Robinhood: como o caso GameStop expôs o lado obscuro do aplicativo que revolucionou a forma de investir nos EUA

Aplicativo democratizou o investimento para os cidadãos comuns, mas jogou contra eles quando o caso GameStop explodiu

Sérgio Teixeira Jr.

Divulgação

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Nova York – Os anúncios mais caros da TV americana são veiculados no Super Bowl, a final do campeonato de futebol americano. O jogo acontece neste final de semana, e o interesse por ele é enorme: Tom Brady, marido de Gisele Bündchen e um dos melhores jogadores da história do esporte, vai tentar seu sétimo título. Quem também se interessa por finanças vai notar um certo comercial de 30 segundos. A Robinhood, o aplicativo que ajudou a impulsionar o fenômeno GameStop, comprou um espaço no intervalo da partida.

As cenas poderiam fazer parte de um comercial de banco, seguradora ou até mesmo o clássico filme da família feliz consumindo margarina. Um rapaz corre, uma mulher faz carinho num cão e um homem faz dormir um bebê, enquanto o narrador diz: “Fazemos investimentos de curto prazo, de longo prazo, diversificamos seus interesses, realizamos nossos ganhos e perdas sem perder de vista o cenário mais amplo. Você não precisa tornar-se investidor, você já nasceu assim.”

O espaço publicitário foi comprado em dezembro (veja abaixo) como parte de uma campanha de marketing institucional. Mas, quando o comercial for exibido, o objetivo será recuperar a imagem do Robinhood. O aplicativo – que revolucionou o mercado para investidores individuais ao acabar com as taxas para a compra e venda de ações – tornou-se o centro de uma grande controvérsia, envolvendo clientes, Wall Street e políticos de renome.

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O aplicativo foi criado por dois programadores com experiência em desenvolver software de operação de alta velocidade para fundos de hedge. Vladimir Tenev (que ocupa o cargo de presidente) e seu sócio Baiju Bhatt batizaram a empresa e o app em homenagem ao herói do folclore inglês pois a missão declarada da companhia é “democratizar as finanças” e “permitir que todo mundo tenha acesso ao mercado financeiro”.

A ideia central da startup era atacar um flanco dos grandes bancos e corretoras: os grandes nomes de Wall Street pagavam meros centavos para efetuar a compra e venda de ações, mas cobravam comissões de até dez dólares por transação. Usando o Robinhood, as transações eram gratuitas e não havia exigência de um saldo mínimo para começar a operar na bolsa.

Como outras startups do Vale do Silício, o foco da empresa sempre foi em operação enxuta e boa usabilidade. Serviços acessórios tradicionalmente oferecidos por bancos e corretoras, como relatórios sobre as companhias listadas na bolsa ou ferramentas de análise.
O sucesso do app foi rápido.

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No início de 2017, pouco mais de dois anos depois do lançamento do aplicativo, a Robinhood Markets já contabilizava 1 milhão de usuários e US$ 30 bilhões em movimentação financeira. O modelo chacoalhou o cenário das corretoras de varejo. Em 2019, players estabelecidos como E-Trade e Charles Schwab (que no ano passado adquiriu a concorrente TD Ameritrade), também adotaram o modelo gratuito.

Tempo e dinheiro nas mãos

O movimento concertado no fórum Reddit para levantar o preço das ações da varejista GameStop, no final de janeiro, foi só o sinal mais visível da ascensão do pequeno investidor, em grande parte incentivado pelo modelo livre de comissões.

Em 2019, os investidores individuais respondiam por cerca de 10% da atividade das bolsas americanas. Em meados do ano passado, essa participação aumentou para 25%.

Uma das explicações foi a pandemia. Além de mais disponibilidade de tempo por causa das restrições de circulação, muitos aproveitaram a ajuda emergencial de US$ 1.200 enviada pelo governo para tentar surfar a alta das bolsas.

Mas, além da narrativa de um levante de David contra os Golias do mercado, o episódio GameStop também serviu como um sinal de alerta para muitos novatos no mercado de ações.

O primeiro deles veio na última semana de janeiro, quando o Robinhood proibiu os usuários de negociar mais que uma ação da GameStop e de outras empresas que eram alvo do bando formado na internet.

Muitos correram para apontar teorias da conspiração e uma suposta “virada de casaca”: a companhia que estava do lado dos mais fracos teria decidido proteger os barões de Wall Street.

Mas a realidade era mais prosaica. Com o enorme número de ordens em seu sistema, a Robinhood precisava oferecer garantias para uma companhia que atua como uma espécie de câmara de compensação.

Entre outras funções, essas companhias oferecem a segurança de que quem comprou vai ter dinheiro para pagar. Como o volume das ações estava muito acima do normal, a Robinhood teve de depositar uma caução de US$ 3 bilhões de dólares, uma cifra “uma ordem de magnitude” acima dos requisitos típicos, segundo afirmou Tenev em uma live com Elon Musk, da Tesla, transmitida em uma rede social no domingo passado.

As restrições foram suspensas na sexta-feira, depois de a Robinhood Markets levantar US$ 3,4 bilhões de seus acionistas. Mas mais de 30 ações coletivas foram iniciadas contra a empresa por investidores que alegam ter sido prejudicados por não poder comprar certos papeis.

Políticos democratas e republicanos também se manifestaram. A presidente da comissão de serviços financeiros da Câmara, Maxine Walters, afirmou que vai convocar Tenev para depor.

Um outro detalhe importante que veio à tona em meio ao frenesi das últimas semanas foi o modelo de negócios da Robinhood. Como diz uma frase que ficou popular especialmente em relação ao Facebook, “se você não está pagando, o produto é você”.

Essa máxima certamente se aplica ao Robinhood. Os investidores pequenos são usuários do app, mas os clientes – os responsáveis pelas receitas – são os grandes operadores do mercado financeiro. (A empresa também tem um pequeno negócio de assinaturas e empréstimos.)

Quando um usuário dá uma ordem de compra de uma ação, a Robinhood vai a um market maker para efetivar a transação – em vez de fazê-lo na bolsa. Esse terceiro cobra uma margem ínfima sobre o valor real da ação. O dinheiro vem do volume, que é enorme no caso do Robinhood.

O negócio do Robinhood é cobrar desses market makers o acesso ao seu enorme público. Um dos maiores clientes da companhia é a Citadel Securities, que pertence a um bilionário dono de um fundo de hedge – justamente o tipo de Golias que a turma da GameStop estava disposta a derrubar.

Além disso, essas empresas usam as informações do que é transacionado no Robinhood para elas mesmas ganharem dinheiro.

Os potenciais conflitos de interesse por parte de corretoras como a Robinhood vieram à tona, e alguns observadores acreditam que a Securities and Exchanges Commision (SEC), o órgão que regula os mercados de capitais americanos, possa criar novas regulamentações.

Outro ponto que vem sendo mencionado é a “gamificação” dos investimentos. O app usa várias técnicas de redes sociais para estimular negociações – e muitas vezes os usuários não entendem bem o risco a que estão se expondo.

O Robinhood sem dúvida serviu como uma força democratizadora para os cidadãos comuns que nunca tinham aplicado na bolsa. Mas o app também serviu para mostrar que a realidade é muito mais complexa que o que se enxerga na tela do celular – e que definitivamente não existe almoço grátis.

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Sérgio Teixeira Jr.

Jornalista colaborador do InfoMoney, radicado em Nova York