Rússia: o governo, a KGB e a reestatização das gigantes nacionais

Ações do governo assustam empresas e investidores; desde maio, mercado acionário já registrou queda de mais de 30%

Giulia Santos Camillo

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SÃO PAULO – Voltando algum tempo até o final da União Soviética e os anos de governo de Boris Yeltsin, o cenário na Rússia poderia ser descrito da seguinte forma: caos econômico, corrupção, situação deplorável das contas do governo e da população. Vindo em direção ao presente, nos últimos oito anos, em que conte o governo de Vladimir Putin, a recuperação da economia russa foi visível, alcançando maior estabilidade e prosperidade.

Não à toa, em 2001, Jim O’Neill, do Goldman Sachs, deu origem ao acrônimo BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), incluindo o país entre os quatro maiores mercados emergentes do mundo. A responsabilidade por essa retomada do crescimento está nas mãos de um grupo de líderes, comandados por Putin, que implantou medidas políticas e econômicas em busca de maior disciplina e estabilidade.

Esse mesmo grupo, porém, tem revertido o sentimento de empresas e investidores acerca do mercado russo. Se antes a popularidade do governo no meio econômico era incontestável, há algum tempo ela deu lugar, parcialmente, a um crescente temor relativo às ações nacionalistas do Estado.

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Como ressalta a reportagem da revista Fortune, os indícios dessas medidas são numerosos e vão desde a prisão de presidentes de empresas e posse de ativos a partir de processos legais duvidosos até a transformação de parcerias entre companhias russas e estrangeiras em disputas por controle.

O elo que une governo, KGB e empresas

É interessante notar, dos dados levantados pela Fortune, que grande parte desse grupo de líderes foi da KGB (Comitê de Segurança de Estado, na sigla em russo) ou teve ligações com o órgão na época da ditadura soviética. A principal exceção fica com o atual presidente do país, Dmitry Medvedev – antigo presidente da maior companhia russa, a Gazprom. Além de Putin e Medvedev, o grupo reúne ainda Igor Sechin, presidente da Rosneft, petrolífera estatal e Vladimir Yakunin, que encabeça as Ferrovias Russas.

Contudo, se engana quem pensa que, por terem ligações com a KGB no passado, esses indivíduos querem a volta da União Soviética. Na verdade, o que pode ser considerado como objetivo, diante das sinalizações que o grupo tem dado, é o aumento da influência do Estado russo na economia – e isso inclui no comando das grandes empresas do país.

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Conforme citado pela Fortune, o governo russo tem se movimentado no sentido de reestatizar setores-chave da economia, afastando e punindo investidores estrangeiros e presidentes das empresas. As estimativas apontam que o Estado tomou cerca de US$ 100 bilhões em ativos privatizados na década de 1990.

Como afastar inimigos e tomar as gigantes

Entre os exemplos mais claros da intromissão política na economia estão os fatos ocorridos em 2003 com o então CEO da petrolífera Yukos, Mikhail Khodorkovsky. Processado por sonegação de impostos e fraude – acusações das quais nega a culpa -, o executivo foi condenado a oito anos de prisão na Sibéria, por influência de Sechin, que, na época, incorporou a Yukos à Rosneft, impulsionando os negócios da estatal.Um ano depois, esse mesmo Sechin se tornou presidente da petrolífera, que fechou o segundo trimestre deste ano com receita de US$ 4,17 bilhões.

Um exemplo mais recente: no final de julho, o atual Primeiro-Ministro russo, Vladimir Putin, acusou o CEO da Mechel, Igor Zyuzin, de sonegação de impostos corporativos. O repórter da Fortune conta que, quando Zyuzin faltou a uma reunião com as autoridades russas por estar doente, a reação de Putin foi clara: “doença é doença, mas eu acho que ele deveria melhorar o mais cedo possível. Senão, nós teremos que enviar um médico e limpar todos os problemas”. O resultado foi a saída de diversos investidores da mineradora, cujos papéis caíram 30% em um único pregão em Nova York.

No mesmo caminho, no começo de agosto, Putin interveio na maior mineradora de níquel da Rússia, a Norilsk Nickel, que faz parte do conglomerado de Vladimir Potanin. De acordo com fontes citadas pela revista, o Primeiro-Ministro quer criar um único competidor global da BHP Billiton. Dessa forma, ele sugeriu a Potanin que apontasse um novo CEO para a Norilsk – ninguém menos do que Vladimir Strzhalkovsky, outro ex-funcionário da extinta KGB. À frente da sexta maior empresa russa, Strzhalkovsky já anunciou planos de recomprar US$ 2 bilhões em ações da mineradora.

Sinais de fechamento de um emergente?

Alguns analistas, entretanto, crêem que essa situação não deve durar. Para eles, o enfraquecimento de investimentos nesses setores-chave alvo do Estado russo – principalmente de petróleo e mineração – levarão a um declínio da produção.

O mercado também tem prestado atenção nos movimentos nacionalistas do governo. Somada a preocupação acerca das intervenções em empresas, a invasão da Geórgia contribuiu para a queda acentuada, de mais de 30%, do mercado russo desde maio.

Ao final, cada uma dessas ações do governo russo – contra presidentes de empresas e investidores – reforça o temor do mercado, deixando o sentimento de que a lei daquele país é maleável, de acordo com as vontades dos líderes. Dessa forma, a Rússia caminha em sentido oposto à trajetória dos demais emergentes, de aumento da transparência e governança do mercado acionário.