Busca por empréstimo com garantia de celular cresce 400%: como funciona e quando vale a pena?

Novo microcrédito para pessoas físicas pode ser útil em momento de emergências, mas especialistas alertam para juros bem altos

Giovanna Sutto

(Daniel Romero/Unsplash)

Publicidade

SÃO PAULO – No Brasil, cerca de 62,5 milhões de pessoas estão negativadas, ou seja, estavam inadimplentes e foram registradas pelas instituições financeiras no cadastro do Serasa, de acordo com os dados mais recentes publicados pelo órgão neste ano.

Dessa maneira, cerca de 30% da população tem alguma dificuldade em conseguir crédito hoje. Entre janeiro e julho deste ano, a busca por “empréstimos para negativados” aumentou em 200% no Google na comparação com o ano passado. E um segmento de mercado que atende, entre outros, esse público vem crescendo no Brasil: o empréstimo com garantia de celular.

As buscas por essa modalidade tiveram um aumento de 400% nos sete primeiros meses deste ano na comparação com o mesmo período de 2020, de acordo com um estudo realizado pela FinanZero, uma plataforma de comparação de empréstimos. O InfoMoney fez uma reportagem sobre a situação dos negativados com a chegada do Open Banking (veja mais aqui).

Masterclass

O Poder da Renda Fixa Turbo

Aprenda na prática como aumentar o seu patrimônio com rentabilidade, simplicidade e segurança (e ainda ganhe 02 presentes do InfoMoney)

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Essa modalidade de empréstimo é relativamente nova — e, segundo especialistas, só é indicada quando a pessoa não tem nenhuma outra alternativa de crédito (o custo é maior que o do cheque especial, por exemplo). Conversamos com os principais players do mercado para entender como funciona, quais os custos para obter um microcrédito desse tipo e também com especialistas em finanças para explicarem quando pode valer a pena tomar esse empréstimo.

O que é o empréstimo com garantia de celular?

Na prática, o empréstimo com garantia de celular funciona como um microcrédito para pessoas físicas e que tem algumas características principais.

A primeira, naturalmente, é que o ativo de garantia é um smartphone e não um carro ou um casa, por exemplo, ou seja a pessoa interessada passará por uma análise de crédito, mas seu ativo é o próprio celular.

Continua depois da publicidade

Ainda, o prazo do empréstimo geralmente é curto. Segundo as fintechs consultadas dura, no máximo, 24 meses. E, por fim, os valores emprestados não são muito altos (em uma das empresas que oferecem o serviço, por exemplo, a média emprestada é de R$ 1 mil por cliente) — já que estão atrelados ao valor do celular usado do tomador.

Por que o celular?

Uma pesquisa da FGV, divulgada em junho de 2020, mostra que no Brasil há 230 milhões de smartphones ativos, mais de um por pessoa.

“A ideia é democratizar o acesso ao crédito, no limite, praticamente todo mundo tem celular”, explica Fran Pasquini, CEO da Brelo, uma fintech que nasceu em 2018 para financiar compras de celulares e depois virou uma empresa de microcrédito especializada no modelo de celular como garantia.

Porém, a ideia é atender um público específico, cujo acesso ao crédito é precário. Entre as pessoas da lista estão os negativados, pessoas que têm alguma restrição no mercado de crédito, autônomos ou microempresários.

“O foco do negócio é em quem não terá uma alternativa para tomar crédito”, acrescenta Antonio Brito, CEO da Super Sim, uma outra fintech que também oferece essa modalidade.

“Nosso objetivo é aprovar o máximo de pessoas que pudermos, o nome da empresa não é a toa. E fazer isso através do celular facilita muito a vida do cliente, que hoje não consegue acessar crédito da maneira tradicional por uma série de razões”, diz.

Como funciona o empréstimo?

O InfoMoney conversou com duas fintechs que oferecem o serviço de forma direta e duas plataformas que são intermediadoras de crédito pessoal e oferecem a opção. E a lógica para tomar o empréstimo é bem semelhante: tudo completamente digital, e, a partir da aprovação, o cliente tem acesso ao dinheiro em cerca de um dia, e em alguns casos em menos de uma hora.

