Simandou: o que é o projeto e como tem ditado o rumo dos preços do minério de ferro

Preocupações com fornecimento e desafios regulatórios em Simandou impulsionam minério de ferro ao maior patamar desde fevereiro

Felipe Moreira

Simandou (Foto: Divulgação/Rio Tinto)
Simandou (Foto: Divulgação/Rio Tinto)

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Os preços do minério de ferro atingiram o nível mais alto desde 25 de fevereiro, a US$ 107,65, na terça-feira, impulsionados principalmente pelas crescentes preocupações com as perspectivas de fornecimento do gigantesco projeto de Simandou, na Guiné, e por expectativas de recuperação da demanda no setor siderúrgico chinês, principal mercado consumidor da commodity.

O movimento marca uma mudança relevante no sentimento do mercado. Antes, prevalecia a expectativa de que a entrada em operação de Simandou pressionaria os preços para baixo. Agora, diante de complicações regulatórias, o cenário se inverteu e tem sustentado a valorização do minério.

Simandou: incertezas políticas e nacionalismo de recursos

O projeto de Simandou, com capacidade anual estimada em 120 milhões de toneladas — o equivalente a quase 5% da oferta marítima global e cerca de 10% da demanda de importação da China — está dividido em duas áreas: Simandou Norte (Blocos 1 e 2), operado pelo Consórcio Winning e pela Baowu, e Simandou Sul (Blocos 3 e 4), sob controle da Rio Tinto, da Chinalco e do governo da Guiné.

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A Rio Tinto prevê início de produção no Sul em 2025, com 10Mt (milhões de toneladas) em 2026 e crescimento gradual até 60Mt em cinco anos.

A iniciativa vinha sendo apontada como um potencial fator de pressão sobre os preços do minério nos próximos anos. Mas a intenção do governo da Guiné de processar o minério localmente pode reduzir a disponibilidade de minério a ser exportado, sustentando os preços.

O país, maior produtor mundial de bauxita, responsável por aproximadamente 23% da produção global, já implementou políticas semelhantes em seu setor de alumínio. O governo cancelou acordos de mineração devido a atrasos na construção de refinarias de alumina, demonstrando sua disposição em impor requisitos de processamento.

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Segundo analistas, esse histórico indica que o governo pode adotar postura igualmente rígida em relação ao minério de ferro, ainda que os desafios econômicos e técnicos sejam diferentes dos observados na cadeia bauxita/alumina. Nesse cenário, a mineradora Rio Tinto pode ser forçada a construir uma refinaria para viabilizar o projeto de Simandou.

O nacionalismo de recursos — prática de governos que aumentam o controle sobre recursos naturais por meio de regulamentações, impostos ou exigências de propriedade — não tem se limitado à Guiné, mas vem ganhando força globalmente. Essa abordagem busca extrair maior valor agregado localmente, exigindo o processamento dos recursos no país em vez da simples exportação de matérias-primas.

Retomada da produção na China

O foco também está no ritmo de retomada da produção na temporada de pico na China e nas necessidades de reabastecimento de matérias-primas, disseram os analistas da corretora Shengda Futures.

As usinas siderúrgicas, que reduziram a produção devido a um desfile militar em Pequim, em 3 de setembro, para comemorar o fim da Segunda Guerra Mundial, retomaram gradualmente a produção a partir de 4 de setembro.

A produção de metais quentes deve atingir nível relativamente alto nesta semana, apoiando a demanda de minério, disseram os analistas da Jinrui Futures.

No entanto, a redução das margens e os estoques acumulados de aço podem suprimir o apetite de compra das usinas, disseram os analistas da Shengda, limitando a alta dos preços.

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Desafios estruturais

Diferente das operações em Pilbara, na Austrália, o projeto de Simandou exige a construção de uma ferrovia de 620 km atravessando terreno acidentado, além de um novo porto em Morebaya. A infraestrutura inclui 206 pontes e 4 túneis, configurando o maior investimento já realizado na história da Guiné e inserido no escopo da Iniciativa do Cinturão e Rota, liderada pela China.

O porto terá capacidade para movimentar 120 milhões de toneladas por ano, divididas entre um cais de barcaças e um terminal de transbordo. A logística dependerá de aproximadamente 170 navios “capesize” por ano, via Cabo da Boa Esperança.

Na avaliação do BTG, a complexidade logística e os elevados custos de capital do projeto podem representar desafios adicionais para sua execução e cronograma, ainda que a dimensão da iniciativa reforce seu potencial de transformação no mercado global de minério de ferro.

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Riscos operacionais

O projeto Simandou enfrenta desafios relevantes, incluindo fatalidades recentes, chuvas extremas, paralisações e a instabilidade política da Guiné, o que adiciona incerteza à sua execução. Apesar disso, as obras seguem avançando, com mais de 10 mil trabalhadores mobilizados em mineração, ferrovia e porto, embora o elevado capex e o longo cronograma justifiquem a cautela dos investidores até que haja avanços mais concretos.

Para o BTG Pactual, Simandou segue como peça central para o setor de minério de ferro. O banco projeta preços de US$ 85 por tonelada em 2026, mas admite que esse patamar pode ser excessivamente pessimista diante de riscos de ramp-up e gargalos logísticos. Em seu modelo, a instituição estima um acréscimo de 15 milhões de toneladas em 2026 e de 35 a 40 milhões em 2027, ainda que veja riscos de baixa.

Na visão do BTG, o mercado pode enfrentar uma sobreoferta de 65 a 70 milhões de toneladas em 2026, cenário que dependerá da execução em Simandou. Por isso, os analistas mantêm postura cautelosa em relação à Vale (VALE3), aguardando maior clareza antes de revisar a recomendação para o papel.