Riscos de recessão e de reserva em dólar acabar assombram Milei na Argentina

Recuo do peso se somou ao enfraquecimento da economia e à fragilização política do presidente, que agora encara o difícil cálculo de gastar os poucos dólares que o país tem de reservas

Paulo Barros

Um manifestante agita uma bandeira enquanto participa de uma marcha para defender as universidades públicas, depois que o presidente argentino Javier Milei vetou leis para aumentar o financiamento de hospitais pediátricos e universidades públicas, citando esforços para controlar os gastos públicos, em Buenos Aires, Argentina, 17 de setembro de 2025. REUTERS/Francisco Loureiro
Um manifestante agita uma bandeira enquanto participa de uma marcha para defender as universidades públicas, depois que o presidente argentino Javier Milei vetou leis para aumentar o financiamento de hospitais pediátricos e universidades públicas, citando esforços para controlar os gastos públicos, em Buenos Aires, Argentina, 17 de setembro de 2025. REUTERS/Francisco Loureiro

Publicidade

A Argentina atravessa um momento decisivo às vésperas das eleições legislativas de 26 de outubro. O governo Javier Milei enfrenta pressão cambial, sinais de recessão e perda de apoio político, um conjunto de fatores que aumenta a cautela entre investidores – e faz analistas pregarem posições mais defensivas temendo o fim do chamado “efeito Milei”, que no começo do governo fez os ativos do país dispararem.

Após um ano de perdas avassaladoras na Bolsa, o assunto da vez é o câmbio. Para o Bradesco BBI, a recente intervenção do Banco Central argentino (BCRA), que vendeu US$ 53 milhões em reservas depois de o dólar oficial no mercado atacadista superar o teto da banda cambial, a 1.474,5 pesos, é um alerta sobre a fragilidade do regime.

“O mercado continua questionando a credibilidade do sistema de bandas e a capacidade do BCRA de defendê-lo. Com apenas cerca de US$ 22 bilhões em reservas livres e 26 sessões de negociação até a eleição de 26 de outubro, o banco central caminha em terreno estreito”, escreveram os analistas.

O relatório detalha três possíveis estratégias. “Uma intervenção como a de ontem se encaixa em um cenário conservador, em que a autoridade monetária apenas suaviza a volatilidade, usando algo próximo de US$ 1,3 bilhão. Já uma postura moderada, de US$ 150 milhões por dia, pode ser sustentável se a pressão se mantiver contida, mas aumenta riscos. Por outro lado, uma estratégia agressiva, queimando US$ 300 milhões por dia, poderia levar ao rápido esgotamento das reservas e forçar uma mudança de regime, corroendo a confiança pública e trazendo consequências eleitorais graves”, afirma o Bradesco BBI.

O banco acrescenta que há riscos adicionais à frente. “Os vencimentos de dívidas em pesos nas próximas semanas podem aumentar a liquidez em moeda local e, portanto, a demanda por dólares. Historicamente, períodos de incerteza sobre uma eventual desvalorização também geram aceleração das importações e postergação das exportações, o que pode ser o gatilho para novos movimentos de mercado.”

Economia à beira da recessão

O JPMorgan avalia que a economia argentina já caminha para uma recessão técnica. “O PIB do segundo trimestre recuou em relação ao trimestre anterior, eliminando parte do avanço de 3,5% anualizado no primeiro trimestre. É a primeira leitura negativa desde o segundo trimestre de 2024 e coloca a economia no caminho de dois trimestres consecutivos de queda”, destacam os analistas.

Continua depois da publicidade

O banco também vê o terceiro trimestre como ainda mais desafiador, com indicadores de julho e agosto apontando para uma retração ainda mais forte. “A turbulência atingiu o auge com a derrota nas eleições da Província de Buenos Aires. Com o risco político em alta e a incerteza persistindo até outubro, o mal-estar econômico dificilmente dará trégua.”

O Itaú BBA também destaca sinais de enfraquecimento da atividade. “Apesar do crescimento de 6,3% em relação ao ano anterior, o PIB caiu 0,1% na comparação trimestral, refletindo queda de 1,1% no consumo privado e de 0,5% nos investimentos fixos, enquanto indústria e construção recuaram em julho”, disseram Diego Ciongo e Soledad Castagna, economistas do banco.

A percepção de confiança da população também ajuda a explicar o quadro. “O índice de confiança do consumidor da Universidade Torcuato Di Tella caiu 13,9% de julho para agosto, refletindo uma piora nas perspectivas macroeconômicas e menor disposição para comprar bens duráveis e imóveis. O crédito, pressionado pelos juros altos, praticamente estagnou no terceiro trimestre. Isso reforça os riscos de queda para a projeção de crescimento de 5% em 2025.”

Política amplia incertezas

A dimensão política adiciona outro elemento de instabilidade. Ao anunciar o orçamento de 2026, Milei prometeu ampliar gastos em aposentadorias, saúde e educação, setores duramente afetados pela austeridade. A medida foi lida como recuo tático após a derrota em Buenos Aires.

Para o JPMorgan, “o governo fez concessões fiscais claras, mas continua incapaz de recuperar o controle sobre o Congresso. Isso ficou evidente quando a Câmara dos Deputados derrubou vetos presidenciais em áreas sensíveis como saúde e universidades. O movimento reflete uma realinhamento político mais amplo, no qual governadores e parlamentares que antes eram próximos agora se distanciam do Executivo.”

Paralelamente, o governo lida com um escândalo de corrupção envolvendo Karina Milei, irmã e secretária-geral do presidente, que elevou a rejeição popular a patamares recordes.

Continua depois da publicidade

O que está em jogo para investidores

Entre os bancos, a avaliação converge: a Argentina atravessa semanas críticas. Para o Bradesco BBI, “ainda falta uma luz no fim do túnel para justificar maior exposição a ativos locais”, com preferência por empresas ligadas à energia e exportações, menos dependentes do consumo doméstico e da volatilidade do câmbio.

Nesta quinta-feira, os títulos soberanos argentinos recuaram ao menor nível em um ano, em novo alerta para investidores.

O JPMorgan alerta que, passada a eleição de outubro, será essencial “reconstruir o estoque de reservas internacionais, já que a tendência até lá é de erosão contínua”.

Continua depois da publicidade

E o Itaú BBA resume: “Com juros altos, crédito travado e confiança em queda, a atividade doméstica perdeu fôlego. Se nada mudar, o risco de recessão em 2025 é cada vez maior.”

Paulo Barros

Jornalista, editor de Hard News no InfoMoney. Escreve principalmente sobre economia e investimentos, além de internacional (correspondente baseado em Lisboa)