Problemas no cenário-base: veja os erros e acertos nas projeções para 2010

Analistas estavam pessimistas demais com o Brasil e otimistas demais com a bolsa; entre as apostas certas estão Vale e China

Giulia Santos Camillo

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SÃO PAULO – Os investidores experientes já sabem – e os demais foram alertados diversas vezes – que as projeções dos analistas não devem ser tratadas como previsões do futuro. Dependendo de uma série de premissas, os números finais são meros resultados; o que importa é o cenário que os especialistas traçaram para chegar a eles. Mas e quando a base se prova errada?

Foi fundamentalmente isso que aconteceu em 2010. Sem projeções esdrúxulas como em 2009, sem previsões de que a bolsa quebraria ou que chegaria a 200 mil pontos, este ano teve dois erros importantes nos cenários de referência de grande parte dos analistas: expectativas muito baixas em relação à economia e muito altas em relação à bolsa.

Ibovespa a mais de 80 mil pontos
Depois da alta surpreendente do Ibovespa no ano passado, 2010 começou com otimismo. A InfoMoney coletou as projeções de Bradesco BBI, Citigroup, JPMorgan, Safra, Itaú BBA, Link Investimentos, Planner, Fator, Ativa, Gradual, LCA Consultores, Banco Pine e TOV entre dezembro de 2009 e janeiro deste ano, atingindo uma mediana de 82 mil pontos como preço-alvo do Ibovespa para dezembro. Até mesmo a maioria dos leitores da InfoMoney, influenciados ou não pelas projeções, acreditava que o Ibovespa fecharia o ano acima dos 80 mil pontos.

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Fazendo um novo levantamento no final do primeiro semestre, dessa vez com 17 instituições, a mediana das projeções para dezembro permaneceu em 82 mil pontos. Isso significaria uma alta de 20% em relação a 2009, uma diferença gritante em relação ao desempenho acumulado até o último fechamento, de -0,17%.

Na época, contudo, a dúvida de que a bolsa atingisse realmente o patamar esperado já aparecia. “Traçamos quanto vale, mas não que achemos que vai terminar nesse nível, porque o mercado pode precificar ou não, dependendo das notícias”, explicou Kelly Trentin, da Spinelli Corretora, à InfoMoney.

Desde o início do segundo trimestre houve algumas correções nas projeções – Link, Gradual, Interbolsa e Geral Investimentos estão entre os que revisaram as previsões para em torno de 74 mil pontos – mas nada que apontasse um fim de ano tão insosso. No geral, a expectativa ainda era de que houvesse um rali de fim de ano. Algo que, pelo menos até agora – faltando quatro pregões para o fim de 2010 – não aconteceu.

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Petrobras e Usiminas: os micos do ano
As expectativas para o mercado foram exageradas talvez por perspectivas otimistas demais em relação a duas blue chips brasileiras, com grande peso no Ibovespa: Petrobras (PETR3, PETR4) e Usiminas (USIM3, USIM5). Somando os pesos dos papéis ordinários e preferenciais e tendo como referência a carteira do índice vigente neste quadrimestre, a estatal possui 12,3% de participação, enquanto a siderúrgica tem 3,3%.

Começando pela petrolífera, que estava entre as três empresas mais recomendadas para 2010 e que, surpreendendo negativamente, acumula quedas de 29,44% e 27,70% nas ações ordinárias e preferenciais, considerando o fechamento do dia 22 de dezembro. Contudo, os investidores devem lembrar que o otimismo inicial não perdurou durante todo o ano, com as recomendações e projeções para a Petrobras sofrendo seguidos cortes antes e depois do processo de capitalização.

Os erros nas projeções incluem também esta operação. Quem lesse os relatórios da MCM Consultores de que um barril acima de US$ 7 inviabilizaria a capitalização ou as projeções do Itaú BBA (barril entre US$ 6 e US$ 7) e do JPMorgan (barril entre US$ 4 e US$ 5), não imaginaria que a precificação média final seria de US$ 8,51 por barril, variando entre US$ 5,82 (no campo Iara) e US$ 9,04 (no campo Franco, que tem a maior quantidade de barris).

Já em relação à Usiminas, a tão esperada recuperação ainda não chegou. Os papéis da siderúrgica acumulam desvalorizações de 14,21% e 21,55% entre janeiro e 22 de dezembro, bem diferente da alta preconizada por diversos analistas, incluindo a equipe do Bank of America Merrill Lynch e Itaú BBA, que indicava a empresa como top pick do setor em janeiro deste ano. Mas assim como ocorreu com a Petrobras, durante o ano as opiniões sobre a empresa foram mudando para pior.

