano para mais que dobrar a capacidade produtiva de microchips até 2030, com investimentos de cerca de US$ 170 bilhões.

Reflexo nos preços

Até lá, porém, a indústria tem de lidar com a falta. A mais afetada é a automobilística. Estima-se que o volume de carros produzidos no primeiro trimestre do ano tenha ficado 5% abaixo do mesmo período no ano passado.

Nem mesmo os estoques extra para componentes-chave, como os processadores, foi capaz de evitar as rupturas no setor. (A previsão de queda nas vendas por causa da pandemia e a consequente redução dos pedidos também não ajudou.)

“Fiquei chocado com o quanto aprendi sobre nossa base de fornecedores”, disse o CEO da Ford, Jim Farley, ao jornal The Wall Street Journal.

A gradual transição para veículos elétricos – que são especialmente dependentes da tecnologia digital – aponta para uma transformação dramática no negócio das montadoras.

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A ideia da manufatura “just in time”, uma cadeia de suprimentos extremamente eficiente, começa a dar lugar à verticalização. As montadoras não fabricarão seus próprios chips, é claro, mas para componentes como baterias a história é outra.

O choque dos semicondutores já começa a ser sentido nos preços dos carros. Na teleconferência de anúncio de resultados realizada no fim de abril, Farley afirmou que a produção da Ford pode ficar até 50% abaixo do previsto.

Farley espera que a oferta de chips só se normalize em 2022. Com a vacinação avançada em mercados-chave como Estados Unidos e Europa, as vendas de carros novos estão aumentando sem uma contrapartida na oferta.

Segundo a Cox Automotive, empresa especializada em informações sobre o mercado de carros, no começo de abril os estoques das concessionárias americanas estavam 25% abaixo dos níveis registrados na mesma época do ano passado. Na prática, isso significa preços mais altos.

Videogames, computadores e celulares

O mesmo pode acontecer com os produtos mais obviamente associados com chips: os eletrônicos.

No ano passado, a Apple atrasou em algumas semanas o lançamento do seu novo iPhone, que havia anos acontecia religiosamente em setembro. A Samsung já indicou que a nova geração do seu modelo mais sofisticado, o Galaxy Note, pode ser adiada para o ano que vem.

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Em sua última divulgação de resultados, a Sony afirmou que não está dando conta de atender a demanda pelo console PS5, “especialmente por causa de entraves no fornecimento de semicondutores”.

Até mesmo eletrodomésticos que usam versão menos sofisticadas dos microprocessadores começam a sentir o aperto. A Whirlpool, uma das maiores fabricantes de linha branca do mundo, disse que não está dando conta de atender todos os pedidos.

“Em algum momento, os consumidores serão afetados pela crise dos chips”, disse numa entrevista recente Ondrej Burkacki, responsável pela vertical de semicondutores da consultoria McKinsey. “Pode haver falta de produtos no segundo semestre, a principal temporada dos eletrônicos de consumo.”

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Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York