Ambev perde R$ 20,7 bilhões de valor após balanço: o que decepcionou tanto (e o que esperar para 2020)

Expectativa era de números modestos em meio ao cenário concorrencial, mas algumas linhas do balanço vieram ainda piores; guidance também não agradou

Lara Rizério

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SÃO PAULO – O resultado do quarto trimestre de 2019 era esperado com ansiedade pelos investidores da Ambev (ABEV3), em meio aos sinais de que a companhia, apesar do aumento de volume das vendas, poderia perder espaço e rentabilidade em meio ao aumento da concorrência e com o cenário macroeconômico ainda desafiador.

Os números divulgados nesta quinta-feira (27) trouxeram algumas respostas para os investidores sobre o ambiente para a companhia, a maior parte delas não muito agradáveis: os dados revelados não animaram, fazendo com que as ações chegassem a cair 9,73% na mínima da sessão e fechando em baixa de 8,34%, a R$ 14,50. Em termos de valor de mercado, a empresa perdeu R$ 20,77 bilhões na bolsa em apenas um pregão, passando de R$ 248,9 bilhões de valor de mercado para R$ 228,136 bilhões.

À primeira vista, os dados poderiam se apresentar como positivos. A Ambev registrou lucro líquido atribuído ao controlador de R$ 4,099 bilhões no quarto trimestre de 2019, alta de 22% em relação ao mesmo período do ano anterior. No acumulado do ano de 2019, o montante foi de R$ 11,780 bilhões, número 7,13% maior do que em 2018.

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Contudo, o lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações (Ebitda) ajustado de R$ 6,925 bilhões no quarto trimestre, teve queda de 9% na base de comparação anual, ficando abaixo do esperado pelo mercado. A margem Ebitda foi a menor nos últimos quinze anos para o quarto trimestre, passando de 47,6% nos últimos três meses de 2018 para 43,6% neste ano.

Enquanto isso, no quarto trimestre de 2019, o volume total de vendas (cerveja + não alcoólicos) cresceu em 4,7% na base de comparação anual, para 31,4 milhões de hectolitros, com queda de 1,8% na receita por hectolitro, elevando as preocupações com a rentabilidade. Em cerveja, o volume de vendas aumentou em 1,4% para 23,6 milhões de hectolitros, na faixa mais baixa do consenso do mercado, que esperava crescimento entre 1% e 3%.

A receita líquida da venda de cerveja cresceu 1,2% e atingiu R$ 7,6 bilhões, e a receita por hectolitro decresceu ligeiramente em 0,2%. No segmento de bebidas não alcoólicas, o volume de venda cresceu 16% no trimestre, com alta de 13% na receita líquida.

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O grande destaque negativo ficou para o segmento de vendas de cerveja no Brasil. Além do aumento do volume de apenas 1,4%, o Ebitda do segmento caiu 13% em relação ao ano passado, para R$ 3,4 bilhões.

O Bradesco BBI destacou que a Ambev reportou um Ebitda 2% abaixo do consenso do mercado para o quarto trimestre de 2019. “Os resultados do quarto trimestre mostram que a Ambev praticou descontos no Brasil e eles foram maiores do que esperávamos”, avaliaram os analistas do banco. No começo de fevereiro, os analistas do banco já haviam destacado, através de um “rastreador de preços” em grandes varejistas, que a companhia teria aplicado descontos em outubro de 2019, sugerindo que os preços poderiam frustrar as expectativas do mercado. Os preços, deste modo, frustrando as estimativas já baixas dos analistas.

Na ocasião, o banco destacou que os preços mais baixos ocorreriam no contexto de i) período prolongado de preços mais baixos da Heineken, sendo que a empresa elevou os preços posteriormente e ii) um mercado brasileiro ainda desafiador em termos de crescimento de volume. As preocupações se estenderiam, apontou o Bradesco BBI, uma vez que tanto a Heineken quanto a Petropólis podem aumentar a sua capacidade de produção a partir do segundo semestre de 2020, mantendo os preços pressionados.

Ao comentar os resultados do quarto trimestre, Betina Roxo, analista da XP Investimentos, também destacou: “tal resultado abaixo do esperado pode manter as ações pressionadas, já que o ambiente competitivo continua sendo uma das principais preocupações do setor”.

Em entrevista ao InfoMoney, Fernando Tennenbaum, vice-presidente financeiro e de relações com investidores, apontou que o mercado brasileiro sempre foi concorrido, mas que os ajustes de preços do trimestre ocorreram principalmente em um contexto macroeconômico ainda desafiador no Brasil.

Saudando o aumento da receita total em 2019, Tennebaum também destacou o crescimento do volume de vendas de cerveja, avaliando que a pressão de custos ocorreu por conta da alta da matéria-prima e por conta da pressão cambial. O cenário de pressões de custos, por sinal, deve continuar afetando os números da companhia em 2020, um dos motivos para os investidores ficarem pessimistas com os ativos após a divulgação do balanço.

