Temer e o encerramento do período pós-democratização

Michel Temer e sua equipe trouxeram de volta a racionalidade perdida na economia e na política e isso será a razão para que exista recuperação lenta e gradual da atividade econômica nos próximos 18 a 24 meses

Francisco Petros

Publicidade

Ao assumir o governo, o presidente Michel Temer encontrou a tal da “herança maldita”, já clássica na política brasileira, com destaque para (i) o enorme déficit primário estrutural (diferença entre receitas e despesas correntes do setor público), (ii) gigantesco déficit total do setor público (resultado do déficit primário somado aos gastos com juros da dívida pública local e internacional), (iii) gestão calamitosa das empresas estatais, sobremaneira as do setor elétrico, e (iv) atividade econômica decrescente e em níveis calamitosas. “Uma crise do diabo” nas palavras do atual presidente interino.

Em relação ao déficit primário há dois fatores a serem atacados: (i) a queda da atividade econômica que gerou queda do PIB acumulada no período 2015/2016 de cerca de 9% e que propiciou queda quase equivalente nas receitas do setor público. Aqui o que se espera é que Michel Temer, pelo mero ato de trazer alguma luz ao horizonte refresque o cenário fortemente recessivo. Expectativas são a matéria-prima para o capital se mover na direção do investimento, bem como o consumo subir em função da maior confiança dos trabalhadores de que serão mantidos no emprego; (ii) já do ponto de vista estrutural cabe ao governo incumbente reformar estruturalmente a previdência social e os setores de elevado dispêndio e resultados sofríveis em termos de aumento de produtividade, notadamente a educação e a saúde. Também aqui deveria ser incluso outro aspecto pouco comentado na mídia: a concessão de subsídios e renúncias tributárias de diversos setores econômicos.

Michel Temer e sua equipe trouxeram de volta a racionalidade perdida na economia e na política e isso será a razão para que exista recuperação lenta e gradual da atividade econômica nos próximos 18 a 24 meses. A ocupação da capacidade ociosa permitirá que isso aconteça sem atropelos em relação à inflação (que deve ser declinante). Aqui não há enormes méritos para o governo, diga-se. O que havia eram deméritos à Dilma e o petismo. A substituição de Dilma Rousseff se deu exatamente pelo fato de que a presidente afastada perdeu as condições de governabilidade, desde o início de seu governo, fruto da ignorância econômica que vigeu no primeiro mandato, bem como da “chantagem partidária” de sua “base política” no Congresso face ao enfraquecimento que a presidente vivenciou perante a opinião pública. (Quanto à “chantagem”, esta persiste com Temer, mas foi amenizada pela formação de um governo parlamentar que amortece os ataques vindos do Congresso). Temer corrige este cenário devastador, por algo minimente promissor. A manchete do jornal Valor Econômico do fim de semana de 11 a 13 de junho de 2016 reflete exatamente esse cenário: “Empresários veem saída da crise, mas esperam medidas”. Aqui as medidas referidas são conjunturais: estabilidade cambial, redução dos juros, destrava do crédito, etc.

Masterclass

As Ações mais Promissoras da Bolsa

Baixe uma lista de 10 ações de Small Caps que, na opinião dos especialistas, possuem potencial de valorização para os próximos meses e anos, e assista a uma aula gratuita

E-mail inválido!

Ao informar os dados, você concorda com a nossa Política de Privacidade.

Quanto às reformas estruturais estas dependerão do vigor do governo em elaborar boas políticas em consonância com as forças produtivas e do apoio no fragmentado Congresso. Ainda não dá para prever e analisar o cenário desse ponto de vista.

