Por risco fiscal e incertezas, XP reduz projeção para o Ibovespa ao final de 2023 de 135 mil pontos para 125 mil

Maiores gastos do governo tendem a pressionar curva de juros, tirar capital da renda da fixa e piorar balanço das companhias

Vitor Azevedo

(NatanaelGinting/Getty Images)

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Após a eleição de Lula (PT), o mercado vem tentando entender como o petista irá se portar nos âmbitos fiscal e econômico durante o seu terceiro mandato, que começa no próximo mês. Por enquanto, boa parte dos especialistas vem jogando sua expectativa para a economia e para os ativos do país para baixo.

Em relatório em que também comenta o movimento do mercado no último mês, a XP Investimentos diminuiu a projeção do Ibovespa para o fim de 2023 de 135 mil para 125 mil pontos – patamar 11,1% maior do que os 112.486 pontos do fechamento desta quarta-feira (30).

Os estrategistas apontam que, apesar de verem um bom valor e potencial de alta, continuam com uma visão mais cautelosa para as ações brasileiras em 2023, devido aos riscos globais e domésticos. Globalmente, os riscos de recessão permanecem altos, com potencial para novas revisões de ganhos. No Brasil, há mais sinais negativos em relação à política fiscal e economia vindos do novo governo eleito, avaliam.

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Em novembro, destacam os estrategistas, a Bolsa brasileira, câmbio e a curva de juros foram pressionados pelo aumento de riscos fiscais. “O mercado continua preocupado com as seguintes questões: quem fará parte da equipe econômica do novo governo eleito e qual será a agenda fiscal, principalmente, em relação ao teto de gastos”, explicam Fernando Ferreira, Jennie Li e Rebecca Nossig, que assinam o relatório.

No décimo primeiro mês de 2022, o principal índice dos Estados Unidos, o S&P 500, avançou 5,4%, mas o do Brasil caiu 3,1% em reais e 4,6% em dólares. O real, por sua vez, caiu 0,3% frente ao dólar e foi a única moeda do mundo com desempenho negativo.

A PEC da Transição, ou “PEC do Estouro”, é destaque quando o assunto são contas públicas e deixa investidores temerosos de que o Governo Federal possa, no futuro, ter dificuldades de arcar com seus compromissos financeiros. Isso tende a elevar a curva de juros do país para cima, com quem aporta em títulos do governo pedindo mais prêmios por conta do risco maior de calote, e acaba gerando uma série de reflexos em vários pontos da economia.

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Ao mesmo tempo, a possibilidade do anúncio de uma equipe econômica desenvolvimentista, com o discurso de que o crescimento econômico tem de ser impulsionado pela União, vai no mesmo sentido.

“O risco de desequilíbrio fiscal daqui pra frente tem estressado a curva de juros, com taxas maiores sendo precificadas ao longo de toda a curva. Como resultado, o mercado já removeu projeções de que a taxa Selic será cortada no ano que vem, como projetado um mês atrás”, dizem Ferreira, Li e Nossig.

O time da corretora pontua que juros maiores estão historicamente ligados a retornos menores na Bolsa brasileira – desde 2000, houve 7 ciclos de alta de juros e, na média, o Ibovespa caiu 3,1% em períodos em que a Selic subiu.

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Cenários de taxas mais altas geralmente normalmente levam a uma retirada de capital dos ativos de risco, com investidores preferindo aportar na renda fixa, que nessa ocasião paga prêmios maiores.

Ainda nesta frente, os juros a níveis mais altos costumam impactar os balanços das companhias do país listadas na B3, que tendem a gastar mais com dívidas emitidas e que faturam menos, com o acesso a crédito entre a população geral abalado.

Ibovespa com cenário otimista, pessimista e muito pessimista

“Nesse mês atualizamos o nosso valor justo do Ibovespa, devido a alta nas taxas de juros de longo prazo. Além disso, trabalhamos em diferentes estimativas para o nosso valor justo do Ibovespa para incorporar cenários alternativos: cenário otimista, cenário pessimista e cenário muito pessimista”, comenta a XP.

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Em um cenário otimista, para a XP, os juros reais cairão e a relação entre o preço de mercado e o lucro (P/L) das companhias que compõe o Ibovespa devem avançar para algo próximo ao múltiplo de 10, ante 11,1 da média histórica e 6,7 atualmente. Nesse caso, o valor justo do Ibovespa iria a cerca de 153 mil pontos, 36% acima do que aquilo registrado no fechamento de ontem.

“Nesse caso, o crescimento dos lucros seria de 10%. Não vemos isso como o cenário mais provável em meio a um cenário global e doméstico muito desafiador. Todos os planetas teriam que estar alinhados: a recessão global não se materializaria, com os bancos centrais alcançando um pouso suave, a China finalmente reabriria, impulsionando uma demanda global mais alta, e os riscos fiscais domésticos se dissipariam”, contextualizam os três analistas.

Com o Ibovespa tendo forte participação de companhias exportadoras de commodities, a performance do índice no próximo ano está muito ligada a também como estará a economia mundial – com as principais economias do mundo também aumentando suas taxas de juros para combater a inflação alta.

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Além disso, obviamente, é preciso que o Governo Federal não aumente consideravelmente seus gastos, para diminuir a pressão na curva de juros.

No cenário pessimista, a taxa de juros brasileira terá de ir além dos atuais 13,75%, com rendimentos reais (diferença entre Selic e inflação) em 7%. Nesse caso, o valor justo para o índice seria de 99,5 mil pontos, 11,4% menor ante o fim do pregão desta quarta.

Nesse caso, os lucros das companhias devem cair 10%, o múltiplo de entre preço das ações do índice e o lucro das companhias irá para cerca de sete vezes e múltiplo de valor de mercado (EV) em relação ao lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês), para cinco vezes.

Por fim, no pior cenário possível, mais pessimista, a taxa de juros real terá de ir além da anterior e o lucro das empresas que compõe o índice caíra 20%. O P/L irá para seis, EV/Ebitda para 4,5 vezes e o Ibovespa para 90,7 mil pontos, caindo 19,3%.

De qualquer forma, os especialistas da XP têm visão pior para as companhias mais dependentes da economia brasileira.

“Continuamos a não gostar de ativos com valuations muito esticados, como as empresas de crescimento (e-commerce, por exemplo), ações de segmentos mais voltado para o consumo, em meio a um cenário macro ainda desafiador, e ações negativamente correlacionada com taxas de juros em alta, como as construtoras, que também são afetadas por incertezas fiscais”, destacam Ferreira, Li e Nossig.

Por fim, companhias menores também devem sofrer mais, por serem mais expostas ao crescimento doméstico em comparação as large caps (predominantemente exportadoras de commodities) e por, usualmente, serem mais alavancadas operacionalmente (com mais dívidas).

“Em 2022, o índice de Small Caps cai 12,4%, bem abaixo do Ibovespa, que sobe 7,3%. No mês passado, mencionamos que as Small Caps poderiam ser um destaque em 2023 por conta dessa diferença, e também por conta de expectativas de juros menores. Porém, esse cenário de corte de juros começou a ser questionado, o que pode seguir pressionando essas empresas”, destacam. “Adicionamos, por isso, mais exposição a empresas com exposição dolarizada de receita, como Minerva (BEEF3) e JBS (JBSS3) e, por fim, continuamos com foco em commodities e histórias de crescimento secular”.