Funciona assim:

  1. Usuário acessa o site ou o app da empresa, seleciona a opção com garantia de celular;
  2. Indica o valor que deseja/precisa;
  3. Preenche um cadastro com dados pessoais (precisa informar o RG e CPF) e renda (é necessário ter uma conta corrente), necessários para a análise de crédito;
  4. É avisado se foi aprovado ou não perante as condições que informou; se foi aprovado assina o contrato (digitalmente);
  5. Instala um aplicativo de segurança e monitoramento no celular que será usado de garantia;
  6. Finaliza o processo de contratação;
  7. Liberação do dinheiro;

Via de regra esse passo a passo é como funciona, mas naturalmente, pode ter um passo a mais ou a menos a depender da empresa que o cliente fará o contrato. Fato é que uma das facilidades é a pessoa conseguir fazer tudo usando o celular e ter acesso a um crédito de maneira facilitada — já que não é necessário ter um histórico de crédito impecável para conseguir o dinheiro.

No caso das empresas que fazem a intermediação desse empréstimo como a FinanZero e o Bom para Crédito, a partir do momento que o cliente assina o contrato ele é redirecionado ao suporte da empresa que presta o serviço diretamente.

Na Super Sim, a resposta sobre a aprovação ou não chega em média em 80 minutos, e o dinheiro cai na conta do cliente dentro de 30 minutos em média. Na Brelo, entre aprovação e liberação do valor o processo dura cerca de 24 horas.

Para pagar, via de regra, o consumidor emite um boleto direto no app que instalou durante o processo de aquisição do empréstimo e efetua o pagamento em alguma instituição financeira ou de pagamento.

Análise da garantia

Uma dúvida que surge sobre essa modalidade é como é feita a análise do celular da pessoa, afinal, a pessoa pode mentir sobre o aparelho que vai dar de garantia, pode ser roubada, trocar o aparelho, o celular quebrar etc. Mas os entrevistados explicaram que há muita tecnologia por trás dessa avaliação.

Pasquini, da Brelo, conta que a avaliação do celular é feita por meio de um conjunto de coisas como: o preço, a condição do aparelho, se está funcionando bem ou não.

“Criamos um sistema de algoritmos que analisa tudo ao mesmo tempo e também procura os preços do modelo do celular em sites de vendas de usados para criarmos um preço médio do celular usado que está sendo oferecido como garantia”, diz.

Essa análise, somada ao perfil do tomador, é usada para definir se o valor solicitado pelo cliente poderá ser emprestado. “A depender do perfil financeiro pode ser liberado um pouco mais ou um pouco menos do que ele pediu”, diz.

Ele explica ainda que a empresa tem processos antifraudes, então, são pedidas fotos básicas, além de fotos com um QR Code em frente a um espelho com a câmera frontal para comprovar que o celular oferecido é, de fato, o que o cliente tem em mãos. “E o cliente só pode pedir o empréstimo baseado neste celular que ele nos comprova que tem”, diz Pasquini.

A Brelo chegou a bater cerca de 20 mil clientes e uma carteira de R$ 10 milhões com a modalidade desde que começou a operar em 2018, mas neste ano está desenvolvendo sua tecnologia para prestar um serviço a empresas que tenham interesse em fornecer o serviço e vai ampliar sua rede de parceiros para, no futuro, ser apenas uma empresa de tecnologia. Hoje, em média, a empresa empresta valores que giram em torno de R$ 1.000.

“Estamos trabalhando para a possibilidade de atrelar vários celulares em um único empréstimo a fim de aumentar o valor emprestado. Por exemplo, uma família de cinco pessoas oferece cinco celulares como garantia. Sendo todos avaliados e aprovados, seria possível oferecer um valor acima do que conseguimos hoje. Se cada celular valesse R$ 1.000, seriam R$ 5 mil e poderíamos oferecer cerca de R$ 3.500, bem acima do que acontece hoje”, explica Pasquini.

O processo é similar no Bom para Crédito que também pede documentos, fotos e analisa o histórico do cliente antes de liberar o crédito. A plataforma hoje possui cerca de 8 milhões de clientes, mas não revelou quantos deles já adquiriram essa opção de empréstimo.

No caso da Super Sim, embora não haja a necessidade de fotos, além da análise do tomador, e informações dadas sobre o celular, quando o cliente instala o aplicativo de segurança e monitoramento, obrigatório no processo, o software próprio da empresa consegue rastrear o celular e conferir número de série, modelo e marca para comprovar a autenticidade da informação dada pelo cliente.

Recuperação da garantia

Diferentemente de uma casa ou de um carro, que são empréstimos com garantias mais conhecidos e mais simples de se imaginar o que acontece se o cliente ficar inadimplente, ao tomar um empréstimo dando o celular de garantia, os riscos do ponto de vista do credor são maiores.

