Temer e a esclerose da política

O PMDB será a âncora que aglutinará todos os partidos pequenos, fragmentados e fisiológicos

Francisco Petros

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A carta de Michel Temer de ontem (07/12/2015) destinada à presidente Dilma Rousseff inaugurou publicamente o que se sabia ocorrer nos bastidores: o vice-presidente da República está conspirando para a viabilização do impeachment, forma pela qual ele tem a concreta chance de finalmente chegar aonde sempre ambicionou. Sem o voto popular, vale informar.

Conforme tenho elaborado nos últimos três artigos sobre o andamento das negociações a respeito da abertura do processo de impeachment da atual ocupante do Palácio do Planalto, o PMDB tende a conformar a sua atuação doravante na direção da oposição. O partido está dividido, mas a sua força motriz concentra-se no grupo de Michel Temer por duas razões básicas. A primeira porque é a única força com capacidade de articular-se com a oposição com o mínimo de credibilidade para negocias. A segunda deve-se ao fato de que a ascensão de Temer à presidência acomoda as principais forças oposicionistas que ambicionam disputar o pleito presidencial de 2018, no caso, José Serra, Aécio Neves e Geraldo Alckmin. A promessa de que o septuagenário vice-presidente não concorrerá em 2018 é crível e é a causa para a obtenção da credibilidade necessária junto aos atores tucanos. Para Lula o quadro não o desagrada, pois possibilita militar nas antigas fileiras da oposição.

O PMDB será a âncora que aglutinará todos os partidos pequenos, fragmentados e fisiológicos que, por ora, apoiam o governo e que mais à frente devem trair Dilma e os petistas. É necessário algum tempo para isso, é claro! Não à toa, a oposição e o PMDB adiam e protelam as votações inerentes ao processo de abertura do impedimento presidencial. Temer é o agente principal deste processo e catalisa todo apoio possível, incluso aqueles que residem em setores sociais e econômicos nos quais a atual presidente patina por força de sua generosa incompetência política e econômica durante o primeiro mandato.

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A carta de Temer é o principal documento político produzido nos últimos anos no Brasil. Não propriamente pela sua essência ideológica e programática (inexistente), mas como sinal inequívoco que a articulação dos segmentos mais conservadores obedece a uma regra não-partidária. A direita no Brasil está espalhada por vastos campos políticos, inclusos os partidos programaticamente “socialistas”. Assim sendo, o atual processo de impeachment nada mais é do que a tentativa de tomada de poder por parte dos segmentos conservadores sem que para isso haja a necessidade do voto. Dilma Rousseff calculou mal o seu fracassado projeto de governo e o encaixou na premissa de que a legitimidade das urnas concederia a verdadeira legitimidade. Errou sobremaneira. No Brasil as instituições são mais frágeis que apregoam os débeis locutores da mídia e os “formadores de opinião” acostados na academia, nas empresas e nas associações onde reside o poder de fato.

Do ponto de vista conjuntural a “traição” de Temer, por óbvia que seja, demonstra que o jogo da abertura do processo de impeachment é sério e não compila dados apenas formais de quem apoia e quem não apoia a presidente. O jogo está construído para mudar o compasso da política econômica (o que faz sentido) e a distribuição dos interesses (nem sempre legítimos). O analfabetismo econômico de Dilma e seus ministros econômicos (Guido Mantega, etc.) neste campo jogou adubo que hoje favorece a colheita de quem quer mudanças a despeito das instituições políticas e normativas do país.

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Do ponto de vista estrutural, Michel Temer é o sinal destes tempos políticos. A Nação e suas elites não conseguiram, desde a redemocratização pós-64, renovar lideranças, partidos, ideias, ideologias e estratégias. Estamos a reboque da mesma turma que há muito tempo tomou o poder. Vejamos.

Michel Miguel Elias Temer Lulia é um ancião de 75 anos. (Aqui tomo o termo “ancião” apenas para referenciar a idade do vice-presidente, sem nenhuma conotação negativa ou pejorativa aqueles que tem a mesma idade). Surgiu por força da liderança do governador de São Paulo Franco Montoro que talvez tenha sido o maior formador de quadros políticos desde o fim da ditadura. Foi secretário de segurança de São Paulo e dali foi catapultado para a vida partidária no PMDB. É discreto, mas também tem poucos votos, pois apesar de sua figura estar associada à academia – em toda a vida universitária produziu apenas quatro livros de direito e um de poesia, “Anônima Intimidade” -, nunca ganhou a confiança da maioria dos eleitores para alçar voos mais altos. Jamais disputou um cargo majoritário, somente os proporcionais (deputado federal) até se associar ao PT e ser o candidato à vice da presidente Dilma. Temer é homem de bastidores e esse é o seu maior ativo neste momento.

O fato é que Temer é a representação da esclerose política do Brasil. Por aqui não se produzem novos quadros partidários porque a geração de Temer não permite o progresso de lideranças que criem ou possam criar obstáculos aos seus conchavos de poder. Somos o país dos anciãos da política. Vejamos alguns dos principais players da política brasileira: Fernando Henrique Cardoso tem 84 anos e ainda dá palpites por todos os lados. José Serra tem 73, Lula tem 70, Dilma tem 68, Geraldo Alckmin tem 63. Somente Aécio Neves (51 anos), Ciro Gomes (57) e Marina Silva (57) surgiram nestes anos todos como líderes com potencial de ascender à presidência da República. (Eduardo Campos não viveu para sabermos sobre o seu talento político). Basta verificarmos que os candidatos “novos” à prefeitura da maior cidade de São Paulo são sofríveis: João Dória Jr., Datena e Celso Russomano. A anciã Marta Suplicy (70 anos) está lá, firme e forte.

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Apenas a título de ilustração, no mundo, as elites políticas se transformam e novos líderes chegam ao poder. Vladimir Putin tem 63 anos, François Hollande 61, Barack Obama 54, David Cameron 49, Angela Merkel 61, Mariano Rajoy 50, Matteo Renzi 40. A política partidária, as academias, as vertentes sociais, os sindicados de empresários e trabalhadores produzem um establishment que se renova e alavanca novos padrões, ideias, práticas e políticas. Aqui, neste Brasil estamos sendo governados pelos mesmos há muito. (Ao que parece José Sarney se aposentou).

Michel Temer, este que agora se revolta contra a companheira de chapa, é a representação do fracasso da política. Possivelmente ele saberá catalisar boa parte da insatisfação que transborda por todos os lados contra Dilma Rousseff e que resultou neste processo de impeachment cujos fundamentos jurídicos são muito duvidosos, mas suficientes para levar ao poder aquele que nunca teve voto majoritário. Esta ironia é o custo de nossa história.