Pedido de recuperação judicial da Samarco, 5 anos após Mariana: quais os impactos para Vale e bancos?

Para analistas, ainda que negativos, os impactos do pedido de recuperação judicial são limitados e seguem otimistas com tese de investimentos na Vale

Lara Rizério

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SÃO PAULO – No final do pregão da última sexta-feira (9), a Vale (VALE3) anunciou que a Samarco (joint venture da mineradora com a BHP) ajuizou um pedido de recuperação judicial (RJ) em uma das Varas Empresariais da Comarca de Belo Horizonte (MG), com fundamento na Lei de Recuperação Judicial e Extrajudicial e de Falências (LRF).

De acordo com a companhia, a medida busca evitar que ações judiciais movidas por credores e em curso contra a empresa afetem as operações da Samarco, que foram reiniciadas em dezembro de 2020 depois de cinco anos de paralisação, em meio à tragédia de Mariana em novembro de 2015 com o rompimento da barragem de Fundão. A Samarco possui duas ações judiciais de credores no Brasil, no valor de US$ 325 milhões, e ações movidas nos EUA com relação aos títulos de dívida com vencimento em 2022, 2023 e 2024.

A motivação para o pedido de recuperação judicial é de preservar a recente retomada operacional, os empregos e o cumprimento das suas obrigações socioambientais.

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Se a reestruturação for aceita pela Corte, a maior parte das ações de credores contra a Samarco no Brasil seria suspensa por 180 dias, que podem ser estendidos por um período equivalente, e a Samarco teria até 60 dias para apresentar um plano de restruturação. Segundo a Vale, a meta da Samarco é reestruturar suas dívidas e evitar ações em curso que poderiam impactar negativamente suas operações e obrigações socioambientais. A Samarco deve ingressar com um pedido de proteção nos Estados Unidos com base no capítulo 117 da lei de falências americana.

Na avaliação de instituições como o Morgan Stanley, Credit Suisse e XP, a medida não trará implicações materiais tão grandes para a Vale.

O Morgan Stanley afirma que a Vale e a BHP sempre tiveram uma responsabilidade legal e moral de apoiar a Fundação Renova e ajudar a Samarco a pagar pela reparação e pela compensação ligados à ruptura da barragem de Fundão. Além disso, apesar de o custo da dívida potencialmente subir com o pedido da Samarco, a Vale é suficientemente grande e relevante para se refinanciar. O banco diz que acredita que os títulos da Samarco não são garantidos pelos parceiros de capital da joint venture.

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O Credit Suisse também avalia que o impacto da notícia da Samarco sobre a Vale é “imaterial”. Na avaliação do Credit Suisse, nem a BHP nem a Vale são garantidores da dívida de US$ 4,7 bilhões da Samarco, que torna um cenário de injeção de capital das empresas sobre a Samarco, ou uma transferência de obrigações para as empresas, improváveis.

Segundo o banco, a tentativa de fazer com que a Samarco entre em recuperação judicial busca garantir continuidade operacional à empresa, já que ações legais de credores incluem pedidos para congelar as contas bancárias até que se chegue a uma renegociação da dívida. Se as ações legais tiverem sucesso, poderiam impactar a capacidade da empresa de continuar a operar.

E que as provisões relativas à Fundação Renova já refletem o valor total que a Vale acredita que será necessário para cobrir custos de reparação ligados à ruptura da barragem de Fundão.

Assim, a reparação de Mariana já está no balanço da Vale. A mineradora tem, atualmente, provisões de US$ 2,1 bilhões referentes aos acordos da Samarco & Fundação Renova. Sendo assim, o banco não vê motivos para realizar revisões positivas relativas a provisões.

Desde a tragédia em 2015, a Samarco vem realizando esforços e investimentos significativos para garantir o retorno seguro das suas atividades, tendo retomado as operações em dezembro de 2020, destaca a XP.

Atualmente, a companhia opera três concentradores para beneficiamento de minério de ferro no Complexo de Germano, em Mariana (MG), e uma das quatro usinas de pelotização do Complexo de Ubu, em Anchieta (ES). O minério de ferro produzido é escoado pelo porto de Ponta Ubu e a companhia possui capacidade de produção de pelotas entre 7 e 8 milhões de toneladas por ano.

A XP não mudou a estimativa para a produção da Vale, assumindo que a mineradora vai entregar o guidance de produção para os próximos anos (confira o relatório clicando aqui). Para 2021, o guidance de produção está entre 315 e 335 milhões de toneladas, enquanto a estimativa dos analistas é de um volume de produção de 320 milhões de toneladas.