Na prática, se o cliente deixar de pagar, ele receberá uma visita em casa para que ele entregue o aparelho? No geral, não.

As empresas que trabalham com esse tipo de serviço possuem uma tecnologia de monitoramento, por meio do app citado no passo a passo do funcionamento, e em vez de pegar o celular da pessoa em caso de inadimplência há um bloqueio do aparelho de forma remota.

“Antes de assinar o empréstimo, você instala um aplicativo feito especialmente para monitorar e bloquear o aparelho em caso de inadimplência. O app dá poder para que o credor troque a senha de acesso, bloqueie as chamadas telefônicas e acesso à internet, por exemplo, deixando disponível chamadas de emergência e contato com o SAC da empresa”, explica Cadu Guidi, diretor de marketing da FinanZero.

Em todos os casos, esse aplicativo não atrapalha o funcionamento do celular e só é ativado caso esse cliente fique inadimplente.

“O bloqueio é super transparente. O cliente recebe vários avisos antes de qualquer tipo de bloqueio acontecer. Há várias possibilidades de bloqueios a depender de quanto tempo a pessoa fica sem pagar, no limite, só funciona os recursos de emergências”, explica Brito, da Super Sim.

“Em termos de negócios, não tem nenhuma vantagem ir até a casa da pessoa e buscar o celular. Não vale financeiramente os custos de logística, e o celular usado ainda teria o custo de revenda para a gente. A ideia é que o celular é crucial para esse cliente e ele não vai querer ficar sem acesso ao aparelho, então, tende a pagar corretamente. O produto não tem como objetivo ter inadimplentes, pelo contrário, mas sabemos do alto risco. Queremos maximizar a aprovação, e não minimizar a inadimplência”, explica o executivo.

Segundo ele, a ideia é atender o cliente que está às margens do sistema de crédito e que precisa desse dinheiro para um fim específico. Entre abril de 2020 e abril de 2021, a Super Sim afirma ter dobrado de tamanho e diz possuir “algumas dezenas de milhares de clientes ativos”.

No caso da Brelo, ao ficar inadimplente, o app bloqueia o celular, mas não impede o acesso ao aplicativo da empresa para que o cliente emita o boleto e faça o pagamento e outros aqueles aplicativos permitidos (sujeito a critério da Brelo) para que o cliente possa efetuar o pagamento e regularizar a situação.

Segundo Rafael Rodrigues, diretor comercial do Bom para Crédito, as empresas parcerias conseguem verificar a situação do aparelho e o cliente pode avisar a empresa em caso de roubo, perda, ou quebra.

“Em caso de roubo, se o cliente não tiver seguro, ele permanece com a dívida ativa”, explica. Ainda, após um único dia de atraso o celular é bloqueado, sendo liberado somente chamadas de emergência.

Android x iOS

Nenhum dos players que participaram da matéria aceitam iPhones como garantia, somente celulares Android – e há limitação de marcas em alguns casos.

São duas as principais justificativas: o público-alvo geralmente não possui os modelos da Apple, e o aplicativo que monitora, e no limite, bloqueia o aparelho, não funciona no sistema operacional iOS, o que impede a fiscalização da situação do cliente em caso de inadimplência, por exemplo, afinal tudo é feito de forma remota.

Quanto custa o empréstimo?

O custo dessa modalidade pode ser uma desvantagem. As taxas de juros são bem altas, mas justificadas pelo risco que o credor corre ao ofertar crédito para um público que, em tese, não conseguiria crédito pelos caminhos tradicionais.

“Na prática, o cliente não tem incentivo de ter algum dano com o celular dado em garantia, mas por ser um ativo super portátil o risco é enorme. Por isso, a taxa precisa ser adequada a esse risco. Ela varia entre 5% e 12% ao mês, a depender do perfil do cliente. Mas nossos parceiros podem reduzi-la. O prazo máximo que ofertamos é de 24 meses, sendo o mais comum 12 meses”, diz Pasquini.

No Bom para Crédito, a taxa média é de 12% ao mês, embora varie conforme o cliente, e o prazo máximo também é de 12 meses.

Na Super Sim, as taxas variam entre 10% e 18%, segundo Brito. “Nós oferecemos taxas competitivas ao rotativo do cartão de crédito, mas nosso cliente geralmente não consegue tem acesso nem ao cartão. E oferecemos prazos entre 3 e 12 meses, sendo que o prazo médio é de quatro meses”, explica.

