Auxílio emergencial deve custar 13 anos de Bolsa Família no total; entenda a nova fase do programa

Para diminuir gasto, governo reduziu parcelas a R$ 300 e criou novas regras, que podem excluir 22 milhões de beneficiários do programa

Giovanna Sutto

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SÃO PAULO – Nesta semana, o governo editou a Medida Provisória N° 1.000, que prorrogou o auxílio emergencial até dezembro, com o acréscimo de quatro novas parcelas de R$ 300 – metade do valor das cinco primeiras prestações. Com a decisão, o programa, que já custou cerca de R$ 255 bilhões aos cofres públicos, terá um gasto adicional de R$ 68 bilhões, segundo o governo federal.

Assim, a despesa total da União com o auxílio emergencial deve ficar em cerca de R$ 325 bilhões, montante que equivale a cerca de 13 anos de pagamentos do Bolsa Família, segundo levantamento feito por Lucas Souza, mestre em economia aplicada pela USP e economista-chefe da gestora de patrimônio Berkana.

Para chegar ao resultado, Souza levantou os custos anuais do Bolsa Família nos últimos dez anos e trouxe os dados a valor presente, fazendo uma correção pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), para depois calcular a média aritmética. Ele concluiu que a despesa média com o programa foi de R$ 25 bilhões por ano.

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A partir dessa projeção, é possível dizer que o valor total estimado para o auxílio emergencial é superior a mais de uma década de custos do Bolsa Família.

Onyx Lorenzoni, ministro da Cidadania, afirmou, em nota divulgada pela sua assessoria de imprensa, que a extensão do auxílio é necessária para manter o apoio às famílias em meio à crise provocada pela pandemia, mas destacou que a nova fase do programa conta com alguns ajustes.

“Agora [a continuação do benefício se dará], por meio de um novo mecanismo, aprimorado pela nossa experiência nesses cinco meses do programa. Daremos mais esse apoio até o final do ano para fazer a retomada econômica do Brasil, seguindo a determinação do presidente Bolsonaro de não deixar ninguém para trás”, disse o ministro.

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Redução no número de beneficiários?

Se por um lado o governo não quer abrir mão do auxílio emergencial, depois de perceber que o benefício elevou a popularidade do presidente, por outro, Bolsonaro sofre pressão da equipe econômica e do mercado, que querem evitar uma deterioração ainda maior das contas públicas.

A solução para o dilema, segundo Cosmo Donato, economista da LCA Consultores, foi manter o programa, mas com um valor menor por parcela e com regras mais restritivas sobre quem tem direito ao benefício.

Na prática, terá acesso à prorrogação apenas quem já está aprovado no auxílio emergencial de R$ 600 e se encaixar nas novas regras de participação (veja mais detalhes abaixo).

Para Souza, com o pacote de novos critérios, o número de beneficiários no programa deve sofrer uma redução significativa. “Com mais ressalvas, menos trabalhadores serão elegíveis”, diz.

De acordo com uma segunda análise feita pelo economista, o atual público do auxílio, de cerca de 67 milhões de brasileiros, deve cair para algo em torno de 45 milhões na nova fase do programa – ou seja, um corte estimado de 33% na quantidade de beneficiários, ou de 22 milhões de pessoas.

A projeção considera dados do Tesouro Nacional, que mostram os custos e o número de beneficiários atuais do programa, e da pesquisa de emprego do IBGE, a Pnad Contínua. A partir da base atual de beneficiários do auxílio, da quantidade de brasileiros que tiveram algum avanço profissional desde o começo da pandemia, e considerando as novas restrições, o economista chegou à estimativa.

“Hoje, com as parcelas de R$ 600, o auxílio custa cerca de R$ 50 bilhões por mês. Com a redução das parcelas para R$ 300 e com 22 milhões de beneficiários a menos, a economia deve ser de R$ 33 bilhões e o novo gasto médio deve passar a ser de R$ 17 bilhões”, calcula Souza.

O InfoMoney entrou em contato com o Ministério da Cidadania para checar se as estimativas sobre a redução no número de beneficiários e a economia de gastos batem com as projeções do economista, mas a pasta informou que ainda não tem nenhuma estimativa.

Preparando o terreno para o Renda Brasil?

Souza acredita que o aumento das restrições é uma estratégia do governo para dar início a uma transição do auxílio emergencial para o Renda Brasil, novo programa social, que deve substituir o Bolsa Família e unificar os programas sociais do governo em um só.

“O auxílio emergencial trouxe popularidade para o governo em um ano muito atípico. Manter esse discurso é positivo. Além disso, os novos critérios já direcionam o benefício para as pessoas em situação de extrema pobreza. É uma ponte para o Renda Brasil, que deve ser anunciado mais para frente. Esse novo filtro de público pode agilizar a implementação do novo programa social”, explica o economista.

Já Lauro Gonzalez, professor de finanças da FGV e um dos responsáveis pelo estudo “Efeitos do auxílio emergencial sobre a renda”, acredita que o foco do governo com a extensão do programa nesse formato tem mais relação com o controle de gastos.

“Primordialmente, o objetivo foi a redução dos gastos, por isso o corte do valor pela metade e as novas restrições de acesso. Acho que o Renda Brasil ainda está muito cru, não existem diretrizes bem definidas”, afirma.