O segmento de cerveja no Brasil deve continuar pressionado, uma vez que a taxa média de hedge cambial para 2020 passou de R$ 3,61 por dólar em 2019 para R$ 3,96 por dólar em 2020, embora em menor proporção do que no ano passado devido aos menores preços das commodities.

A companhia espera retomar o crescimento do Ebitda, mas a maior pressão de custos deve ser enfrentada no primeiro trimestre de 2020. Em meio aos investimentos em vendas e marketing mais concentrados no início do ano, isso deve gerar uma redução do Ebitda de cerveja Brasil entre 17% e 20% nos três primeiros meses do ano.

Contudo, ao longo do ano, a Ambev espera melhorar gradualmente seu resultado, à medida que o custo dos produtos vendidos diminui e as despesas de vendas e marketing gradualmente se normalizam.

Porém, enquanto o executivo espera por uma recuperação econômica no Brasil, um fator de preocupação dos investidores reside no impacto do coronavírus para a atividade nacional, mais um problema em meio às revisões já baixistas para o PIB.

A AB Inbev, controladora da Ambev e que também divulgou os seus resultados nesta quinta-feira, alertou que perdeu US$ 170 milhões em lucro nos primeiros dois meses de 2020 por causa dos efeitos da epidemia de coronavírus, além de uma perda de receita de US$ 285 milhões. Tennenbaum, contudo, apontou ser difícil fazer uma previsão no momento sobre o impacto da Covid-19 para as vendas da Ambev no Brasil, que teve o seu primeiro caso confirmado da doença nesta semana.

Pontos positivos, mas desafios são grandes…

Nem tudo foi negativo no quarto trimestre para a companhia. Como destaques positivos, o Itaú BBA indicou o crescimento de 16% nas vendas das bebidas não alcoólicas da companhia no Brasil. Sobre o segmento, a XP Investimentos apontou que o volume superou a estimativa da casa, de 7%, mas que os preços médios ficaram 10% abaixo do esperado. Em 2019, os volumes da Ambev aumentaram 11%, enquanto o setor cresceu 2,7%, segundo a Nielsen.

Já o Ebitda de R$ 603 milhões ficou acima dos R$ 482 milhões esperados pela XP e a margem Ebitda subiu para 45,3%, contra 33,7% no ano passado e da estimativa de 35,4%, uma vez que o custo dos produtos vendidos declinou 7,1%. Isso embora as despesas gerais e administrativas tenham aumentado com maiores despesas de distribuição relacionadas ao crescimento de volume e investimentos de marca.

A Ambev ressaltou que, em 2020, a empresa continuará investindo na expansão do premium e em inovações de saúde e bem-estar para continuar gerando um crescimento saudável da receita, como a expansão de refrigerantes sem conservantes, além de destacar o bom desempenho da marca “suco do bem”.

Os resultados da América Latina Sul, ou LAS, que inclui as operações na Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Chile,  foram positivos, com Ebitda acima do esperado pela XP principalmente devido a preços mais altos compensando volumes abaixo do esperado. Anualmente, os volumes ficaram praticamente estáveis devido às tensões sociais na Bolívia e no Chile, que afetaram as receitas da empresa. A companhia, por sua vez, enxerga melhora nas tendências para a receita em 2020, apesar de o cenário macroeconômico na Argentina permanecer volátil, enquanto as pressões sobre o custo se mantêm, devido à taxa de câmbio e a pressões inflacionárias.

Em meio à maior concorrência no segmento de cervejas, a Ambev também procura ampliar a sua participação em outros segmentos do mercado de bebidas. Uma grande aposta foi o aumento das opções da família Skol Beats que contemplam uma série de bebidas alcoólicas mistas. No início deste ano, a Ambev incluiu na gama de produtos a nova tendência de drinks prontos em lata, com destaque para a Skol Beats GT, baseado na combinação entre gin e tônica.

Tennenbaum destacou o sucesso da bebida durante o Carnaval, apontando que cada vez mais é importante ter um portfólio focado no consumidor e nas ocasiões específicas de consumo para cada uma delas. “Continuaremos investindo e cada vez mais focados na necessidade do consumidor”, apontou o executivo.

Apesar das expectativas da companhia de que os números devam melhorar ao longo de 2020, a percepção do mercado é de um ambiente cada vez mais competitivo, o que deve levar a mais promoções e pressão de margens. Com isso, de 18 casas de análise que cobrem o papel, 11 recomendam manutenção, 2 venda e 5 apenas recomendam compra para os ativos. As expectativas de um ambiente desafiador para este ano segundo a própria companhia e as revisões para baixo da economia global com o coronavírus levam ainda a um cenário de forte cautela para os investidores da empresa.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.