Busca por consignado sobe na pandemia; veja como fica o empréstimo em caso de demissão

Pedidos de empréstimos consignados subiram 7% entre fevereiro e abril; saiba o que acontece com o crédito descontado em folha em caso de demissão

Pablo Santana

Ilustração sobre dívidas

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SÃO PAULO – Com a paralisação de vários setores da economia para conter o avanço do novo coronavírus, mais de 9 milhões de pessoas fizeram acordos baseados no programa de redução temporária de salários e de suspensão de contratos de trabalho.

O impacto direto na remuneração levou trabalhadores a buscarem linhas de crédito para manter a renda durante a pandemia. Um levantamento feito pelo Grupo H, fintech de crédito para funcionários de empresas privadas, revela que as solicitações de empréstimos consignados cresceram 7% entre fevereiro e abril deste ano, na comparação com o trimestre anterior. O consignado é o tipo de empréstimo que desconta as prestações diretamente da folha de pagamento do devedor.

“Fomos entender os motivos desse crescimento e percebemos que o maior deles foi a redução das jornadas de trabalho. Muitos dos funcionários contam com 100% do seu salário para conseguir pagar as contas e, em virtude das reduções salariais, muitos recorreram ao crédito consignado”, explica Fernando Ferraz, CEO do Grupo H.

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A companhia, que também oferece consultoria na área de educação financeira, analisou mais de 18 mil propostas no período e concluiu que os números refletem um movimento de recomposição de renda e indicam que o controle sobre as finanças deve ser ainda mais bem definido.

“O crédito deve ser um aliado e não mais um problema no futuro. Agora, é importante que todos os gastos e investimentos sejam observados ainda mais de perto para que se possa identificar potenciais melhoras”, pontua o executivo.

O levantamento realizado pelo Grupo H ainda mostra que, diante do cenário de instabilidade econômica, 25% dos trabalhadores com contrato de consignado ativo foram demitidos desde o início da pandemia.

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Segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV IBRE), as demissões no país já atingiram cerca de 13% das famílias brasileiras. O setor de serviços foi o que mais demitiu no período, com 45,8% das empresas reduzindo sua força de trabalho.

O que acontece em caso de demissão?

Quando um trabalhador é demitido e tem um crédito consignado ativo, o pagamento da dívida pode ser descontado de até 30% das verbas rescisórias líquidas, como aviso-prévio, saldo de salário, férias vencidas e saldo do FGTS. Tal medida só é adotada se estiver descrita no contrato firmado entre o empregador e a instituição financeira que oferece o empréstimo.

Em contratos firmados a partir de 2016, a lei também estabelece que até 10% do saldo do FGTS e até 100% da multa rescisória podem ser utilizados para abater as parcelas do empréstimo, somente em caso de demissão sem justa causa.

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Se as verbas ainda não derem conta da quitação total do saldo devedor, o empréstimo é realocado de acordo com as diretrizes negociadas entre o cliente e a financeira em relação ao prazo e à taxa cobrada após os descontos da rescisão. E a cobrança, que acontecia em desconto na folha, será feita através de boleto de pagamento ou na conta do devedor.

Endividamento

Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre decisões anteriores, fatores macroeconômicos como o aumento da inflação e a variação do dólar não podem justificar pedidos de revisão ou quebra do contrato de empréstimo. Mas dois projetos de leis visam reforçar essa linha de interpretação e tentam criar melhores condições jurídicas para o fenômeno do superendividamento durante a pandemia.

Um deles é o Projeto de Lei 1179/20, que prevê a criação de um sistema jurídico especial para o período, com regras transitórias que poderiam ser aplicadas tanto a contratos de empréstimo, quanto a outras relações de consumo. O PL passou pelo Congresso, foi encaminhado ao presidente Jair Bolsonaro, e depende da sanção presidencial para ser aprovado.

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“Algumas dessas regras dizem respeito à suspensão de débitos ou revisão contratual, por exemplo. O brasileiro está aguardando uma decisão presidencial, mais uma vez, para saber qual remédio jurídico será aplicado nessas situações”, explica Antônio Carlos Efing, doutor em Direito das Relações Sociais e professor da PUC-PR.

Já o PL 3515/15, que trata do superendividamento do consumidor, ainda está em fase de discussão no Congresso. Ele prevê que o endividado apresente aos credores um plano de pagamento das dívidas, com valores que não comprometam o mínimo existencial – ou seja, que não impeçam que o devedor leve uma vida digna. Caso não haja acordo entre as partes, o processo é judicializado.

O PL também contempla a criação de medidas para promover a educação financeira dos devedores e mecanismos de prevenção ao superendividamento, como a criação de núcleos de conciliação e mediação de conflitos. E estabelece ainda a proibição de propagandas sobre crédito no Brasil, diante das privações, abalos morais e psicológicos que o fenômeno do superendividamento pode causar.

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Efing, que foi um dos responsáveis por elaborar as discussões que deram origem ao PL 3515/15, reforça que a legislação foi elaborada para fazer com que o superendividado tenha um tratamento jurídico que não fira a dignidade humana.

“Se os dois projetos forem aprovados vamos solucionar muitas situações. Hoje em dia, quando uma pessoa endividada procura um credor para negociar, ele não está preocupado se o pagamento vai colocar em risco a sobrevivência do devedor ou não. Eles até oferecem descontos, mas apesar de atraentes, ainda não são o suficiente”, diz o professor da PUC-PR.

Aprendizado

O cenário complexo, no entanto, traz alguns ensinamentos, segundo Fernando Ferraz, do Grupo H. Ele diz que a pandemia despertou nas empresas uma preocupação maior sobre a educação financeira dos funcionários.

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“A situação serviu para mostrar aos empresários e RHs que não basta contratar uma financeira e simplesmente oferecer uma taxa baixa para os funcionários. Isso acaba enganando e endividando essas pessoas. É preciso realizar um trabalho de educação financeira e não abrir uma torneira de crédito e sair concedendo dinheiro para todo mundo”, diz.

Pablo Santana

Repórter do InfoMoney. Cobre tecnologia, finanças pessoais, carreiras e negócios