Teto de vidro? A era dos advogados à frente de bancos centrais

Christine Lagarde, que assume o BCE em novembro, e Jerome Powell, presidente Federal Reserve, são advogados e lidam com uma fase complicada

Equipe InfoMoney

A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde (Bloomberg)

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NOVA YORK – Nada no currículo de francesa Christine Lagarde sugeriria que ela fosse a candidata mais indicado para o cargo, mas no início do mês passado o Conselho Europeu, órgão executivo da UE, anunciou que a francesa de 63 anos será a próxima presidente do Banco Central Europeu.

Lagarde foi ministra do Comércio, da Agricultura e da Economia da França e está no segundo mandato de presidente do Fundo Monetário Internacional, cargo que deixa em setembro.

A partir de 1º de novembro, depois de sua esperada aprovação pelo Parlamento Europeu e pelo conselho do banco, ela assume o BCE. Sem diploma de economista e sem experiência direta em política monetária, a advogada por formação e política de carreira será uma das protagonistas em um período turbulento da economia global, em meio às incertezas em relação ao Brexit, à guerra comercial entre China e Estados Unidos e aos temores de um emperramento geral da zona do euro.

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“Mesmo com a ausência de um choque de grandes proporções, há o risco de que [a economia europeia] possa entrar num período prolongado de crescimento anêmico e inflação”, disse um relatório do FMI divulgado recentemente (e preparado antes da indicação de sua chefe para o novo cargo).

Como boa parte das autoridades monetárias ao redor do mundo, a chefia do BCE sempre esteve nas mãos de economistas de destaque ou pessoas com experiência em bancos centrais.

A decisão de indicar uma política profissional – por mais experiente e competente que seja – causou surpresa em alguns setores, apesar de Jerome Powell, presidente Federal Reserve, banco central americano, também ser advogado.

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Mas no terreno minado pelo qual ela terá de guiar a instituição Lagarde vai precisar tanto de capacitação técnica quanto de diplomacia – assim como acontece com Powell.

“É ficção acreditar que o BCE pode ficar completamente à parte da política. O fato de o mercado ter reagido de forma positiva à indicação é uma mostra disso: os mercados dão boas-vindas a uma pessoa pragmática e politicamente ágil”, disse ao Wall Street Journal Giorgos Papakonstantinou, que era ministro da Economia da Grécia no auge da crise e lidou diretamente com Lagarde, na época sua par no governo francês.

Parece ser consenso entre os observadores da economia europeia que Lagarde vá manter o rumo de seu antecessor, o italiano Mario Draghi, disposto a fazer “o que for necessário” para proteger o euro. Mas as taxas de juro já estão no negativo, e a política de relaxamento quantitativo está no limite.

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Descrita como uma negociadora contumaz e admirada pela mais importante líder do bloco, a alemã Angela Merkel, Lagarde terá cacife político para experimentar e conduzir mudanças potencialmente controversas em nome da unidade da zona do euro. Lagarde foi uma das líderes decisivas na crise da Grécia.

Como ministra da economia da França, ela foi a primeira entre seus colegas a defender o resgate da economia grega, diante da oposição dos alemães. Depois, já no FMI, suavizou os termos austeros exigidos pelo fundo – os cortes orçamentários e aumentos de impostos provocariam uma contração econômica tão profunda que o pagamento de empréstimos ficaria ameaçado, além de abrir caminho para a ascendência de líderes populistas.

Mas o Banco Central Europeu tem muito mais influência sobre a economia global que o FMI. Lagarde terá de confiar no conselho técnico do banco – que está sendo renovado – e vai precisar aprender a “linguagem” dos presidentes de bancos centrais, cujas palavras são escolhidas com extremo cuidado e analisadas sob o microscópio.

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O cenário econômico global também vai apresentar desafios importantes para a nova gestão do BCE. Ainda não se sabe que forma terá o Brexit sob o recém-empossado Boris Johnson, mas a especulação é que uma saída sem acordo com a UE – que poderia ser catastrófica para a economia britânica – não está completamente descartada.

Um dia depois de o Federal Reserve, o banco central americano, anunciar o primeiro corte na taxa de juros em 11 anos, o presidente Donald Trump divulgou planos de impor novas tarifas sobre US$ 300 bilhões de importados chineses, aumentando o tom da guerra comercial com a China. E o governo japonês tirou da Coreia do Sul o título de parceiro preferencial de negócios, uma decisão que pode ter impacto direto na cadeia global de produção de eletrônicos.

As medidas à disposição de Lagarde para manter a zona do euro crescendo – no primeiro trimestre, a economia do bloco cresceu 0,4% — não são muitas. Uma das possibilidades é alterar as regras atuais para permitir que o BCE compre mais títulos governamentais dos bancos.

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O pioneirismo não é novidade na carreira de Lagarde. Ela foi a primeira mulher a assumir o cargo de ministra da Economia num dos integrantes do G8, e a questão da igualdade de gêneros foi uma de suas marcas na gestão do FMI.

Noah Trevor, apresentador do talk show americano “The Daily Show”, entrevistou Lagarde antes de sua nomeação para o BCE. Ele perguntou se ela conhecia o “penhasco de vidro”, um trocadilho com o “teto de vidro” que descreve situações perigosas nas quais o comando é entregue para as mulheres – justamente o cenário global quando Lagarde assumira o FMI. “Certo! Você tem razão. Quando a situação é muito, muito ruim, você chama uma mulher.”

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