Ação da Natura (NTCO3) cai quase 13% em dois pregões, após venda bem-sucedida da Aesop: o que explica movimento?

Discussões de que Natura&Co teria vendido seu melhor ativo e investidores embolsando lucro estão entre motivos, que são debatidos por analistas

Lara Rizério

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O movimento das ações da Natura&Co (NTCO3) desde o fechamento da venda da Aesop para a L’Oréal por US$ 2,525 bilhões (acima do esperado) tem intrigado parte do mercado.

Os ativos NTCO3 chegaram a subir 7,52% na máxima do dia na última terça-feira (4), mas fecharam em baixa de 3,39%, enquanto o Ibovespa subiu 0,36%. Já nesta quarta, o movimento continuou e ainda foi mais forte, com as ações fechando com baixa de 9,61%, a R$ 11,85. Nos dois pregões após o anúncio da venda, a queda acumulada é de 12,7%.

A venda foi feita por um valor acima do esperado e geraram opiniões positivas de analistas sobre a desalavancagem da companhia. Mas por que as ações desde então não param de cair?

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Na noite da véspera, os analistas do JPMorgan reiteraram a sua avaliação de que o anúncio da venda é um movimento transformador da empresa. Eles apontam que, “mesmo considerando que a empresa vendeu seu (discutivelmente) melhor ativo”, como chegou a ser citado em análises sobre a venda, “é difícil defender que essa operação está precificada”.

O banco cita três pontos positivos: 1) a empresa de cosméticos brasileira passa de um um balanço patrimonial altamente alavancado para uma posição de caixa líquido; 2) a operação abre caminho para futuras discussões sobre dividendos; e; 3) as operações restantes estão sendo negociadas a um múltiplo de 5 vezes o EV/Ebitda (valor da firma sobre lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) esperado para 2024, enquanto NTCO passará a ter caixa líquido e imprimirá um fluxo de caixa livre (FCF) positivo após o acordo.

“No entanto, também entendemos que, dada a perspectiva desafiadora, com todas as complexidades de integração e recuperação de ativos de vários países, é difícil conceder todo o benefício da dúvida”, apontam. Assim, olhando para os níveis de preços atuais, as melhorias operacionais não estão precificadas.

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Os analistas continuam vendo uma boa relação risco-retorno para a Natura&Co, mantendo recomendação overweight (exposição acima da média do mercado, equivalente à compra), que continua sendo a principal escolha do banco no setor na América Latina.

O JP resumiu os principais comentários de suas conversas com investidores após a venda da Aesop e as opiniões dos analistas do banco sobre as principais discussões. Entre os fatores que podem ter levado à queda dos ativos, estão desde o conhecido “sobe no boato, vende no fato”, a avaliação de que a Aesop era o melhor ativo da Natura&Co e as incertezas que estão no radar para levantar os ativos que sobraram. Os fatores seguem abaixo:

i) O potencial é alto, assim como os riscos de execução, que é uma preocupação importante entre os investidores, devido ao histórico ruim de entrega da última década. Assim, muitos preferem esperar por sinais de melhora mais concretos antes de comprar, pois provavelmente ainda haverá um bom upside com melhor visibilidade das tendências.

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ii) Estamos em um mercado na baixa – o melhor é comprar a notícia, vender o fato. “Vimos um grande número de investidores que ficaram comprados em NTCO3 apenas para o potencial evento de venda da Aesop e que não estavam dispostos a carregar a ação devido à pouca visibilidade dos resultados, principalmente no contexto em que o curto prazo deve permanecer sob pressão”, aponta o JPMorgan.  Assim, há um movimento de “realização de lucros” para a maioria.

iii) O valuation de 18 vezes o preço sobre lucro (P/L) não é visto como atrativo por muitos, apesar do EV/Ebitda relativamente barato de cerca de 5 vezes, bem inferior à média histórica de 11 vezes e dos pares internacionais.