Se do ponto de vista endógeno o governo Temer vai bem neste um mês de exercício de poder, ou seja, a sua própria existência minimamente estabilizadora forja um melhor cenário, do ponto de vista exógeno temos completa incerteza em relação aos efeitos que a Operação Lava Jato produzirá pela mostra contínua das tripas da corrupção do sistema partidário brasileiro. Até agora, os tradicionais freios autoritários da política brasileira não funcionaram para barrar o processo de investigação e punição dos malfeitos: a indignação persiste com tração junto à opinião pública e, por essa razão, junto a certas parcelas do Judiciário, especialmente o STF e a já notória 13ª Vara Federal de Curitiba encabeçada pelo Juiz Sérgio Moro. Com efeito: teremos de esperar esse processo se encaminhar para concreto desfecho para sabermos quem serão os players políticos sobreviventes e qual o jogo que será jogado na política e na economia no novo contexto. Nesse particular, podemos afirmar com segurança que o que virá ao conhecimento público nos próximos dois meses será gravíssimo. O Judiciário será testado mais uma vez no que tange ao seu papel estabilizador e punidor. Vale notar que nos intestinos dos poderes estabelecidos o desejo de uma “operação abafa” continua elevadíssimo. Veremos se terá sucesso.

As análises dispostas na mídia e em alguns poucos “centros de pensamento” param por aí. A Lava Jato obscurece os olhos dos analistas.

Continua depois da publicidade

Nessa coluna pretendo me arriscar um pouco mais e tecer considerações sobre algumas tendências estruturais que do meu ponto de vista estão no cenário e que, eventualmente, devem ser importantes no médio, quiçá no longo prazo. Se não servem às decisões imediatas dos agentes econômicos, podem servir para a reflexão sobre o futuro do Brasil na próxima década. Vamos a elas.

Do ponto de vista da política e da economia, relaciono algumas tendências e aspectos que me parecem ilustrativos do que vem por aí:

1) O processo democrático não deve sofrer substantivas alterações no que diz respeito à forma. O sistema partidário poderá ser aperfeiçoado, mas a essência da forma de representação fragmentada e clientelista permanecerá. A propaganda política ainda prevalecerá como centro-motor frente à identidade ideológica dos partidos com o eleitor. Assim, crescerá a dissociação entre os interesses materiais da sociedade e o exercício formal da política;

Continua depois da publicidade

2) O setor privado terá oportunidades crescentes de ocupar parcelas relevantes das atividades do Estado, seja em termos de privatização de empresas e serviços, seja pela combinação entre o capital estatal e privado nas concessões de serviços públicos. A crise fiscal do Estado deve continuar nos próximos anos (pelo menos uma década);

3) Haverá substantiva redução dos “benefícios sociais” formalizados na Constituição de 1988. Refiro-me, especialmente, aos direitos previdenciários e aos relacionados com o emprego formal. Os benefícios do denominado lulismo permanecerão visto que são irrelevantes do ponto de vista de efetiva transformação social. Refiro-me especialmente ao bolsa-família;

4) A desmoralização completa da esquerda brasileira em meio a ampla corrupção que tomou conta do PT tornará as demandas sociais pouco organizadas e a representação das camadas de mais baixa renda retornarão ao leito de propostas populistas e líderes carismáticos. O esperado aggiornamento (atualização) da esquerda brasileira será barrada pelas demandas populistas;

Publicidade

5) Não há sinais de que a produtividade brasileira crescerá. Isso dependeria de maior educação da mão-de- obra e do uso crescente de tecnologias que criassem “novas vantagens comparativas” na base instalada de produção. Sem o “bônus demográfico” (entrada crescente de novos partícipes na base produtiva) fruto do envelhecimento da população perde-se adicionalmente esse fator favorável ao incremento da produtividade;

6) O avanço no uso das novas tecnologias no Brasil será ampliado, com efeitos secundários sobre o aumento da eficiência econômica visto que o grau de aplicação sobre o sistema produtivo será limitado pelo baixo nível de investimentos;

