Reforma tributária: primeiras propostas trazem “alívio” para algumas empresas da Bolsa, mas analistas focam nos próximos passos

Recomendação foi por manter benefícios fiscais de ICMS até 2032, beneficiando farmacêuticas, mas ainda há muitos pontos incertos sobre reforma

Lara Rizério

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Ainda uma espécie de carta de intenções, mas que já trouxe algumas sinalizações para o mercado. Assim que foi lida a apresentação das linhas gerais da proposta de reforma tributária, apresentada na última terça-feira (6) pelo relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) no grupo de trabalho da Câmara dos Deputados.

O pilar central é a fusão dos cinco principais impostos – IPI, PIS e Cofins (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal) – em apenas um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), o qual será denominado Imposto de Bens e Serviços (IBS). Ele será dual, ou seja, dividido em duas partes: uma destinada à União e a outra aos estados e municípios.

O governo tinha preferência por um modelo de IVA unificado, mas os entes estaduais e municipais são contra por acreditarem que seriam prejudicados na divisão. A cobrança do imposto fica no local onde o produto ou serviço é consumido e não é mais cobrado em cascata (imposto sobre imposto). A alíquota média estimada para o IBS é de 25%, mas poderá variar de acordo coma legislação de cada ente federativo.

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A despeito de haver uma alíquota padrão, alguns bens e serviços específicos terão alíquotas reduzidas, como saúde, educação, transporte público, aviação regional e produção rural. Já outros segmentos, que possuem “peculiaridades”, como bens imóveis, combustíveis e lubrificantes, serviços financeiros, seguros e cooperativas, terão tratamento específico.

Neste sentido, o Bradesco BBI também ressalta que, entre as recomendações, o grupo de trabalho destacou a manutenção dos benefícios fiscais do ICMS relativos aos validados pela Lei Complementar 160/2017 até o prazo estabelecido, que é 2032.

Na avaliação dos analistas, estão são notícias positivas para as ações de empresas farmacêuticas, de varejo ou fabricantes de medicamentos. Entre os nomes, RD (RADL3), Pague Menos (PGMN3), Panvel (PNVL3), Viveo (VVEO3) e Hypera (HYPE3) em particular, esta última dada a maior relevância do benefício fiscal em seu lucro líquido, que foi de 55% em 2022. De acordo com os analistas, a recomendação diminui as preocupações com a possível redução dos benefícios fiscais devido à Reforma.

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“Observamos que assumimos conservadoramente em nosso modelo para Hypera de que ela perderá metade dos 10 pontos percentuais [p.p.] de benefícios fiscais do ICMS em 2033 e sua alíquota de imposto de renda aumentará para 24% (abaixo dos 34% devido aos juros sobre capital próprio)”, avaliam os analistas do banco. Em um cenário otimista, assumindo apenas o imposto de renda mais alto, o preço-alvo seria de R$ 54,00. A recomendação atual do BBI para as ações da Hypera é outperform (desempenho acima da média do mercado, equivalente à compra), com preço-alvo para 2023 de R$ 47.

O Citi também reforma que a recomendação para manter os benefícios fiscais do ICMS recentemente covalidados sob a lei complementar de 2017 reduz parcialmente os riscos de diminuir os benefícios atualmente usufruídos por Hypera e Viveo.

À primeira vista, os analistas do banco também destacam que o projeto de lei defende um regime especial com taxas subsidiadas para os serviços de saúde e educação (à semelhança do sistema vigente em muitos países que já operam sob o regime do IVA), corroborando a opinião da casa de que o “risco tributário” é relativamente limitado para as empresas desses setores.

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Além disso, as empresas de educação também gozam de isenção fiscal relacionada à lei do Prouni, recentemente renovada em dezembro de 2021.

“Ainda estamos nos estágios iniciais da discussão parlamentar, sendo que a visibilidade sobre a votação e as condições finais da reforma é naturalmente limitada neste ponto. Além disso, precisamos ver detalhes incrementais, como definições das novos impostos e de regras de transição para moldarmos nossa visão”, aponta o banco americano.

Muitos passos ainda a seguir

Conforme destaca a Levante, a situação da proposta da reforma tributária é bem diferente do arcabouço fiscal, que, quando tornado público, já contava com um desenho definido – embora tenha sofrido significativos ajustes até a aprovação. Agora, o relator divulga uma versão inicial para abrir uma discussão pública, mas sem resolver os principais entraves ao tema. A previsão é fechar o texto até o fim de junho. O JPMorgan aponta, por sua vez, que embora ainda esteja longe da aprovação, o passo que foi dado para a reforma tributária é maior do que das vezes anteriores, o que é um ponto a ser elogiado.

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A equipe de análise da Levante ressalta que a reforma tributária terá alguns (vários) percalços pelo caminho.

A unificação de tributos encontra resistência de governadores e prefeitos, que temem perder arrecadação por conta da gestão compartilhada. As grandes capitais colocaram-se contra, temendo ficar “dependentes” das esferas estadual e federal.

Para os estados, a questão é quanto ao tamanho do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que irá compensar os governadores pelo fim dos benefícios fiscais oferecidos com a redução do ICMS para atrair empresas. Os deputados integrantes do grupo de trabalho (GT) da reforma estimam uma necessidade entre R$80 bilhões a R$150 bilhões por ano.

