Seca no Norte: fontes alternativas e ação do sistema integrado atenuam efeito da estiagem para elétricas

Para analistas, matriz diversificada e avanço da geração eólica ajudam a assegurar a estabilidade da rede

Lara Rizério

Geraldo Alckmin visita áreas atingidas pela forte estiagem na região de Catalão (AM). Foto: Cadu Gomes/VPR

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O El Niño tem provocado fenômenos climáticos extremos nas diferentes regiões do Brasil. Enquanto a temperatura atingiu marcas recordes em grandes cidades do Sudeste e Centro-Oeste, superando 40º C, temporais inundaram centenas de municípios no Rio Grande do Sul.

A Amazônia, por sua vez, sofre com uma de secas mais severas de sua história, afetando a rotina dos moradores. Manaus, no Amazonas, decretou situação de emergência pela seca do Rio Negro na semana passada. Nesta semana, a Santo Antônio Energia, controlada pela Eletrobras (ELET3;ELET6), interrompeu a operação da Hidrelétrica Santo Antônio em razão dos níveis de vazão atuais do Rio Madeira, 50% abaixo da média histórica.

Na manhã de quarta-feira (4), Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, cogitou religar usinas termelétricas por causa da estiagem na Amazônia. A energia produzida por essas instalações é mais cara do que a das hidrelétricas. Na noite do mesmo dia, reconhecendo a “severidade da crise hidrológica” no Norte, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) decidiu liberar a operação das usinas térmicas para assegurar o abastecimento no Acre e em Rondônia.

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Os desdobramentos são diversos e a repercussão para as ações das empresas de energia, monitorados de perto pelos analistas de mercado. No momento, porém, a visão predominante é de que a seca tem impacto neutro para os ativos do setor negociados na Bolsa.

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O peso das fontes alternativas

O Bank of America aponta que o El Niño pode ter efeitos significativos na geração de eletricidade no Brasil devido ao seu impacto sobre padrões climáticos e recursos hídricos, já que o País depende das hidrelétricas para geração de eletricidade.

No Norte, a redução das chuvas e os níveis mais baixos dos reservatórios podem diminuir a capacidade de geração, exigindo o uso de fontes alternativas de energia, como a termelétricas – com implicações ambientais e sobre o custo da geração. Porém, desde o último grande El Niño, entre 2015 e 2016, as eólicas ganharam importância na geração de eletricidade no Brasil, diz o banco.

“A matriz energética do Brasil é diversificada, compreendendo energia hidrelétrica, eólica, solar e combustíveis fósseis. A disponibilidade de energia eólica pode ser importante para a estabilidade da rede, especialmente durante períodos de redução da produção hidroelétrica causada pelas secas relacionadas com o El Niño”, avalia o BofA.

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A região Norte faz parte do Sistema Interligado Nacional (SIN), sistema hidrotérmico de grande porte responsável pela coordenação e controle da produção e da transmissão de energia elétrica do Brasil. Por isso, não haveria problema para atendimento da demanda, segundo Maíra Maldonado, analista de energia da XP.

“A transferência de energia elétrica entre diferentes regiões do Brasil [adotada para equilibrar a carga] é uma parte essencial do funcionamento do SIN”, reforça o BofA. No pico de demanda em uma região, a eletricidade gerada em outra pode ser usada para atender às necessidades de consumo. Já em períodos de menor procura, o excedente também pode ser distribuído.

“A capacidade de transferir energia entre regiões aumenta a resiliência do sistema elétrico a eventos imprevistos, como falhas em usinas ou linhas de transmissão. Se uma área sofrer uma interrupção no fornecimento de energia, outras regiões poderão fornecer apoio”, avaliam os analistas.

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O banco americano também não prevê grandes choques na geração de energia, pois hoje o setor opera com excesso de oferta. “O episódio não deverá afetar os preços devido ao excesso de oferta nos reservatórios, atualmente superiores a 75% da capacidade [dados de 21 de setembro]”, reforça.  Além disso, a região Centro-Sul deverá registrar mais chuva no próximos meses, o que deve ajudar a manter a “bandeira verde”, sem custos adicionais nas contas de luz.

“Tendo em vista que as usinas participam do mecanismo de realocação de energia (MRE), os riscos operacionais e financeiros são diluídos entre todos os participantes do sistema. Os impactos individuais não devem ser significativos”, aponta Ricardo Schweitzer, analista independente.

O Morgan Stanley aponta que a combinação de condições mais secas nas regiões Norte e Nordeste com maior demanda por energia Sudeste e Centro-Oeste, devido às temperaturas mais altas, poderia elevar os preços à vista. Por outro lado, reforça que a maior geração eólica e melhor hidrologia no Região Sul ajudam a reduzir o custo. Assim, embora difícil de estimar, o saldo dos dois movimentos sobre os preços tende a ser neutro para as ações do setor.

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Vale pode aumentar produção?

Se as ações das elétricas tendem a passar “ilesas” pela seca no Norte, outro setor – e uma companhia em especial – pode desempenho melhor neste cenário, diz o Morgan Stanley.

Os níveis de chuva são um fator chave para a mineração, dizem os analistas do banco. Nas estações chuvosas, são frequentes as inundações de minas, afetando as operações. O excesso de chuvas também pode perturbar os sistemas de infraestrutura e comprometer operações de grande escala – o que aconteceu, por exemplo, em Minas Gerais em janeiro de 2022.

Na maioria das regiões da América do Sul, há uma sazonalidade natural, com menor produção mineral no verão (especialmente no primeiro trimestre de cada ano). O El Niño, no entanto, pode mudar essa dinâmica momentaneamente, alterando o ciclo das chuvas.

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Um possível verão seco no Norte, portanto, poderia impulsionar a produção durante trimestres sazonalmente fracos, especialmente no Pará, área de operação da Vale (VALE3).

“Vemos a Vale como a principal beneficiária. Carajás foi responsável por 56% da produção total de minério de ferro da companhia em 2022, e sua produção tem forte correlação inversa com os níveis de chuva”, avalia o Morgan.

Enquanto isso, o El Niño poderá ser uma ameaça moderada para a produção de empresas com operações no Chile e no Norte do México, devido aos níveis de chuva acima do normal por lá.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.