Aliás, o otimismo não era apenas em relação à Usiminas. Todo o setor de siderurgia, na opinião de boa parte dos analistas ao final de 2009, mostraria recuperação neste ano. A realidade, entretanto, foi outra, como mostram os desempenhos negativos acumulados no ano por Gerdau (GGBR4), Metalúrgica Gerdau (GOAU4) e CSN (CSNA3): -18,74%, -19,69% e -0,66%, respectivamente.

Outro setor que surpreendeu foi o de varejo. Enquanto boa parte dos analistas mantinha a visão positiva, mas via os drivers já precificados, os papéis tiveram um ano atribulado. As ações do segmento de vestuário tiveram forte alta, com destaque, no índice, para Lojas Renner (LREN3), que sobe 47,57% no ano, desapontando a recomendação underperform (performance abaixo da média do mercado) dada pelo Credit Suisse no final de 2009 e em linha com a recomendação da Link de outperform. 

Já a B2W (BTOW3) está entre as maiores quedas do Ibovespa, enquanto começou o ano com sugestões marketperform (performance em linha com a média do mercado) da Link e do Itaú BBA. O mesmo vale para a Souza Cruz (CRUZ3), maior alta do Ibovespa com valorização de 65,64% no ano e que tinha recomendação de venda de todos os analistas consultados pela InfoMoney no final de 2009.

Vale, BR Foods e Itaúsa: os acertos
Por outro lado, em um ano de desempenho pífio do Ibovespa, os analistas também acertaram. Dentre as principais recomendações para 2010 também estavam Vale (VALE3, VALE5), BR Foods (BRFS3) e Itaúsa (ITSA4), que registram até agora performances bem superiores ao índice. Os papéis ordinários e preferenciais da mineradora sobem 17,24% e 21,46%, enquanto as ações da outras duas avançam 21,03% e 12,92%, respectivamente.

PIB não cresce mais que 4,5% + inflação estável
Deixando o otimismo frustrado em relação ao mercado acionário, outro erro no cenário-base de boa parte dos analistas tem a ver com o crescimento da economia brasileira e com a alta nos preços – ambos subestimados pelos especialistas. O notório pessimista Nouriel Roubini encerrou 2009 afirmando que o Brasil não cresceria mais do que 4,5% se não houvesse mudanças estruturais na educação e na infraestrutura. Embora os gargalos continuem ameaçando a expansão econômica, o fato é que o País registrou no terceiro trimestre um crescimento anual acumulado de 8,4%, com o último Relatório de Inflação do Banco Central estimando uma alta de 7,3% no PIB nacional no ano fechado.

Mas não foi somente Roubini que subestimou a economia brasileira: entre o final de 2009 e o início de 2010, boa parte dos analistas estimava avanços entre 4,8% e 6%, intervalo no qual também se encontrava a estimativa do Governo. O relatório Focus mostra bem a mudança nas expectativas ao longo do ano. No primeiro documento divulgado em 2010, a mediana das projeções apontava crescimento de 5,2% no PIB; no primeiro relatório do segundo semestre, marcando 16 semanas seguidas de alta, as estimativas já apontavam avanço de 7,20%; nas estimativas mais recentes a alta esperada é de 7,61%.

O cenário para os preços também não contemplava a forte pressão vista no segundo semestre deste ano. Inflação controlada e taxa Selic estável em 8,75% ao ano eram a aposta do BofA ML e da CNI (Confederação Nacional da Indústria) em dezembro de 2009. Nesse ponto, destaque para a equipe do Safra que, ainda no final do ano passado, previu a Selic a 10,75% ao ano em 2010.

Ao longo do ano, as expectativas, especialmente para o juro básico brasileiro, aumentaram. Em janeiro, o Citi divulgou a expectativa de que a Selic terminasse o ano a 12,25% a.a.; em fevereiro, o Itaú esperava inflação de 4,8% e juros a 11,50% ao ano; em abril, o Banif previu a taxa em 13% a.a.

Ao mesmo tempo, as expectativas mostradas pelo relatório Focus também se deterioravam. Se no primeiro relatório de 2010, a mediana das projeções para o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) apontava uma alta de 4,50%, em julho a alta já era de 5,55% e nesta semana, após 14 elevações consecutivas, o avanço esperado é de 5,88%.

