Sobre Renan, o “infiel da balança” e o seu tratado

Renan não produzirá nenhuma resposta concreta aos verdadeiros e mais profundos problemas do Brasil

Francisco Petros

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A crise econômica brasileira está totalmente a reboque da entropia do sistema político. Conforme tenho pregado em artigos anteriores, estamos em meio a uma crise institucional que retirou dos Poderes republicanos a capacidade de funcionar com mínima racionalidade e que direcione o país, não os interesses comezinhos da política formal, para a consecução de políticas que possibilitem a solução de problemas econômicos e sociais. 

A classe política resolveu, por conta de suas mazelas relacionadas à corrupção, ao nepotismo e à obtenção de benesses à custa do erário, acender a chama da ingovernabilidade como forma de extirpar a presidente do poder, seja via impeachment, seja pela pressão por sua renúncia. O chef mais visível que comanda o fogão no qual tenta cozinhar a Presidente da República é Eduardo Cunha.

De repente, em meio às brumas do inverno que teima em não aparecer no Brasil, aparece um plano de vinte e oito pontos (ou “propostas”) engendrado pelo senador alagoano Renan Calheiros. Nem precisamos relembrar que Calheiros não é Woodrow Wilson (1856-1924), o presidente norte-americano que premido por certo idealismo diplomático propôs 14 pontos para forjar a paz eterna no mundo pós-primeira guerra mundial. Como se sabe, a realpolitik franco-britânica acabou empurrando o Tratado de Versalhes goela abaixo da Alemanha e, assim, criou as condições para uma segunda e sangrenta guerra mundial.   

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Pois é: a aparência “idealista” do “Plano Renan” tem, de fato, o pragmatismo do Tratado de Versalhes. Neste expropriou-se a Alemanha, naquele a vítima será a finança pública. Renan Calheiros com as suas parcas madeixas implantadas saberá empurrar para dentro do governo todo o custo do fisiologismo do PMDB et caterva. Ou seja, para Dilma Rousseff não ser assaltada do poder aceitará o assalto de RenanCalheiros e sua turma (inclusa a de Alagoas).

Este passo da presidente Dilma é perfeitamente aceitável e compreensível, do ponto de vista exclusivamente analítico, quando se vê as possibilidades concretas do governo. Do ponto de vista dos agentes econômicos, em particular, e da sociedade, em geral, este reequilíbrio entre as forças que querem derrubar a presidente e aquelas que irão assaltar o poder que ainda existe no Executivo é condição necessária e ainda insuficiente para que a economia dê mínimos sinais de que não continuará piorando. Quiçá, dependendo do grau de sustentação deste reequilíbrio, as coisas poderão até melhorar. 

Vale lembrar, que grande parte do ajuste para sanar o analfabetismo econômico do primeiro mandato de Dilma Rousseff já foi feito: juros altos para ajustar a demanda, ajuste dos preços represados artificialmente, veloz ajuste cambial para reduzir o cavalar déficit de transações correntes e um ajuste fiscal meio capenga, mas que no curtíssimo prazo impede a progressão explosiva das contas e da dívida pública. 

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O custo desta pax alagoana é evidente. O ajuste estrutural do país, na economia, nas políticas sociais, etc. estará novamente inviabilizado por completo. Não dá para se imaginar que nas atuais circunstâncias a presidente consiga construir base mínima para inaugurar novos planos de maior envergadura. Viverá à míngua até o final de sua administração ou um milagre de São Judas, o santo das causas impossíveis.

Este cenário também prejudica por demasiado os planos da denominada oposição. O caminho da “pauta-bomba” que o principal partido de oposição, o PSDB, tomou trouxe consequências paradoxais: pode acabar sendo insuficiente para derrubar Dilma, mas foi suficiente para demonstrar que o jogo dovale-tudo à la PT é parte da estratégia tucana, quando lhe interessa. Se a população vai levar isso em conta mais à frente quando votar, isso é outro ponto a ser verificado na ocasião.

Por fim, temos as multidões nas ruas. Até agora não há evidências de que os movimentos de rua serão minimamente organizados do ponto de vista político. Ou seja, a possibilidade de que se repita aquela cena patética, um monte de gente na rua e nenhuma agenda política na mão, é enorme. Possivelmente, as propostas de impeachment da presidente da República serão gritadas neste movimento occupy Paulista. Todavia, cessada a gritaria nas ruas não se ouvirá eco algum em Brasília, enquanto a “política formal” não estiver devidamente incomodada por ruas mais organizadas. Obviamente, se estes movimentos resultarem em violência explícita relacionada com a gritaria política haverá algo de novo no ar. Haveremos de lamentar a violência, mas esta pode ter consequências, desde que não seja mera libertinagem pública.

Pois é: em pouco mais de 72 horas surgiu um fato novo: Renan Calheiros e suas 28 propostas. Woodrow Wilson não emplacou as suas 14 propostas, ironicamente a metade que Calheiros prega na cruz do governo. Aposto que Renan não produzirá nenhuma resposta concreta aos verdadeiros e mais profundos problemas do Brasil. Todavia, a sua pax será benvinda até que a sociedade perceba que, sem organização política e zelo pela cidadania, mesmo alguém como Renan Calheiros vira estadista. Por alguns dias, diga-se.