Ambev: recuperação ou concorrência avançando ainda mais? Balanço do 4º tri trará resposta para acionistas

Expectativa no início do ano era de melhora nos números da líder brasileira do mercado de cervejas, mas últimos dados colocaram cenário em xeque

Lara Rizério

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SÃO PAULO – O Carnaval costuma ser uma data positiva para as fabricantes de bebidas alcoólicas. Porém, os investidores da líder do setor no Brasil estarão de olho num evento que vai acontecer logo após a folia, mais precisamente na quinta-feira, 27 de fevereiro. Afinal, antes da abertura dos mercados, a Ambev (ABEV3) revelará os seus números referentes ao quarto trimestre de 2019 e também em relação ao ano como um todo.

Após números considerados bastante negativos no terceiro trimestre de 2019, com destaque para a forte queda do volume de vendas de cerveja no Brasil, de 2,8% na base anual, a expectativa dos analistas, como do Credit Suisse e do Itaú BBA, era de certa recuperação nos números. Isso tanto por conta do período sazonalmente mais forte quanto pelo aumento de preços da concorrente Heineken podendo favorecer as vendas da Ambev.

“A nossa expectativa para venda de volume de cerveja no quarto trimestre está perto de 2,5% de crescimento na base de comparação anual, enquanto as indicações são de que os competidores seguiram os passos da Ambev com relação a aumento de preço”, destacou o Credit em relatório de prévia para a companhia datado de meados de janeiro.

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Para o segmento de não-alcoólicos no Brasil, a expectativa apontava para um crescimento de 5,5% e 6% anual de volume e receita por hectolitro respectivamente, mantendo os níveis vistos nos trimestres anteriores.

Nos outros segmentos, América Latina e o Canadá ainda deveriam apresentar números fracos, agravado pela piora da economia na Argentina, mas a América Central continuaria reportando resultados fortes.

Porém, no último mês, alguns dados mostraram que o resultado da Ambev poderia não seguir a tendência de recuperação como se apontava no início do ano. O primeiro deles foi revelado pela empresa de inteligência de mercado Nielsen, que apontou que a Ambev teve uma perda de 2,3 pontos percentuais da sua participação de mercado de cerveja (para 59,4%) ao longo de 2019, enquanto Heineken, o Grupo Petropólis e marcas independentes angariaram esse percentual.

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Cerca de uma semana depois, foram divulgados os números da Heineken, que animaram os investidores da empresa holandesa. No quarto trimestre de 2019, o volume consolidado de vendas de cerveja pela Heineken subiu 4,1% no mundo, alta atribuída aos crescimentos de dois dígitos em Brasil, Vietnã e Camboja.

Com o avanço, o Brasil se tornou o país com o maior mercado da marca Heineken (que não inclui os demais produtos) no mundo todo, apesar de não ter sido revelado números específicos sobre a operação no país. Após a divulgação dos números, ficou praticamente confirmado que o ambiente para a Ambev do final do ano passado era ainda mais desafiador do que parecia à primeira vista.

Ao falar dos números da Heineken, Betina Roxo, analista da XP Investimentos, destacou: “os volumes surpreendentemente fortes da Heineken corroboram o cenário competitivo desafiador e por isso, temos uma leitura negativa para Ambev”.

Ricardo Alves, analista do Morgan Stanley, escreveu em relatório que os números da Heineken corroboram a visão de que a Ambev perdeu participação de mercado no quarto trimestre de 2019. “Baseado em nossas recentes conversas com agentes do mercado estamos surpresos em ver o principal concorrente da Ambev elevando volumes em dois dígitos no Brasil. Vale lembrar que esperamos que os volumes da Ambev cresçam em um dígito baixo no mesmo período”, destaca.

Mas, antes mesmo desses números virem à tona, o Bradesco BBI já havia jogado um balde de água fria nos investidores mais otimistas com os números da companhia – não só em relação a volumes, mas também em relação a preços. “Nosso ‘rastreador de preços’ indica que a Ambev aplicou descontos em outubro de 2019, sugerindo que os preços podem frustrar as expectativas do mercado, crescendo abaixo da inflação no quarto trimestre de 2019”, avaliam os analistas do banco.

A equipe de análise reuniu dados para os preços de cerveja de seis grandes varejistas no Brasil desde julho de 2018 (os supermercados representam cerca de 40% dos volumes de cerveja no país) e notou que, depois que a Ambev aplicou seu cronograma de aumento de preço no terceiro trimestre de 2019, o preço médio ponderado semanal acabou recuando no início de outubro.

“Em nossa opinião, esses descontos ocorreram no contexto de: i) período prolongado de preços mais baixos da Heineken, sendo que a empresa elevou os preços posteriormente e ii) um mercado brasileiro ainda desafiador em termos de crescimento de volume”, avaliam os analistas.

Eles observam uma tendência positiva nos preços da Heineken desde o fim de outubro. Contudo, estão atentos aos impactos da remoção dos gargalos de produção da Heineken mais para frente, especificamente em junho de 2020, mais que duplicando a capacidade das marcas Heineken, Amstel e Eisenbahn.

“Além disso, o Grupo Petrópolis poderá abrir uma planta considerável em julho de 2020 e expandir sua capacidade no Nordeste. Como consequência deste aumento de capacidade dos concorrentes, estamos preocupados com a possibilidade dos preços serem mais pressionados”, aponta o banco.

Assim, os analistas possuem uma postura mais conservadora sobre os preços na comparação com o mercado, assumindo que os valores colocados pela Ambev podem ter subido abaixo da inflação em meio aos desafios competitivos. Com isso, a estimativa é de um crescimento da receita para o segmento de cerveja no Brasil para alta de 4,5% na base anual no quarto trimestre de 2019 versus expectativa de alta de 7% anteriormente.

Os desafios devem continuar em 2020, com os analistas assumindo que os preços crescerão abaixo da inflação, enquanto mantêm a previsão de crescimento de volume em 2%. A recomendação é neutra baseada em três fatores: i) preocupações com a concorrência da Heineken e Petrópolis, ii) uma mudança na embalagem que, apesar de bem-vinda em termos de inovação, deve pressionar as margens da Ambev e iii) o valuation, que não é particularmente atraente, já que a ação ABEV3 está sendo negociada com múltiplo preço sobre o lucro próximo à sua média histórica.

Em meio ao desafio da grande concorrência, o Credit Suisse elaborou um estudo justamente explorando a possibilidade da Ambev abrir mão da rentabilidade no curto prazo, com o intuito de recuperar os volumes, em uma estratégia de forma bem-sucedida e já aplicada no México pela controladora AB Inbev. Isso porque a estratégia apresentou por lá uma combinação perfeita de elevação do consumo de cerveja per capita, aumento da participação global no mercado e ganhos de participação de mercado dentro do setor – algo que poderia se repetir também aqui no Brasil.

A companhia poderá dar mais sinais se essa estratégia é uma boa opção durante teleconferência com analistas de mercado, que acontecerá durante a tarde da quinta-feira. Enquanto isso, o Carnaval poderá ser de tensão para os acionistas da empresa, já que os últimos dados apresentados mostraram que o cenário é ainda mais difícil do que se estava observando no início do ano.

Confira o que esperar para a Ambev no quarto trimestre, segundo consenso Bloomberg: 

Dados da Ambev (em R$ milhões)  4T18 4T19E 4T19E/4T18
Lucro líquido ajustado 3.720 4.045 +8,7%
Ebitda ajustado 7.470 7.043 -5,7%
Margem Ebitda 46,6% 43,5% -3,1%
Receita líquida  16.020 16.179 +1,0%

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.