Por que a suspensão de parte das sanções contra a Venezuela trouxe pouco alívio aos preços do petróleo

Além do nervosismo com conflito Israel-Hamas, reação tímida ao alívio das sanções também mostra desafios que setor petroleiro no país tem para se recuperar

Lara Rizério Camille Bocanegra

(Foto: Getty Images)

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Na última quarta-feira (18), os Estados Unidos anunciaram uma esperada licença de seis meses que autoriza as transações com o setor de petróleo e gás da Venezuela. O evento era bastante esperado por analistas e trazia consigo a expectativa de aumento da oferta de petróleo no mercado, num contexto de cortes de produção pelos principais países produtores e do conflito Israel-Hamas.

Por enquanto, o alívio é temporário, mas é um grande passo, que permitirá que entidades americanas comprem petróleo venezuelano pela primeira vez em anos e tornará as exportações mais palatáveis para o mercado global.

A suspensão das sanções ocorre após o regime de Nicolás Maduro concordar em retomar as negociações com a oposição para eleições livres no ano que vem.

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Apesar de levar a uma queda nas cotações num primeiro momento na sessão da última quarta-feira, o movimento foi rapidamente revertido, com a commodity voltando a repercutir o conflito Israel-Hamas, que novamente voltou a ser o grande ponto de atenção para os mercados. Na última semana, o petróleo subiu cerca de 2%.

A reação tímida do mercado à suspensão temporária das sanções contra a Venezuela, dona das maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, mostra não só o nervosismo do mercado em relação ao conflito no Oriente Médio, mas também os desafios que estão no radar para o país vizinho recuperar sua produção.

As exportações de petróleo da Venezuela para os EUA foram interrompidas no início de 2019, quando o Tesouro americano impôs sanções à estatal Petróleos de Venezuela, conhecida como PDVSA. Naquela época, o país exportava quase 365.000 barris por dia para os EUA.

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A produção atual da Venezuela é de cerca de 750.000 a 800.000 barris por dia. Não chega, porém, perto dos 3 milhões de barris por dia que faziam da Venezuela uma força global no mercado de petróleo na década de 90, mas já é bem mais do que os 374.000 a que chegou em meados de 2020.

Conforme apontaram analistas à Bloomberg, a produção do país pode aumentar em 200.000 barris por dia, um salto de 25%.

Contudo, resta saber a rapidez com que a produção do país pode aumentar.

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Bruno Cordeiro, consultor de petróleo, aponta que o aumento no volume de produção venezuelana não deve ser tão expressivo quanto o esperado, em função dos “diversos anos de subinvestimento no setor”.

Paulo Gitz, estrategista global da XP, vai na mesma linha. “Sem as sanções, esse número deve aumentar, mas deve demorar alguns meses para que os investimentos amadureçam. O impacto no curto prazo deve ser pequeno, pois haverá apenas uma troca de comprador (sai China, entra EUA) para a produção atual. Conforme essa produção aumente, aí sim poderá fazer mais preço”, avalia.

Entretanto, aponta, é importante lembrar que a Venezuela é membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e deveria se sujeitar às restrições e cotas de produção impostas pelo grupo.

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Já as empresas que prestam serviços à PDVSA estão otimistas. Prevendo um aumento de 200.000 a 250.000 barris por dia já no próximo ano, elas dizem que a recuperação dependerá mais de uma retomada da infraestrutura em torno dos poços existentes.

“Podemos facilmente adicionar 200.000 a 250.000 barris por dia, porque já temos a infraestrutura instalada”, disse à Bloomberg Alexis Medina, prestador de serviço a PDVSA e membro da Câmara Petrolífera da Venezuela. “A história prova isso.”

Jean Paul Prates, CEO da Petrobras (PETR4), destacou os planos para voltar a investir no país vizinho após o alívio nas sanções, apontando ser possível fazer projetos em parceria para desenvolver reservas de petróleo. Contudo, alguns analistas veem com ressalvas os possíveis investimentos por lá, uma vez que a Petrobras e outras empresas do setor já sofreram com o movimento de estatização na Venezuela no passado, além das condições políticas e econômicas por lá seguirem deterioradas.

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O Bradesco BBI disse preferir que a Petrobras siga focada em seus principais negócios offshore no Brasil. “Dito isto, depois de tantos anos de crise, os ativos venezuelanos podem estar muito baratos. No entanto, preferiríamos que a estatal não investisse pesadamente na Venezuela”, avaliou a equipe de análise em breve nota.

Um ponto de atenção também é a duração do acordo. Gitz ressalta que, se o plano de liberar opositores e realizar novas eleições livres na Venezuela for mantido e seguido à risca, a expectativa é de prorrogação ou mesmo o cancelamento das sanções.

De qualquer forma, aponta Gitz, esse é um desdobramento importante no campo geopolítico. “A Venezuela passa por uma crise humanitária há muitos anos e tem sido grande parceira da China, que se beneficia da compra de petróleo barato do país sul-americano. Um maior alinhamento com os EUA traria um importante fornecedor de petróleo para perto, diminuiria a influência chinesa na região e, caso as condições de vida da população venezuelana melhorem, reduziria o fluxo de imigrantes ilegais para os EUA”, avalia.

Assim, o estrategista da XP aponta que a aproximação diplomática de EUA e Venezuela parece ser mais duradoura do que um simples acordo de ocasião.

(com Bloomberg)

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.