União Arezzo-Soma faz sentido? Por que o mercado se animou tanto com a possível fusão

Analistas destacam que união faz sentido estratégico e consolida o mercado de moda, mas também cita desafios da operação

Lara Rizério Vitor Azevedo

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As negociações sobre uma possível união de forças entre Arezzo&Co (ARZZ3) e Grupo Soma (SOMA3) levaram a uma disparada das ações na última quarta-feira (31), com a primeira fechando com um salto de 12,08% e a segunda com ganhos de 16,8%. Ainda que não haja acordo vinculante entre as companhias, a notícia de que as conversas existem animou os analistas, que veem méritos na transação, ainda que com alguns desafios no radar.

Ana Paula (Popy) Tozzy, CEO da AGR Consultores, pontua que a movimentação criaria uma das maiores empresas de moda da América Latina, com R$ 12 bilhões em receita – fora o fato de sinergias de produtos, que são complementares para os dois lados.

Ainda não há detalhes sobre a transação, mas segundo informações do Brazil Journal, entre as condições, estariam as seguintes: transação a preço de tela, sem prêmio (implicando 56% das ações combinadas da companhia para os atuais acionistas da Arezzo&Co e os 44% restantes aos acionistas do Grupo Soma); os acionistas controladores combinados teriam cerca 38% do capital da nova empresa (21,5% para a família Birman e 16,45% para os atuais controladores do Grupo Soma); acordo de 10 anos entre a família Birman e os fundadores do Grupo Soma, segundo o qual 30% dos 38% do controle acionário estariam sujeitos a um lockup de 5 anos, com possibilidade de venda de 20% (dos 30% participação) a cada ano a partir de então.

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Alexandre Birman seria o presidente da companhia por um período de 10 anos e Roberto Jatahy seria o presidente da unidade de negócios de vestuário feminino. Além disso, a Hering passaria de subsidiária do Grupo Soma para propriedade direta da nova holding.

O Bradesco BBI destaca que, do lado construtivo, o negócio faz sentido estratégico já que a combinação é o caminho mais curto/rápido para consolidar o mercado de moda de alta renda, com um portfólio de marcas altamente complementar (principalmente Arezzo direcionado para calçados femininos e Soma para vestuário feminino).

A fusão criaria uma empresa com receita líquida combinada de R$ 10 bilhões, lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda, na sigla em inglês) de R$ 1,6 bilhão e lucro de aproximadamente R$ 750 milhões (em 2023). Teria 34 marcas, quase 22 mil funcionários, mais de 2 mil lojas (cerca de 70% franquias) e presença em 21 mil lojas multimarcas em todo o país.

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“Notavelmente, a estratégia de consolidação da ‘house of brands’ sempre esteve dentro dos grandes objetivos de ambas as empresas. Saudamos as oportunidades de sinergia, o compartilhamento de know-how para alguns ativos (como a Hering) e a criação de um gigante de vendas de R$ 12 bilhões que pode ocupar uma posição dominante única na região”, avalia a equipe do BBI. Além disso, poderia haver geração de ágio dependendo da estrutura da transação, o que poderia mitigar ainda mais a carga tributária pós a sanção da MP 1.185 (a MP das subvenções).

O Goldman Sachs aponta também como benefícios a aceleração do turnaround da Hering e melhoria na gestão do canal de franquias de marcas, alavancando a sólida execução e know-how da Arezzo neste canal, além da otimização da cadeia de suprimentos.

Por outro lado, os analistas também pontuam os desafios. O Bradesco BBI vê incerteza com a operação, com os termos que o mercado está assumindo como caso base podendo mudar. “Racionalmente, tal incerteza deveria diminuir a disposição dos investidores de escolher um dos dois players para operar com a transação”, avalia.

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Um outro tema é a complexidade, uma vez que o histórico de grandes fusões no Brasil sugere que o custo de digerir a operação pode ser maior do que o inicialmente esperado.

Neste sentido, Poppy, CEO da AGR Consultores, pontua que, se o negócio sair, o desafio estará no pós, lembrando das dificuldades de sinergias da Natura e da Avon. “Primeiro que a real captura das sinergias de backoffice é difícil de sair. Funciona muito bem no Excel da equipe de M&A, mas nem sempre na vida real”, avalia.

Para ela, há também a questão de adaptação cultural. “São duas empresas com culturas diferentes. De um lado, no Grupo Soma, já existe uma cultura dos ‘criadores’ de cada marca estarem à frente das decisões, enquanto o backoffice é centralizado. Na Arezzo, temos uma forte personalidade na liderança do grupo. Adaptar estilos culturais e de liderança não é banal…”, complementa.

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O BBI cita que a primeira reação do mercado, com ARZZ3 em alta de 12% e SOMA3 avançando 16,8% no pregão de quarta sugere um valor de mercado combinado incremental de R$ 1,6 bilhão. “Em outras palavras, o mercado precificou cerca de 40% da alta sugerida com o negócio”, aponta.

O banco também cita que as agendas de ambas as companhias estavam “mornas” antes das notícias da fusão e por razões semelhantes: (i) desaceleração suave do crescimento da receita (ou seja, de um crescimento acima de 20% há dois anos para um crescimento elevado de um dígito/baixo de dois dígitos agora) e (ii) alto impacto nos lucros das novas regras de tributação de incentivos de ICMS (ou seja, entre 25-45% de impacto no pior cenário). Agora, com o novo acontecimento, todos os olhos do mercado estarão voltados para os possíveis termos do acordo.

Enquanto novos desdobramentos não ocorrem, o JPMorgan revisou as recomendações para as duas companhias, tendo recomendação overweight (exposição acima da média do mercado, equivalente à compra) para Arezzo e neutra para Soma. O banco reduziu o preço-alvo para Arezzo de R$ 74 para R$ 66 por conta da redução de projeções de lucro, enquanto Soma teve o preço-alvo elevado de R$ 6,50 para R$ 7,75 dada a racionalização contínua da estrutura tributária.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.