Reino Unido: especulações impactam mais mercado britânico do que falas oficiais; confira o que esperar

Notícias sobre nova reversão de medidas fiscais e extensão de prazo de programa de títulos têm movimentado libra; comunicação do governo gera críticas

Lara Rizério

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A crise no Reino Unido, que foi intensificada no fim do mês passado, segue tendo impacto nos mercados. Nos últimos dias, diversos rumores sobre as políticas econômicas, a serem anunciadas na segunda quinzena deste mês, têm gerado forte impacto nos mercados, ainda que os órgãos oficiais neguem uma mudança de direção. Assim, nos próximos dias, os investidores acompanharão se os novos desdobramentos vão mesmo acontecer – e quais os impactos para o mercado.

Na véspera, após uma movimentada sessão, a libra emergiu de uma baixa de duas semanas, com alta de 1,25% frente o dólar, ajudada por uma notícia do Financial Times de que o Banco da Inglaterra (BoE) estaria preparado para estender seu programa de compra de títulos para além de sexta-feira (14), prazo a rigor limite. Na terça-feira, a autoridade monetária havia assustado os mercados ao reiterar que iria retirar o apoio até sexta.

O banco central começou a comprar títulos em 28 de setembro, depois que o pacote impopular de cortes de impostos do Tesouro do Reino Unido causou nervosismo nos mercados do país. A volatilidade desencadeou chamadas de margem para fundos de pensão que usam uma estratégia conhecida como investimento orientado a passivos ou LDIs.

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O banco expandiu o programa duas vezes desde então, mas tinha insistido que não iria estender o prazo. Desta forma, a notícia de possível extensão do prazo gerou alívio.

Contudo, o Banco da Inglaterra reforçou na véspera que seu programa de compra de títulos para apoiar os fundos de pensão terminará na sexta, conforme planejado, uma mensagem que ficou “absolutamente clara” em contatos com bancos, apontou. “O presidente do BoE Andrew Bailey confirmou esta posição ontem (terça-feira) e ficou absolutamente claro em contato com os bancos em níveis superiores”, disse em comunicado.

Mas as especulações não param por aí.

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O novo governo britânico disse na quarta que não irá reverter seus vastos cortes fiscais ou reduzir os gastos públicos – plano este que causou estragos nos mercados financeiros da região.

A princípio, essa notícia seria negativa para a libra, mas novas reportagens fizeram a moeda britânica apreciar, com alta de cerca de 1,8% em relação ao dólar, a US$ 1,1302, no final da tarde no Reino Unido.

A libra subiu acentuadamente com relatos de que a primeira-ministra Liz Truss estaria pronta para fazer alterações no plano fiscal do governo. A Sky News informou que estavam em andamento discussões sobre reconsiderar alguns dos cortes de impostos que abalaram o mercado e que o ministro das Finanças Kwasi Kwarteng anunciou em 23 de setembro.

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Truss defende repetidamente o plano econômico radical do governo, apesar das medidas propostas que levaram os mercados financeiros a uma queda, à medida que os investidores venderam a libra e deixaram para trás os títulos do Reino Unido.

Na semana passada, Kwarteng voltou atrás em um plano para eliminar a alíquota máxima de 45% do imposto de renda pago sobre ganhos acima de 150 mil libras (US$ 167.646) por ano, depois de uma forte reação pública.

Truss e Kwarteng insistiram que as propostas do governo são necessárias para fazer a economia crescer.

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O ministro respondeu hoje a perguntas sobre uma possível mudança nas políticas, dizendo que está “totalmente focado em entregar o plano de crescimento” e que “não vai a lugar nenhum”, após pedidos de que ele e a primeiro-ministra deveriam demitir-se.

A porta-voz de Liz Truss afirmou que a primeira-ministra e o ministro das Finanças estão trabalhando juntos antes de um comunicado fiscal no final do mês para apoiar o crescimento, também repetindo que não houve nenhuma reversão nos planos fiscais atuais.

“O trabalho está em andamento entre o chanceler e a primeira-ministra, como seria de se esperar antes do plano fiscal de médio prazo … estamos trabalhando em estreita colaboração com o Tesouro”, disse a porta-voz.

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Questionada sobre uma reviravolta, a porta-voz disse “a posição não mudou” e apontou para as palavras de Kwarteng mais cedo de que ele está concentrado no crescimento.

Na avaliação do JPMorgan, mesmo que haja uma reversão total do plano, a medida não será suficiente para demonstrar sustentabilidade fiscal. Isso implica que alguma contenção de gastos ainda será necessária.

“Se confirmado no final deste mês, uma mudança clara do governo tiraria alguma pressão do BoE em termos de suas intervenções no mercado de gilts – títulos públicos britânicos – e na escala de aumentos de taxas necessários para trazer a inflação para baixo.

Isso poderá moderar o cenário mais adverso para o crescimento, mas provavelmente também já será tarde para evitar alguns danos à economia e um certo grau de cicatrizes financeiras como resultado, avalia Allan Monks, economista que assina o relatório do JP.

A evolução das pesquisas de opinião dos eleitores à medida que a “poeira baixar” determinará as consequências políticas para a atual liderança com este episódio.

“Nossa visão desde o início deste episódio era de que o governo relutantemente mudaria de rumo e ofereceria aos mercados alguma garantia, reduzindo as tensões financeiras imediatas e a carga sobre o BoE, mas potencialmente criando novos desafios políticos mais adiante. Ainda há algum caminho a percorrer até 31 de outubro mas, até agora, essa visão parece parece se desenrolar antes do previsto”, avalia.

O vaivém e rumores sobre os próximos passos têm gerado críticas no mercado sobre a condução das políticas econômicas pelo governo britânico.

“Mudanças improvisadas na política econômica do Reino Unido deixam mais pontos de interrogação do que respostas em relação à credibilidade e são um vento contrário para os ativos vinculados à libra”, escreveu Stephen Innes, da SPI Asset Management.

“É muito raro uma combinação tão equivocada de políticas e comunicações sobre políticas como as feitas pelo novo governo conservador”, disse o ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Larry Summers, na conferência de investimentos do Citi em Sydney.

Assim, mesmo que haja alguma reversão nas políticas, o Reino Unido seguirá sendo visto como um fator de risco para os mercados.

(com Reuters)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.