Marco cambial pode abrir caminho para ‘tinder do câmbio’, dizem especialistas

Serviço funcionaria no sistema peer-to-peer lending, onde fintech centraliza operação, mas transações de câmbio seriam feitas entre pessoas

Wesley Santana

Novas regras permitem negociação de câmbio entre pessoas até o limite de US$ 500. Foto: Pixabay

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Entram em vigor, no próximo dia 31 de dezembro, as novas regras para transações em moeda estrangeira no Brasil, que estão dentro do arcabouço chamado “Marco Legal do Câmbio”. Sancionada no final do ano passado, a legislação inclui mudanças tanto para pessoas físicas quanto jurídicas, e abre espaço para que novos modelos de negócios surjam no país.

Fontes ouvidas pela reportagem de InfoMoney pontuam que uma das novidades mais significativas é o início das operações de câmbio entre pessoas. Segundo os especialistas, as novas regras podem pavimentar a chegada de um novo serviço nos moldes de aplicativos de relacionamento, mas voltado especificamente para negociações de moeda estrangeira, no que classificam como “Tinder do Câmbio”, em referência ao app de paqueras.

Isso deve acontecer porque, atualmente, a legislação brasileira não permite que duas pessoas físicas troquem moedas estrangeiras de forma direta, sem a intermediação de uma casa de câmbio. É preciso se dirigir a um correspondente que tenha autonomia para comprar o montante de um e vender para outro.

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A partir de 2023, porém, caso um brasileiro viaje para outro país e retorne com alguma quantia em dólar, por exemplo, pode procurar alguém interessado e vender o dinheiro diretamente, limitado ao total ou equivalente a US$ 500 por vez.

Para Eduardo Dota, da ABFintechs (Associação Brasileira de Fintechs), o negócio se assemelha ao que já ocorre hoje com os empréstimos entre pessoas, segmento já explorado por algumas fintechs que centralizam a operação e funcionam como uma plataforma ne conexão entre os indivíduos que fazem as negociações. Regulamentadas pelo Banco Central, as Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEP) concentram investidores que querem fazer seu dinheiro render e consumidores que precisam de empréstimos pessoais.

“Isso vai de encontro com a ideia de ‘peer-to-peer lending’ (transações entre pessoas), com operações de fintechs de crédito que oferecem plataformas de encontro entre indivíduos que querem dar crédito e outros que querem tomar. Se [os valores] estiverem dentro dos limites estabelecidos pelo Banco Central, é possível que haja um aplicativo que reúna pessoas com interesses em comprar e vender moedas estrangeiras entre elas”, explica.

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Conta internacional ainda é gargalo

Uma das reinvindicações do setor financeiro é que as instituições bancárias e cambiais não têm autonomia para oferecer contas em moeda estrangeira, embora possam ofertar no mercado doméstico soluções de outros países, como fazem C6 e Inter. Por outro lado, bancos internacionais podem chegar no mercado brasileiro e oferecer essa alternativa diretamente aos consumidores, caso do mercado onde já atuam a Nomad e a Wise (antiga TransferWise).

Na visão dos especialistas, o marco do câmbio dá um primeiro passo para acabar com a diferenciação que ainda existe entre empresas nacionais e internacionais nesse quesito. Esse ponto, porém, ainda não tem data para entrar em vigor, já que o texto dá ao Banco Central a responsabilidade de regulamentar esse serviço, definindo questões como requisitos, procedimentos de abertura e de movimentação das contas.

“Essa não permissão gera uma perda de competitividade entre as empresas brasileiras se comparadas às estrangeiras. Um banco ou corretora brasileira não pode ofertar uma conta em dólar, mas um estrangeiro pode”, avalia Túlio Portella, diretor comercial da B&T Câmbio. “Essa regulação, então, permite que os estrangeiros peguem a receita que poderia ficar aqui e vá lá para fora. É uma amarra estranha”, define.

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Já existem, contudo, exceções para as quais é possível se ter uma conta em moeda estrangeira no país, conforme regras do Bacen veiculadas em 2009. Agências de turismo, organismos internacionais, operadoras de crédito, seguradoras são algumas das entidades com autorização.

Na visão de Leonardo Abrão, diretor executivo da corretora de moedas Abrão Filho, a definição de quem pode abrir uma conta ou carteira de câmbio em um banco não deveria ficar na mão do Banco Central. “A conta em moeda estrangeira constituída aqui no Brasil deveria ter sido aplicada para toda e qualquer pessoa física ou jurídica que tenha interesse em possuí-la”, pontua.

Procurado pela reportagem, o Banco Central não se pronunciou sobre quando deve regulamentar esse dispositivo até a publicação desta reportagem.