Cantareira se despede de 2021 na ‘UTI hídrica’; situação deve piorar em 2022 com falta de chuvas e inépcia de governos

Em nove meses, o reservatório perdeu a metade de sua capacidade; cenário pode piorar no próximo ano, quando o Verão deve ser mais seco

Dhiego Maia

Sistema Cantareira sob colapso em 2014

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O Cantareira se despede de 2021 internado numa “UTI hídrica”.

Se fosse um paciente, o maior reservatório de água da região metropolitana de São Paulo, estaria em um quadro grave de saúde. O Cantareira chegou em dezembro deste ano abaixo dos 25% de sua capacidade — para ser mais exato: nesta sexta-feira (17), a cota era de 24,7%.

O índice é inferior ao alcançado no mesmo dia de 2013, ano da pré-crise hídrica que levou o reservatório ao colapso, a partir de 2014. Naquele 17 de dezembro de 2013, o Cantareira tinha 29,9% de água.

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Em nove meses deste ano, o sistema perdeu pouco mais de 25 pontos percentuais de seu armazenamento — em 8 de março, operava com exatos 50%. Hoje, encontra-se sob restrição, situação dada para quando o armazenamento de água fica numa faixa maior do que 20% e menor de 30%.

O Cantareira é formado por cinco reservatórios (Jaguari, Jacareí, Cachoeira, Atibainha e Paiva Castro) conectados entre si e é responsável por abastecer 46% da população da região metropolitana de São Paulo (7 milhões).

Os números funcionam como um argumento exato de que o Cantareira anda “mal das águas” e caminha para mais uma crise hídrica neste século.

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Luz Adriana Cuartas, pesquisadora em hidrologia do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, monitora o Cantareira desde 2014, ano em que o reservatório precisou bombear água abaixo do nível das comportas, uma reserva técnica que ficou conhecida como “volume morto”.

Cuartas explica que o cenário atual do Cantareira não pode ser analisado de forma isolada. “Depois de 2015, nunca mais o reservatório conseguiu receber chuva na média esperada. Ou seja: o sistema não está conseguindo ter fôlego para se recuperar há muito tempo”, afirma.

“O problema é que a estação seca vem sendo ainda mais severa desde 2020. Pouca chuva, pouca água armazenada e altas temperaturas só fizeram o reservatório declinar”, completa a especialista do Cemaden.

Neste ano, apenas outubro obteve um acumulado de chuva acima da média histórica para o mês no Cantareira, com 166 mm, quando eram esperados 122,3 mm. Em abril, já na estação seca, choveu 9 mm, índice muito abaixo dos 83,1 mm da média para o mês.

Nos 17 dias de dezembro caíram 75,9 mm de água do céu — neste ritmo é pouco provável que o volume atinja os 207,6 mm da média histórica. Mesmo dezembro sendo um mês tipicamente chuvoso, o Cantareira acumulou só 36% de água da chuva.

O Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), órgão responsável pelas informações oficiais do clima no Brasil, diz que no Verão, estação que começa no dia 21 deste mês e termina em 20 de março de 2022, as chuvas serão acima da média no Sudeste, mas não especifica se o aguaceiro vai ajudar a recuperar o volume do Cantareira.

Já o Climatempo prevê que as chuvas no estado serão abaixo da média nos meses de janeiro, fevereiro e março — incluindo, nessa previsão, a Grande São Paulo, onde está localizado o Cantareira.

“A maior parte da chuva do Verão virá na forma de pancadas de chuva, que podem ser eventualmente fortes em vários locais da Grande São Paulo e do interior ou do litoral”, diz o Climatempo.

E continua: “mas essas pancadas de chuva não caem sempre no mesmo lugar de um dia para o outro ou de uma semana para outra. Então, temos uma grande variabilidade espacial da chuva”.

Trocando em miúdos: para o Climatempo, essa situação de chuva com grande variabilidade espacial, dificulta o acúmulo de grandes volumes de água em um mesmo ponto que, se confirmada, pode atrapalhar ainda mais o desempenho do Cantareira em 2022.

Se as chuvas se mantiverem 50% abaixo da média histórica no Verão, o Cemaden calcula que o Cantareira poderá chegar aos 22% de sua capacidade em abril de 2022, mês que marca o próximo período de seca e tende a jogar os indicadores de armazenamento para baixo. De novo: a projeção coloca o reservatório numa situação ainda pior da registrada em 2013.

Esse cenário é o mais pessimista e vem sendo revisado mensalmente pelo Cemaden. Por outro lado, se a precipitação atingir o previsto, o Cantareira pode ter algo em torno de 60% de volume em abril, projeta o Cemaden.

“Os governos precisam trabalhar no pior cenário reconhecendo oficialmente o problema, implantando medidas para a população economizar água e, dependendo da situação, estabelecendo racionamento para o reservatório conseguir um certo fôlego”, afirma Cuartas, do Cemaden.

“Fica uma pergunta: o Cantareira, como foi desenhado, suporta dois anos seguidos de seca? A resposta é não. Se nada for feito de forma urgente, o reservatório ficará numa situação cada vez pior”, conclui.

O que diz a Sabesp

Ao longo de 2021, a Sabesp (SBSP3), companhia administra os sistemas de água de 375 das 465 cidades paulistas, incluindo o Cantareira, vem mantendo o mesmo discurso: não haverá desabastecimento na Grande São Paulo, apesar de admitir em respostas anteriores aos questionamentos do InfoMoney que “houve queda da vazão dos mananciais devido à falta de chuvas”.

A Sabesp também manteve, na maior parte do ano, projeção de que os níveis dos reservatórios ficarão satisfatórios com as perspectivas de chuvas “do início do verão”, quando a situação será reavaliada.

E disse que aposta no seu sistema integrado e flexível de transferência de água entre sete mananciais (legado da crise hídrica de 2014) para manter o abastecimento da região metropolitana da capital paulista.

E no seu programa de redução de perdas na distribuição, que se refletiu na queda do índice em sua área atendida de 41%, em 2004; para 27%, em 2020, abaixo da média nacional, que é de 39,2%.

A Sabesp também ressaltou que a colaboração da população, usando a água de forma consciente, é fundamental para este momento. Cuidados com vazamentos e mudanças de hábitos podem ajudar a preservar os reservatórios e o meio ambiente e a reduzir a conta.

A empresa exemplifica: uma torneira gotejando, por exemplo, desperdiça mais de 40 litros de água por dia. Já se estiver correndo um filete de água de dois milímetros, são mais de 130 litros por dia, mais do que o necessário para uma pessoa viver normalmente — 110 litros/dia, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

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Dhiego Maia

Subeditor de Finanças do InfoMoney. Escreve e edita matérias sobre carreira, economia, empreendedorismo, inovação, investimentos, negócios, startups e tecnologia.