Problema nos EUA é muito grande para ser endereçado sem recessão, avalia gestor do Asa Hedge, que projeta juro a 6%

Em participação no Macro Pickers, Márcio Fontes destacou que recessão, ainda que não seja iminente, será difícil de ser evitada

Equipe InfoMoney

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Uma recessão forte nos EUA, ainda que não iminente, está cada vez mais no radar dos mercados em meio à necessidade de endereçar a forte alta da inflação com o mercado de trabalho apertado e após os altos gastos do governo na maior economia do mundo para fazer frente à pandemia.

Desta forma, o cenário de soft landing (ou ‘aterrisagem suave’ e gradual) da atividade não deve ocorrer por lá, conforme destacou Márcio Fontes, gestor do ASA Hedge, durante participação no Macro Pickers (veja na íntegra pelo link acima), às vésperas de uma decisão bastante importante do Federal Reserve.

Nos últimos dias, o mercado passou a precificar que o Fed elevará os juros em 0,75 ponto na reunião que será concluída na tarde desta quarta-feira (15), passando assim de uma banda de 0,75% a 1% para 1,5% a 1,75%. Entre os grandes bancos que revisaram suas projeções, está o Goldman Sachs que, contudo, manteve a projeção de alta terminal dos juros para 3,25% a 3,50%.

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Porém, para Fontes, os juros devem ir muito além disso para controlar a inflação, o que deve também causar o cenário de recessão nos EUA.  “Não vai haver soft landing, o problema é muito grande para que se enderece sem causar uma recessão. Muito provavelmente vamos assistir a uma recessão”, aponta o especialista.

O gestor argumenta que, levando em conta a teoria econômica, a situação aponta que o Fed tem que elevar os juros bem acima do patamar neutro (patamar que não contrai e que nem estimula a atividade), que atualmente seria em torno de 2,5%. “Vai ter mais inflação, mais do que a gente está achando, porque o dinheiro [vindo dos estímulos econômicos por conta da pandemia e do quantitative easing] não virou pó ainda. Assim, tudo leva a crer que os juros estão mais na ordem de 6% [terminais] do que na casa dos 4% [que o mercado está atualmente precificando]”, avalia Fontes.

Fontes destaca a curva de Phillips, que representa uma relação de trade-off (escolha) entre inflação e desemprego, que permite analisar a relação entre ambos, para explicar o impacto de trazer a inflação para a meta e seus efeitos no mercado de trabalho.

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“Vamos dizer que a inflação americana no seu núcleo, já excluindo esses efeitos que consideram mais transitórios, está correndo algo em torno de 4% e a meta é 2% (…). Para trazer o indicador para meta, tem que fazer uma virada no desemprego da ordem de 8 pontos. Hoje a taxa de desemprego está 3,5%, 3,6%, teria que ir para 11,5%”.  aponta.

Essa alta do desemprego está associada a uma queda do PIB com o tempo, que pode ser feita ao longo dos anos, mas não em tantos, levando a um crescimento bem menor do que o potencial, em sua base, de até 16 pontos. “Não há como arquitetar um plano de retrair o PIB em 8 ou 16 pontos [isso considerando cenários bastante diversos para a intensidade de contração econômica] em três ou quatro anos sem causar uma recessão”, avalia.

Ao levar em conta que o Fed tem um mandato “dual”, ou seja, deve considerar tanto inflação quanto desemprego, o gestor destaca que até recentemente a autoridade monetária americana tinha sido bem sucedida. Mas, neste momento, o balanço de riscos pende totalmente para dar mais atenção à inflação, uma vez que a taxa de desemprego está em 3,6% (último dado de maio) e ainda caindo.

“O mercado de trabalho está num recorde histórico em relação ao número de vagas e pessoas disponíveis, de cerca de duas vagas para cada pessoa podendo preencher. O gap (diferencial) no mercado de trabalho lidera o núcleo da inflação por conta do salário”, aponta, destacando que, por mais que haja um dilema com o aumento do desemprego, no momento não há discussão e o Fed deve endereçar mais a sua política para conter os preços. “Uma coisa está muito boa [emprego] e outra está horrorosa [inflação]”, ressalta.

Cenário mudou, juro neutro também?

Atualmente, aponta Fontes, a curva de juros nos EUA precifica um cenário de taxas a 4%, cerca de 1,5 ponto acima do neutro, após muito tempo em que, na avaliação do gestor, o mercado colocou as taxas em linha com o neutro (de 2,5%). “Aquilo estava errado porque não se controla a inflação sem colocar a taxa de juros acima da neutra (…). É como achar que poderia eventualmente controlar a inflação num passe de mágica”, aponta.

O gestor avalia que havia um costume de olhar o ambiente macroeconômico global no contexto em que ganhos de produtividade, integração das cadeias de produção, globalização, poupança dos governos e das famílias preponderavam, levando a um processo inflacionário menos intenso.

Contudo, o cenário mudou. “O mundo está passando por um processo de desglobalização, os governos estão gastando mais com infraestrutura social, armamento bélico, sobretudo com ESG [sigla em inglês para denominar as melhores práticas ambientais, sociais e de governança corporativa – ou ASG, em português]. Aquela curva em que as pessoas estavam percebendo de aumento da expectativa de vida, elevando a poupança, também passou. O processo em si não era de envelhecimento populacional, uma vez que pessoas mais velhas gastam mais. Agora outros fatores estão afetando o cenário, como a população economicamente ativa chinesa chegando num ápice e estando menos integrada ao mundo. Assim, fatores estruturais que contribuíam para uma inflação baixa não estão mais presentes”, avalia.

Desta forma, o que era uma referência no passado, o juro neutro pode ter mudado. “Antes o neutro estava caindo e [os bancos centrais] tinham que eventualmente ir abaixo dele para não ter deflação. Agora, mudou radicalmente o problema e [os agentes de mercado] estão se dando conta aos poucos disso. Um juro de 1,5 ponto acima do neutro controla uma inflação que está 2,5 pontos acima da meta? Diria que não, é uma relação meio que universal”, aponta, o que justifica um juro mais alto ainda do que o mercado está precificando. “Há um enorme trabalho para ser feito”, reforça o gestor.

Neste ambiente, o mercado de ações também é fortemente afetado. “A bolsa é um fluxo de caixa descontado. O que diz o quanto é descontado, além das  premissas, são os juros, que são a grande régua do valor de qualquer ativo financeiro. Se os juros sobem, vários ativos vão perder, uma vez que o valor presente cai, tudo mais constante. O lucro também não vai subir lucro porque acabou de fazer um pico de crescimento, é daí para baixo”, avalia.

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