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Há ainda uma série de propostas quanto a diversos temas específicos, como a Zona Franca de Manaus (que será garantida), o Simples Nacional (o empresário poderá optar pelo IVA ou permanecer no regime), imposto seletivo para produtos com externalidades negativas (como cigarro e bebidas alcoólicas), cashback (devolução de parte do imposto pago) para famílias de baixa renda, além da incidência do IPVA sobre veículos aquáticos e aéreos e progressividade no imposto sobre heranças e doações (ITCMD). “São muitas pautas a pacificar”, afirma.

O governo tenta destravar o sistema tributário brasileiro, aponta a Levante, que se tornou uma teia hipercomplexa de leis, normas tributárias e “jabutis”.

“A confusão é tamanha que é praticamente impossível estimar quanto se paga de imposto sobre consumo, por exemplo. Isso explica, pelo menos em parte, a resistência dos entes federativos em endossar a reforma – já que não conseguem ao menos saber se realmente perderiam arrecadação com a adoção do IVA. O ministro Haddad mostra otimismo, dizendo que ‘a reforma vai avançar’. Mas a verdade é que a discussão apenas começou”, avalia.

O JPMorgan ressalta que, mesmo num primeiro momento, é possível ver que há vencedores e perdedores quando se olha para diferentes setores da economia.

“Nesse caso, a estratégia tem sido destacar o quanto a complexidade tributária prejudica o crescimento e limitar a utilização de créditos tributários. Alguns setores, muitos dos quais já desfrutam de algum tipo de tratamento especial, receberam um aceno claro – mesmo que não um panorama completo. O fato de a maior parte do que foi anunciado na terça já fazer parte do cotidiano brasileiro sugere que novas mudanças nesse sentido podem ser limitadas”, avaliam os analistas do JPMorgan.

Eles apontam ainda que a escolha de não dar muitos detalhes no momento sobre a reforma é política. Ter mais detalhes sobre produtos que enfrentarão taxas mais baixas ou sobre o imposto especial de consumo é fundamental, mas o JPMorgan que o relator não é o único culpado pela incerteza.

“Há um longo e sinuoso caminho até que investidores e empresas tenham uma visão completa de como o sistema tributário brasileiro funcionará daqui a alguns anos. Em primeiro lugar, os líderes da Câmara dos Deputados usarão as diretrizes como ponto de partida para as negociações nas próximas semanas.”, apontam.

O texto final é esperado para as próximas semanas e terá que ser aprovado em dois turnos de votação na Câmara dos Deputados, com apoio de pelo menos 308 parlamentares, antes de ser enviado ao Senado. Lá, precisará reunir pelo menos 49 votos. Caso os senadores mudem o texto, ele precisará voltar à Câmara dos Deputados e repetir este ciclo quantas vezes forem necessárias antes de se tornar parte da constituição federal.

O JPMorgan ainda aponta que a apresentação das diretrizes da reforma é um passo necessário, mas insuficiente, para dar confiança de que a reforma fará jus às promessas sobre ela.

“Por muito otimistas que possamos estar quanto ao potencial desta reforma estrutural, consideramos que muito ficou ainda para a imaginação hoje. Em menor grau, isso também pode acontecer mesmo quando já tivermos a própria emenda constitucional aprovada nas duas casas do Congresso – algo que achamos que acontecerá, na melhor das hipóteses, no 4T23”, avalia o banco.

Questões importantes, como quais produtos estarão sujeitos a impostos especiais de consumo, só serão resolvidas nos próximos projetos de lei.

O JPMorgan ressalta ainda que Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e Bernard Appy, secretário Extraordinário da Reforma Tributária do Ministério, prometeram mais de uma vez que a reforma será neutra.

O banco cita estimativas de Rodrigo Octávio Orair e Sérgio Wulff Gobetti, que fizeram estudos sobre reforma tributária e sugerem que uma taxa de IVA neutra atingiria quase 27%, entre as maiores do mundo. “Ainda assim, parece não haver disposição dos políticos em permitir uma taxa total acima de 25%, e essa definição será fundamental para entender os
efeitos da reforma em diferentes setores”, aponta o JPMorgan.

Assim, avaliam os analistas do banco, entre essas preocupações e a promessa de dias melhores, acreditam que o segundo cenário, mais positivo, pode preponderar.

“Aprovar tal reforma depois de mais de 30 anos de acalorados debates seria uma vitória. Mesmo que os frutos demorem a aparecer depois da colheita, provavelmente valerá a pena esperar”,  avaliam.

A paciência dos investidores, no entanto, só vai até certo ponto, ponderam. “Seja devido ao impactos positivos de um sistema melhorado, seja porque uma transição mais longa se traduzirá na coexistência de dois regimes – complicando ainda mais a vida das empresas – acreditamos que quanto mais cedo perguntas forem respondidas, melhor”, avaliam.

O Plano A é ter a garantia da emenda aprovada até o final deste ano e as leis complementares aprovadas em 2024. “Consideramos este como um cenário plausível, mas não algo dado. O Congresso terá suas eleições internas em fevereiro de 2024 e a nova liderança pode favorecer essa agenda – ou não. No ano que vem, a eleição municipal em outubro também pode influenciar o clima e o ritmo das aprovações nesse período. Se as discussões abordarem melhor essa preocupação, não apenas manteremos nosso otimismo com a aprovação, mas também com um ambiente de negócios melhor nos próximos anos”, finalizam.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.