Câmbio de até US$ 500 entre pessoas é medida ‘ousada’, consolida o que já existe e estimula fintechs

Medida faz parte do novo marco cambial, que passa a valer em 31 de dezembro e altera lei anterior, de 1950

Lucas Sampaio

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O novo marco cambial entra em vigor no dia 31, na véspera do Ano-Novo, e uma das medidas de maior impacto é a autorização do Banco Central (BC) para que “pessoas comuns” possam comprar e vender moedas estrangeiras diretamente, até o limite de US$ 500, sem a necessidade de um intermediário.

A prática é comum no Brasil, principalmente entre pessoas que estão voltando de uma viagem internacional (e que não gastaram tudo o que levaram) e pessoas que estão indo viajar (e não querem pagar as altas taxas das casas de câmbio). Mas hoje essa prática é considerada uma contravenção penal (um crime “menos grave”).

O novo marco cambial – como é conhecida a Lei de Câmbio e Capitais Internacionais (Lei nº 14.286/2021) – trata do mercado de câmbio brasileiro, do capital brasileiro no exterior, do capital estrangeiro no Brasil e da obtenção de informações pelo BC para estatísticas macroeconômicas oficiais. Ela foi criada para facilitar as transações em moedas estrangeiras, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas.

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Atualmente, vender dólares ou euros que sobraram de uma viagem para um parente, amigo ou conhecido é uma crontravenção penal, porque legalmente só bancos e casas de câmbio podem negociar moedas internacionais. Mas o novo marco cambial vai permitir a negociação entre pessoas físicas, até o limite de US$ 500 por operação.

“A troca de dinheiro entre pessoas é um pouco mais ousada. É a consolidação de algo que já acontece entre as pessoas, quando elas voltam de viagem, mas não era regulado”, afirma Juliana Strohl, líder de jurídico e compliance da startup Kamino. Apesar de classificar a medida do BC como “ousada”, Strohl diz que ela é importante “para estabelecer limites legais, para não descambar para um mercado paralelo”.

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A troca só poderá ser feita entre pessoas físicas e envolvendo dinheiro em espécie (“dinheiro vivo”). Não está prevista uma transferência de uma carteira digital (wallet) de uma pessoa para outra, por exemplo. O BC ainda não estabeleceu como será oficializada a operação – Será necessário assinar algum termo? Precisará de um comprovante? O negócio será declarado para a autoridade monetária ou para a Receita Federal, no Imposto de Renda?

“O que veio na legislação cambial até agora é a permissão. O BC e o CMN [Conselho Monetário Nacional] ainda vão estabelecer esses parâmetros”, afirma a executiva da Kamino. “O que eu imagino é que vá ter um recibo de quitação, de que a operação foi realizada, mas não sei se vai precisar informar o BC – e como vai informar. Talvez seja uma obrigação a mais, de reportar um canal. Mas não foram estabelecidos canais”, pondera.

Helen Naves, sócia do escritório HNaves Advogados e especialista em direito bancário e financeiro, afirma que o limite de compra e venda de até US$ 500 entre pessoas comuns é “a exceção da exceção” do marco cambial. “É só para pessoa física e só compra e venda de moeda estrangeira em espécie. É uma coisa bem específica, de uma pessoa que sobrou dinheiro em viagem e quer revender”.

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Naves diz que a medida ajuda a desburocratizar o mercado de câmbio. “Não é mais um contrato de câmbio, é uma operação de câmbio. Quem trabalha no BC tem falado em eventos públicos que a intenção [do marco cambial como um todo] é ficar ser burocrático, aumentar a circulação do real e possibilitar um maior acesso ao mercado de câmbio pelas pessoas”.

‘Tinder do câmbio’

Strohl, que é formada em direito pela Faculdade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduada em contratos pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em direito e tecnologia da informação pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), vê na desburocratização a possibilidade de estimular o câmbio entre pessoas – inclusive por fintechs, que podem atuar como intermediárias no processo.

Ela cita a regulamentação das SEPs (instituições financeiras que viabilizam a realização de operações de empréstimo e de financiamento entre pessoas por meio eletrônico), em 2018. Desde 2018 o BC está abrindo a possibilidade de algumas operações entre pessoas físicas, e essa troca [de moeda estrangeira] é uma prática que já existe. Então é um movimento natural do mercado [a liberação], ainda mais com o aquecimento das viagens no pós-pandemia”.

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“A figura da SEP, de intermediar duas pessoas físicas que têm o interesse nas duas pontas – uma pessoa que quer emprestar e uma que quer receber dinheiro – é parecida. Então a venda de moeda estrangeira por fintechs [como intermediária] é um mercado a ser explorado”, diz Strohl.

Fontes ouvidas pelo InfoMoney afirmam, por exemplo, que as novas regras podem pavimentar a chegada de um novo serviço para as pessoas, nos moldes de aplicativos de relacionamento como o Tinder, mas voltado especificamente para negociações de moeda estrangeira – uma espécie de “Tinder do Câmbio”.

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.