Soja digital: startup argentina testa cartão de débito abastecido com tokens de commodities no Brasil

Agrotoken digitaliza produção de fazendeiros e permite antecipar vendas para sustentar operação; cartão de commodities sai em 2023

Paulo Barros

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Um dos maiores produtores de grãos do mundo, o Brasil está sendo laboratório para uma inovação tecnológica que transforma commodities como soja, milho e trigo em ativos digitais transacionáveis, no processo chamado de tokenização – a conversão de ativos em representações digitais em blockchain, a rede imutável que usa a tecnologia do Bitcoin (BTC).

A Agrotoken é uma startup fundada na Argentina que está começando a testar no Brasil o seu modelo de tokenização de commodities. Com um celular em mãos, o produto consegue criar a representação digital da sua produção e obter tokens equivalentes aos produtos físicos, que podem ser usados em transações para sustentar o próprio negócio.

“Uma vez que ele tem a representação e o token em mãos, pode transacionar: comprar trator, por exemplo, transferindo tokens para o vendedor”, explica Anderson Nacaxe, executivo com passagens por Bayer e Corteva que hoje é o responsável pela operação brasileira da startup argentina Agrotoken, especializada em tokenização agrícola.

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“O token será [a representação digital] daquela quantidade de soja, de milho ou de trigo que foi transferida do produtor para um novo beneficiário, que vai ser se detentor do token”, contou ele em entrevista ao Cripto+ (confira a íntegra no player acima).

A solução está sendo testada atualmente com um grupo restrito de produtores, que já podem usar tokens para comprar de tratores a insumos, como sementes e fertilizantes, em um ambiente controlado.

A ideia do projeto é que o produtor agrícola também possa usar os tokens como garantia para empréstimos, de modo a se financiar e fazer a gestão de caixa de forma mais estruturada – mesmo com a soja presa num armazém, ela pode ser convertida em token com o vencimento correspondente à mercadoria, e usado para antecipar o dinheiro em um banco.

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Em breve, a Agrotoken ainda vai liberar um cartão que pode ser abastecido com esses tokens, na prática transformando a produção parada em dinheiro. “Ele pode usar, por exemplo, para combustível, deixando o cartão na mão de um funcionário da fazenda”, conta Nacaxe.

O passo seguinte, conta o executivo, é criar mercados secundários para os tokens, de modo a conectar as famílias com o produtor rural – e, assim, abrindo o caminho para o investimento da Pessoa Física em em commodities digitais visando valorização.

Se hoje as pessoas fazem fila em posto de combustível quando há a perspectiva de aumento de preço, poderão,  no futuro, comprar tokens que representem esse combustível para antecipar a compra sem o limitante da capacidade do tanque do veículo.

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“Imagina que o preço da gasolina ou do álcool está aumentando 50 centavos e você decide entrar na fila para abastecer seu tanque de 50 litros – você estaria economizando R$ 25. Agora imagina se você pudesse não comprar somente um tanque. Um motorista de Uber poderia comprar quatro ou cinco tanques e antecipar esse consumo ao longo do mês, colocando como crédito [em um cartão]”, exemplifica.

Uma evolução natural do projeto é criar uma cesta de tokens das principais commodities agrícolas do Brasil. “A cadeia agrícola representa 27% do PIB brasileiro, o que significa que, se eu tiver esses tokens na mão, conseguiria ter boa parte da riqueza do país e me proteger de movimentos inflacionários vindo da cadeia primária”, explica o executivo.

A Agrotoken já trabalha na criação de tokens de etanol e de carne, o que permitiria ao consumidor antecipar compras dos dois produtos em momentos de baixa – na prática, podendo comprar etanol real com etanol digital, e carne física com carne virtual, quando os preços estiverem altos demais.

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Atualmente em testes com um grupo fechado, o cartão de débito abastecido com commodities estará disponível amplamente para produtores rurais a partir de janeiro de 2023.

A empresa tem parecer legal sobre o enquadramento de seus ativos digitais como utility token (token de utilidade), conforme manifestação recente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o tema. De qualquer forma, está em contato tanto com CVM quanto com o Banco Central para garantir a oferta dos ativos ao usuário final.

“A Agrotoken nasceu para trazer benefícios para o produtor rural. A gente não cria ativo digital visando especulação. É um ativo digital que visa a conexão entre agentes da cadeia – e no final dela tem uma pessoa física, que está comprando esse ativo como alimento ou investimento. Se ele quer comprar como investimento, na realidade, está comprando uma soja (ou outra commodity) de um produtor rural”, ressalta Nacaxe.

Paulo Barros

Editor de Investimentos