Nesse ponto, embora os dados do ano ainda não tenham sido divulgados, vale ressaltar que o Relatório de Inflação do Banco Central considera como cenário de referência uma alta de 5,9% nos preços neste ano, mais perto do teto (6,5%) do que do centro (4,5%) da meta do CMN (Conselho Monetário Nacional).

Dólar forte em 2010. Será?
Dentre os erros compartilhados por boa parte dos analistas estava a ideia de um dólar mais forte neste ano. Segundo o Morgan Stanley, a moeda norte-americana se recuperaria frente às divisas internacionais com a retirada da liquidez do mercado diante da recuperação econômica.

Nesse cenário, Itaú e MCM viam, em fevereiro e abril, o câmbio brasileiro terminar o ano a R$ 1,80, enquanto o BTG projetava, em julho, que o real se enfraqueceria para R$ 1,82. Já em agosto, a NGO previu que, passados os efeitos da capitalização da Petrobras, a taxa de câmbio deveria voltar a subir, com o dólar terminando 2010 próximo do patamar de R$ 2,00.

Diante da insistência do fortalecimento do real, a MCM optou, em outubro, por reduzir a expectativa para o câmbio neste ano para R$ 1,70, patamar próximo ao fechamento do dia 22, quando a moeda norte-americana era cotada a R$ 1,697 na venda.

A recuperação (não) sustentável dos EUA
Não foi apenas no plano doméstico que as projeções de base estavam erradas. A comunidade econômica de maneira geral iniciou 2010 acreditando na recuperação sustentável dos Estados Unidos, o que foi, inclusive, matéria de um relatório do Bank of America Merrill Lynch no começo de janeiro. Em dezembro de 2009 o Citi previra também que 2010 seria melhor do que o esperado para os Estados Unidos – projeção que não se concretizou.

As expectativas de queda do desemprego e de uma alta do Dow Jones a 13 mil pontos também foram frustradas, enquanto a taxa de desocupados nos Estados Unidos terminou novembro a 9,8%, alta frente à taxa do mês anterior, de 9,6%. O Dow Jones, por sua vez, fechou o último pregão a 11.559 pontos. Do lado dos acertos está a previsão de que o S&P 500 chegaria a 1.200 pontos no final do ano, feita pelo Goldman Sachs em agosto; o índice não fechou longe disso no último pregão, cotado a 1.259 pontos.

Ainda em relação à maior economia do mundo, uma outra falha nas projeções chama a atenção: a expectativa de que a estratégia de retirada começaria ainda neste ano. O Barclays Capital chegou inclusive a prever a Fed Funds Rate a 1% ao ano – fato que não foi seriamente considerado pelo Fomc (Federal Open Market Committee), que manteve durante todo o ano a declaração de que as taxas de juros permaneceriam em patamares extraordinariamente baixos por um longo período de tempo.

Aliás, ao invés de retirar os estímulos, os Estados Unidos aumentaram ainda mais os programas de liquidez, prevendo jogar mais US$ 600 bilhões na economia no chamado QE2, ou a segunda rodada de flexibilização quantitativa. Se poucos esperavam essa medida no início do ano, quando ficou claro que o Fed adotaria novos estímulos, as expectativas inicialmente eram de que o pacote chegasse a US$ 1 trilhão.

Crise europeia, PIIGS, contágio
Há diversos outros erros e acertos em relação à economia internacional. Do lado dos acertos destacam-se a impressão da importância dos BRICs e particularmente da China para a recuperação da economia mundial, a aposta do Morgan Stanley de que o risco soberano ficaria em foco, os comentários do FMI (Fundo Monetário Internacional) de que a economia global não estava fora de perigo e que o desemprego continuaria em alta, além da projeção da EIU (Economist Intelligence Unit) de que o crescimento global iria diminuir no segundo semestre de 2010.

Dentre os erros, a previsão da Pimco de que o rating do Reino Unido seria cortado, as projeções de que a economia global teria uma recuperação sustentável e a constante procura pelos próximos PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), que desconsiderava países como Bélgica e Hungria, que tiveram problemas fiscais neste ano.

No geral, entra ano e sai ano, os analistas atualizam suas projeções, tentando traçar perspectivas sobre algo imprevisível como a economia e o mercado acionário; para o investidor, é importante acompanhar o histórico de erros e acertos dos analistas que mais segue. Poucos são, contudo, os que fazem balanços sobre suas projeções. Fica o exemplo de Bob Doll, da BlackRock, que publica um relatório aberto sobre seus melhores e piores resultados.