Mesmo assumindo um cenário de interrupção das atividades da Samarco, isso significaria uma perda de, aproximadamente, 7,5 milhões de toneladas por ano, que representa 2% da produção esperada pela XP para 2022 (360 mil toneladas).

Yuri Pereira e Thales Carmo, analistas da XP, seguem com recomendação de compra para a Vale, com preço-alvo de R$ 122 por ação.

“Estamos otimistas com relação à geração de caixa para os próximos anos. Estimamos um retorno com fluxo de caixa de 18%, em média, até 2023, considerando o preço do minério de ferro em queda gradual até US$ 110 por tonelada até o final de 2023. Como resultado, esperamos fortes dividendos nos próximos anos. Esperamos um retorno mínimo com dividendos de 8% em 2021. Adicionalmente, as ações da Vale negociam a níveis atrativos, em nossa opinião”, apontam os analistas. Pereira e Carmo veem as ações a 3 vezes o valor da empresa sobre o Ebitda esperado para 2021, abaixo dos níveis históricos e de suas pares australianas (5 vezes a 5,5 vezes).

O Morgan Stanley também mantém avaliação overweight (expectativa de valorização dentro da média do mercado) para a Vale, com preço-alvo de US$ 21, frente aos US$ 18,22 negociados na Bolsa de Nova York.

O Credit Suisse manteve a avaliação de outperform para a Vale, por avaliar que seus papéis estariam excessivamente descontados em relação a empresas australianas, e que há boas perspectivas de ganhos no futuro. O banco espera um rendimento sobe o fluxo livre de caixa de 20% em 2021, e dividend yield (dividendo sobre preço da ação) de ao menos 9% em dividendos em 2021, presumindo um preço do minério de ferro em US$ 150 por tonelada.

Além disso, o programa de recompra aprovado recentemente (até 5,3% das ações em circulação) deve acelerar a reclassificação da Vale e ressaltar o forte compromisso da empresa em aumentar os retornos de caixa, dada sua baixa alavancagem e baixa necessidade de capex. O banco preço-alvo para o ADR da Vale em  US$ 25, frente aos US$ 18,22 negociados na sexta pelos papéis.

Bancos: impacto também limitado

O impacto para a Vale é limitado, assim como para os bancos, ainda que negativo, apontam Marcel Campos e Matheus Odaguil, analistas da XP do setor financeiro (veja o relatório clicando aqui).

Isso por quatro motivos: i) a dívida não deve ter concentração em bancos, muito menos concentrada em um único banco; ii) os fundos de dívidas emergenciais deveriam ser os principais detentores; iii) tais empréstimos já deveriam ter sido provisionados; e iv) mesmo que parcialmente não provisionado, a equipe de análise da XP aponta que as provisões para perdas com empréstimos dos bancos poderiam lidar com tal evento sem impacto significativo nos lucros.

O mercado de dívida (DCM) deve representar grande parte da dívida. Campos e Odaguil apontam que, embora não tenham um detalhamento exato, uma parte relevante da dívida de US$ 4,7 bilhões da empresa são títulos e contratos de pré-pagamento de exportação, que são detidos em grande parte por investidores ativos no mercado em dificuldades, que é um segmento especializado onde os bancos têm baixa exposição.

Cerca de 25% da dívida é proveniente de notas sem seguros: US$ 700 milhões com vencimento em 2023 e US$ 500 milhões com vencimento em 2024, totalizando US$ 1,2 bilhão.

Além disso, a Vale anunciou que US$ 4,1 bilhões em empréstimos concedidos após 2016 foram garantidos pela Vale e pela BHP, o que deve minimizar o impacto para os bancos, dado que ambas as empresas têm bons ratings de crédito. A Fitch classifica o rating de longo prazo da Vale em “AAA” e do BHP em “A”.

Os empréstimos bancários sem garantia devem ser provisionados ou já baixados como perda. Com base em pesquisas proprietárias e na resolução 2.682 do Banco Central, que descreve como os bancos devem fazer provisões, os analistas esperam que os bancos já tenham provisionado ou baixado como perda esses empréstimos de seus balanços.

De qualquer forma, mesmo que “estejam errados”, os analistas da XP apontam que os bancos estão fortemente provisionados e que poderiam lidar com tal evento com facilidade, visto que players como o Bradesco têm 4 vezes mais reservas de provisão do que saldo inadimplência. As reservas de provisões do Bradesco no quarto trimestre de 2020 superou o saldo de inadimplência em R$ 34 bilhões.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.