7) O capital financeiro continuará prevalecente na economia brasileira e permanecerá como fator de agregação de volatilidade, seguindo a tendência mundial. Há que se notar que no Brasil o papel deste segmento permanecerá mais de “arbitrador” de preços (câmbio, ativos, juros, etc.) que de financiador do crescimento;

Continua depois da publicidade

8) Este papel de “arbitrador” do capital financeiro, tornará as variações do cenário externo mais acentuadas no ambiente doméstico. Apesar da atual boa posição externa do Brasil (e.g. reservas internacionais elevadas), a fragilização dos fundamentos fiscal e monetário (e.g. inflação) engrandeceu o papel do capital financeiro no estabelecimento dos valor dos ativos;

9) A maior abertura do Brasil no campo econômico, via acordos comerciais, não será capaz de alterar a dinâmica estrutural do país, tal qual o México. A superação da estagnação econômica em países continentais como o Brasil só é superada por meio da criação de forte mercado interno simultaneamente à abertura para o exterior. Isso dependeria da maior e melhor distribuição de renda (e.g. Índia e China);

10) A crise institucional do Estado continuará, ora explicitamente, ora adormecida pelo desinteresse da sociedade e/ou da mídia. O Estado brasileiro, desde a redemocratização, sofre contínuo e estrutural declínio, sobretudo em termos de qualidade de suas políticas e seu papel econômico. As parcelas do Poder Estatal (Executivo, Legislativo e Judiciário) não operam em sentido congruente com o desenvolvimento do país e guardam agenda própria quanto aos seus interesses. Ademais, o custo do Estado é de padrão “europeu” (em termos relativos) e a qualidade de seus serviços tem o padrão tradicional latino-americano;

Publicidade

11) Do ponto de vista dos aspectos psicossociais, de forma exemplicativa, a percepção de insegurança, a elevada criminalidade, o abandono da infância, os conflitos sociais, etc. não se alterarão.

Como se vê, não vislumbro um cenário promissor para o país diante dos fatos passíveis de análise no momento. Somente com a alteração substantiva da política brasileira, tais tendências poderão ser revertidas em melhor direção. É preciso ter consenso mínimo na denominada elite do país para que essa alteração se processe. Paradoxalmente, a característica não-cooperativa da política nacional está se acentuando na direção oposta ao requerido pela economia. A fragmentação de partidos simboliza o patrimonialismo, o clientelismo e a forma “comercial” de se encaminhar as demandas sociais e econômicas. Afora isso, a infraestrutura política é pouco participativa: a sociedade brasileira é muito frágil perante os seus representantes. Pode ir às ruas, mas não tem agenda.

Penso que o atual governo encerrará o longo período histórico pós-redemocratização. Infelizmente a construção da democracia brasileira nos últimos trinta anos não foi um sucesso quando observada em seu conjunto. É claro que avanços (e.g. em termos do exercício da liberdade, no papel institucional das forças armadas), mas a paisagem é sofrível. As sístoles e diástoles da atividade econômica na somatória de trinta anos mostram avanço sofrível. A renda per capita não evoluiu substantivamente e o padrão anteriormente presumido do Brasil como “país emergente” não se cumpriu. A desigualdade social impera e quando observada à luz dos novos padrões e exigências tecnológicas a exclusão é mais evidente.

O cenário de incerteza é inerente à economia capitalista e é a política, historicamente construída, aquela que saneia, ao menos parcialmente, aquilo que estruturalmente tumultua o cenário. No Brasil a política não cumpre o seu papel estabilizador. Ao contrário, acentua as variáveis de incerteza. Ademais, o Estado perdeu a desenvoltura e o desenvolvimento integral do país tornou-se mera quimera. Constatar essa realidade, de forma decidida, é o melhor caminho para alterá-la. É tarefa urgente para a Política. Onde estarão os políticos que queiram assumir a tarefa? Sem responder a esta pergunta imaginar que as tendências estruturais podem ser alteradas seria matéria-prima para a criação de escritor neorrealista-fantástico da América Latina.