Segundo o professor, se a nova fase do programa tiver, de fato, 45 milhões de beneficiários, conforme estimou Lucas Souza, esse número representará cerca de três vezes o público atual do Bolsa Família.

“Ou seja, aumentaria significativamente o número de beneficiários do programa. Não temos as diretrizes para concluir se esse é o caminho. Não acho que tem uma relação tão direta ou um movimento organizado no sentido de preparação para o Renda Brasil. Mas precisamos aguardar um posicionamento sobre o novo programa”, diz Gonzalez.

O anúncio do Renda Brasil, inicialmente marcado para o último dia 25 como parte do Pró-Brasil – o megapacote de medidas da área social e econômica-, foi adiado sobretudo por causa das divergências sobre os valores do benefício.

O que mudou?

A MP que prorrogou o auxílio trouxe alterações sobre quem tem direito ao recebimento dos valores do programa.

O Ministério da Cidadania explicou que não há possibilidade de novos requerimentos. Ou seja, trabalhadores que já foram aprovados para receber as parcelas de R$ 600, e que se enquadrarem nos novos requisitos, terão direito às parcelas remanescentes. Mas brasileiros que não se cadastraram para receber o auxílio na primeira fase, não vão poder solicitar o benefício pela primeira vez nesta nova fase.

Assim como aconteceu com as cinco primeiras parcelas, o auxílio residual será depositado de maneira automática via Poupança Social Digital da Caixa. O calendário de crédito dos novos valores ainda não foi divulgado.

Entre as novas restrições, o governo definiu que presos em regime fechado e brasileiros que moram no exterior não terão direito ao benefício. Quem conseguiu um emprego formal desde abril ou usou o seguro-desemprego também não pode receber o auxílio.

O ministério da Cidadania informou ainda que revisará mensalmente os cadastros dos aprovados a fim de evitar fraudes ou inconsistências cadastrais.

Para conferir todas as regras do programa clique aqui. E veja abaixo as novas restrições e o que mudou para esta rodada de pagamentos:

Atualização do Imposto de Renda

A nova MP atualiza as regras vinculadas ao Imposto de Renda do exercício de 2018 para 2019.

A) Na primeira versão, em abril, quem tivesse recebido rendimentos tributáveis (como salários) acima de R$ 28.559,70 em 2018 não poderia participar do programa. Agora, vale o mesmo valor, mas considerando os rendimentos recebidos em 2019.

“Em tese, considerando que a economia cresceu em 2019 e houve um aumento de cerca de 4% no número de contribuintes, essa restrição tira mais um grupo do benefício. É uma mudança sutil, mas cumpre o papel de restringir o público”, diz Souza.

B) Também foram excluídos aqueles que, em 2019, registraram rendimento isentos, não tributáveis ou tributados na fonte de valor superior a R$ 40 mil. A regra também estava prevista na MP anteriormente e foi apenas atualizada para o ano-fiscal de 2019.

C) Quem tinha, em 31 de dezembro de 2019 – na versão inicial era em 2018 -, propriedade de bens ou direitos no valor total superior a R$ 300 mil também fica de fora.

D) Por fim, outra novidade é que perdem o direito ao benefício as pessoas que foram incluídas como dependentes na declaração de IR de um contribuinte obrigado a declarar por causa de uma das três situações (A, B, C) citadas acima, se:

Souza acredita que a saída de mais de 20 milhões de beneficiários do programa deve acontecer principalmente devido a esses dois últimos fatores citados: bens e direitos acima de R$ 300 mil e a exclusão de dependentes.

“Não importa se a pessoa comprou uma casa em 2010. Se é parte do seu patrimônio e tinha valor superior aos R$ 300 mil em 31 de dezembro de 2019, ela está de fora do programa. Nesse item, o filtro feito é pelo estoque, ou seja, o que a pessoa acumulou ao longo da vida e não pelo fluxo de renda, como a declaração de IR”, afirma.

No caso dos dependentes, Souza acredita que a exclusão é uma questão lógica do ponto de vista do governo. “Se, por exemplo, o pai do jovem não precisa receber o auxílio, já que não se encaixa nos critérios de renda, ele deve ter condições de dar suporte financeiro ao filho. É mais um filtro que antes não existia”, explica.

Mulher chefe de família

A MP autoriza que mulheres que são chefes de família recebam duas cotas da prorrogação, como já era feito antes. Ou seja, elas poderão ter acesso a R$ 600 nessa nova fase. Mas, agora, essa mulher será a única da família a receber o benefício – antes, era possível que ela recebesse R$ 1.200 e outro membro da família recebesse mais R$ 600, por exemplo.

Residentes no exterior

Na prática, essa regra exclui qualquer brasileiro que more no exterior do auxílio emergencial.

Presos em regime fechado

Esse critério determina que brasileiros presos em regime fechado também estão excluídos do auxílio.

Indicativo de óbito

Por mais óbvia que pareça a regra, ela não estava prevista na MP anterior. A partir de agora, se houver algum indicativo de óbito nas bases de dados do governo federal, o beneficiário será excluído do programa com o objetivo de evitar fraudes.

Giovanna Sutto

Repórter de Finanças do InfoMoney. Escreve matérias finanças pessoais, meios de pagamentos, carreira e economia. Formada pela Cásper Líbero com pós-graduação pelo Ibmec.