Salto do petróleo evidencia novo fator de risco: o que esperar para a commodity e para a economia global?

Economistas e analistas traçam cenários caso ambiente de tensão geopolítica perdure, com possível desaceleração da economia global com impactos inflacionários - que já podem influenciar as próximas reuniões de política monetária, como do Fomc e Copom

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Se até a última sexta-feira a maior preocupação com o petróleo era com relação à queda da demanda com a desaceleração da economia global, o cenário parece ter mudado no fim de semana. 

No sábado, houve um ataque a unidades da petróleo da Saudi Aramco, na Arábia Saudita, representando uma perda de cerca de 5 milhões de barris por dia de petróleo (bpd), montante equivalente a aproximadamente 5% da produção mundial do óleo bruto. 

Rebeldes houthis, do Iêmen, reivindicaram a autoria do ato, mas o governo dos EUA insiste que o Irã está por trás da ação, o que é negado de forma veemente pelo país.

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Em meio à toda essa tensão geopolítica (e apesar do anúncio de medidas tanto pelos EUA quanto pela própria Arábia Saudita, que falou em retomada de um terço da produção), a cotação do petróleo chegou a saltar 19% mais cedo e, na tarde desta segunda, registra variação positiva de 15% por volta das 15h (horário de Brasília).

Com tamanha reação do petróleo, os analistas de mercado e economistas se debruçam sobre o impacto deste novo foco de tensão geopolítica para a política monetária de diversos países (incluindo o Brasil), para a economia global e para as ações das empresas de petróleo e outras que são indiretamente impactadas pela cotação da commodity. 

No curto prazo, a avaliação é de que, caso a situação não se normalize rapidamente, pode aumentar as chances de um cenário de maior desaceleração de crescimento com riscos inflacionários tanto para o Brasil quanto para o mundo. 

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Assim, conforme destaca a XP Investimentos, esse episódio deverá impor maior cautela nas decisões de juros essa semana, com uma análise cuidadosa dos potenciais impactos desse evento sobre os preços.

Vale ressaltar que, na próxima quarta-feira, haverá decisões de política monetária tanto pelo Federal Reserve, às 15h (horário de Brasília), quanto pelo Banco Central do Brasil, além das autoridades monetárias do Japão e da Inglaterra. 

No Brasil, por enquanto, os juros futuros reagem de maneira comportada aos novos acontecimentos, registrando uma sessão de leve queda de 3 pontos-base para os contratos com vencimento em janeiro de 2021 (5,31%) e para janeiro de 2023 (6,44%), com os investidores vendo espaço para queda de juros com a inflação comportada apesar da alta do petróleo.

A expectativa praticamente unânime dos economistas é de que o Comitê de Política Monetária (Copom) corte a Selic para 0,5 ponto percentual, a 5,5% ao ano, na reunião desta semana. 

Contudo, as tendências da cotação do petróleo serão monitoradas de perto pelos agentes de mercado.

Segundo o Bradesco BBI, os preços da commodity dependerão de três fatores essenciais: i) quanto tempo se levará para corrigir os danos na produção da Arábia Saudita; ii) a resposta potencial da Opep+, que possui uma capacidade ociosa estimada em 1,5 milhão de barris por dia e iii) uma possível suspensão das sanções ao Irã, que acrescentaria mais 1,7 milhão de barris de petróleo. Este último ponto é visto como mais complicado, já que os EUA veem responsabilidade do governo iraniano no ataque.

Os sauditas têm uma rede de armazenamento global de 187 milhões de barris de petróleo em todo o mundo, o que duraria mais um mês, assumindo a interrupção de 5,7 milhões de barris por dia.

Se Abqaiq, um dos centros atingidos, tiver a sua produção retomada em breve, o impacto nos preços do petróleo deve ser limitado, avaliam Vicente Falanga e Gustavo Gregori, analistas do Bradesco BBI. 

No entanto, se o dano for mais grave, os estoques começarão a diminuir, com os analistas assumindo três cenários para um período de interrupção de 90 dias na produção em Abqaiq.

No cenário i) a produção saudita diminuiria em 5,7 milhões de bpd, sem que houvesse compensação da capacidade ociosa nem a interrupção das sanções iranianas, elevando os preços do petróleo para US$ 90 a US$ 100 o barril; ii) a OPEP+ compensaria parcialmente a falta de oferta com 1,5 milhão de barris por dia, o que levaria os preços do petróleo a US$ 70 a US$ 80 o barril ; e iii) Opep+ adicionando produção com levantamento adicional das sanções iranianas, levando os preços para entre US$ 65 e US$ 70 o barril.

Porém, para além do impacto físico, o Credit Suisse ressalta que o temor seguirá para os investidores, independentemente de haver uma retomada rápida da produção saudita. 

Isso por conta da capacidade militar demonstrada pelos rebeldes houthis, que conseguiram causar um dano tão significativo mesmo a mais de 800 quilômetros de distância das operações da Aramco. 

“Com isso, acreditamos que o mercado de petróleo terá que acrescentar um fator de risco geopolítico, enquanto que o foco estava sendo na desaceleração da demanda. Mesmo que a produção seja normalizada rapidamente, acreditamos que o conflito entre sauditas e houthis pode ser visto como uma proxy para a guerra com o Irã, fazendo com que esse fator de risco seja mantido”, avaliam a equipe de analistas do banco suíço. 

Já Pedro Sales, gestor dos fundos de ações Brasil da Verde Asset Management, afirmou em entrevista ao InfoMoney que os preços do petróleo apenas refletem a incerteza – e, por isso, devem continuar voláteis –, sem indicar uma tendência para a commodity.

Impactos na economia
Tendo todo esse cenário no radar, os investidores avaliam qual é o impacto do salto recorde do petróleo sobre as economias globais. 

A avaliação é de que, mesmo com a gravidade do impacto dependendo de quanto tempo durar a alta das cotações, o ocorrido pode abalar a já fraca confiança de empresas e consumidores em meio à disputa comercial EUA-China e à desaceleração da demanda global.

“Um choque negativo de oferta como este, quando o crescimento global está em desaceleração sincronizada, com muitos pontos geopolíticos fervendo, é exatamente o que não precisamos”, destacou à Bloomberg Rob Subbaraman, chefe de pesquisa macro global da Nomura Holdings, em Cingapura.

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Para os emergentes, a avaliação é de que as economias com déficits em conta corrente e fiscais – como Índia, África do Sul, entre outras – correm o risco de sofrer grandes fugas de capital e desvalorização das moedas.

Para o Brasil, contudo, as visões são mais diversas. Em entrevista à CNBC, Mark Mobius, considerado o “guru dos emergentes”, ressaltou que o  Brasil pode ser um dos grandes beneficiados no atual cenário de alta do petróleo. 

“Acho que as pessoas estão começando a pensar bem, que deveríamos olhar para o Brasil, por exemplo, para sua oferta de petróleo, o México e outros países em termos de onde o petróleo pode vir”, disse o investidor. “Se você olhar para as reservas que o Brasil possui, verá que elas podem produzir bastante petróleo”, completou. 

Enquanto isso, para o mercado interno, os analistas ainda têm dúvidas sobre a capacidade da Petrobras para repassar preços, apesar da forte alta dos papéis nesta sessão (veja mais clicando aqui). 

Assim, em um ambiente já bastante conturbado para a economia global, a surpresa com o ataque a Aramco na Arábia Saudita adicionou mais um fator de risco, com potencial de afetar as economias globais em diversas frentes. 

(Com Bloomberg)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.