Ele afirma que a análise de crédito e a concessão do valor são bem avaliadas para não enforcar o cliente devido aos juros altos. “Esse crédito é uma porta de retorno ao sistema financeiro para que a pessoa possa ir recuperando sua situação, a ideia não é que esse cliente fique inadimplente”, diz Brito.

Confira um quadro de resumo dos serviços: 

Empresa  Valor máximo do empréstimo Prazos  Taxas de juros  Marcas de celulares aceitas como garantia
Brelo Até 60% do valor do celular (média de R$ 1.000) Até 24 meses Entre 5% e 12% ao mês – podendo ser menor ou mesmo maior a depender do parceiro Samsung (fabricados de 2017 para frente)
Super Sim Até R$ 2.500 (média de R$ 600) Até 12  meses Entre 10% e 18% ao mês 80% das marcas Android, como Samsung, Motorola, LG, entre outras
Bom Pra Crédito Até R$ 2.500 Até 12 meses Média de 12% ao mês

celulares Android do 6 até 11 de todas as marcas

Vale a pena?

Essa modalidade de microcrédito pessoal tem um público-alvo bem definido, e algumas características específicas, mas o consenso entre os especialistas consultados é de que é preciso prestar atenção sobre a utilização dela devido às altas taxas de juros.

“Tem que ter muita atenção para não correr o risco de não conseguir pagar. As taxas são muito altas, eu diria que não é recomendável se a pessoa não tem certeza que vai conseguir arcar com os custos do empréstimo”, diz Allan Inácio, professor de finanças e coordenador administração internacional da PUC-PR.

“Na média, 10% ao mês é superior ao cheque especial que hoje tem um teto definido. Se a pessoa tiver qualquer outra alternativa de empréstimo pessoal a taxas menores, é melhor”, pontua o professor.

O teto do cheque especial, que passou a valer em janeiro de 2020, tem limite de 8% ao mês. Os juros do rotativo do cartão de crédito, alcançam uma média de 12,5% ao mês, segundo dados da Anefac.

Juliana Inhasz, professora de finanças e economia do Insper, lembra, no entanto, que essa modalidade atende a grupos específicos de pessoas e as fintechs direcionam os produtos para esse público.

“É importante o consumidor entender se faz sentido para ele. Se está negativado, se tem uma dívida pontual não tão alta, se é uma emergência que demanda o dinheiro mais rapidamente e essa pessoa não tem acesso ao crédito tradicional, pode ser uma boa opção”, diz.

Inácio acrescenta que mesmo em casos que podem fazer sentido para o consumidor diante das circunstâncias, é crucial que seja um prazo curto.

“No limite, se você puder pegar o dinheiro emprestado e pagar no mesmo mês ou no mês seguinte, é o que se deve fazer. Quanto maior o prazo do empréstimo, mais juros e mais dinheiro o consumidor terá que pagar, o que pode aumentar as chances de inadimplência”, diz.

O professor fez uma simulação: se uma pessoa pegar R$ 1.000 emprestado com garantia de celular por 12 meses a uma taxa de 10% ao mês, pagaria parcelas fixas de R$ 146,76. Ao pegar R$ 600, as parcelas seriam de R$ 88,06.

“E aqui está uma armadilha: ao olhar os valores das parcelas o consumidor pode pensar que cabe no bolso e dar continuidade, mas mais do que isso é importante olhar o custo total desse empréstimo. Na média, o consumidor chega a pagar o dobro, às vezes o triplo, do valor que tomou emprestado ainda mais se estica a dívida demais. Por isso, o curto prazo é importante”, diz.

Ele reforça que em alguns casos, nem vale a pena entrar em um empréstimo desse tipo: por exemplo, uma pessoa que usaria esse dinheiro para quitar uma conta de luz. Hoje, a Enel cobra 2% ao mês pelo atraso. “Ou seja, sai mais barato a pessoa pagar o juro do atraso da conta de luz do que fazer um empréstimo para quitar essa conta”, diz Inácio.

“Por outro lado, se a pessoa tiver na seguinte situação: fim de mês e se não pagar a conta vai ficar sem luz, fica mais plausível considerar um empréstimo com a garantia do celular”, pontua Juliana.

E existe uma taxa ideal? Inácio afirma que é difícil cravar um valor que seria ideal, ainda mais com um produto novo no mercado. “Na prática, do ponto de vista do consumidor, quanto menor, melhor. Mas considerando as características do produto, o risco acho que algo entre 3,5% e 4% ao mês já tornaria o produto recomendável em mais situações. Juros acima de 5% ao mês já pode colocar esse consumidor em uma inadimplência a depender das condições de contrato”, explica.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.