Nesse contexto, os analistas do JPMorgan veem que, dadas as iniciativas em andamento para melhorar os resultados, os números “normalizados” provavelmente serão vistos apenas em 2025 e 2026, pois a receita deve contrair até 2024, de acordo com suas estimativas, apesar de haver uma melhor lucratividade.

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“Nesse contexto, sinalizamos que os ganhos previstos para 2024 são aproximadamente 3 vezes maiores do que seriam se a Aesop não fosse vendida. Além disso, ao olhar para a empresa de uma perspectiva de FCF, vemos um rendimento de ‘um dígito alto'”, apontam.

iv)  Para muitos investidores, a Aesop era o melhor ativo da Natura&Co devido ao seu 1) alto perfil de crescimento no resiliente mercado de luxo, 2) crescimento autofinanciado e 3) alta lucratividade.

“Colocando de lado o valuation pelo qual foi vendido (de 27 vezes o EV/Ebitda e representando cerca de 60% do valor de mercado da Natura&Co), teríamos adorado que a empresa mantivesse o ativo”, apontam os analistas.

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Ainda assim, considerando suas estimativas construtivas sobre o ativo, viram que ele representava cerca de 20% do Ebitda da Natura no longo prazo, enquanto uma parte importante disso dependeria de uma expansão bem-sucedida na China – uma geografia desafiadora onde a empresa brasileira não possui experiência.

“Assim, quando olhamos para os termos pela qual foi vendida e o impacto nos negócios remanescentes (levando-a a uma posição de caixa líquido), acreditamos que a transação foi um bom negócio, principalmente porque reduz significativamente os riscos da empresa do ponto de vista do balanço e ajuda a gerar um fluxo de caixa livre positivo”, apontam.

Fabiano Vaz, analista da Nord, também ressalta que, apesar da reação inicialmente positiva do mercado na véspera à operação, há pontos de atenção que devem ser observados pelos investidores.

“A transação é suficiente para desalavancar o balanço patrimonial da Natura, porém o cenário permanece desafiador, com margens sob pressão e dificuldade em gerar receitas”, aponta o analista, que também cita a Aesop como até então o melhor ativo da Natura, com  resultados resilientes e melhores margens do grupo.

Os resultados da Aesop vinham compensando parcialmente a queda das outras unidades de negócios da companhia brasileira. A Natura pagou US$ 100 milhões pela subsidiária australiana em 2013 e a vendeu 10 anos depois por US$ 2,5 bilhões (sem dívidas), implicando um retorno entre 10 e 20 vezes.

Outra comparação que mostra a relevância da transação é que o valor de US$ 2,5 bilhões (R$ 12,79 bilhões) pela marca australiana representa 95% de toda a dívida bruta da Natura ao fim de dezembro: R$ 13,3 bilhões.

O que vem a seguir?

Olhando para a frente, na avaliação do JPMorgan, as vendas diretas devem representar cerca de 85% das vendas da Natura&Co após o desinvestimento da Aesop, enquanto as melhorias nos resultados operacionais são altamente dependentes de 1) integração bem-sucedida da Avon na América Latina, o que pode reduzir as vendas da marca; 2) redução significativa do consumo de caixa nas operações da Avon International; enquanto, 3) há o desafio de trazer a The Body Shop (TBS) de volta ao território de fluxo de caixa livre positivo.

“Vemos desafios estruturais nas vendas diretas globalmente, o que foi uma das principais razões por trás de nossa classificação underweight (equivalente à venda) no passado. Ainda assim, embora esses desafios permaneçam em um mundo digitalizado, as vendas diretas continuam a existir, enquanto a empresa brasileira conseguiu desenvolver continuamente o canal para adotar mais ferramentas digitais para capacitar representantes, ajudando a amortecer os desafios estruturais enquanto diversifica gradualmente seu mix de canais”, avalia.

Isso, no entanto, também se reflete no valuation e nas estimativas de crescimento, pois o banco vê um ritmo de crescimento anual normalizado para a empresa em 5-7% e um múltiplo justo com desconto de 30% para os pares. “Mas com esse perfil e geração positiva de FCF, a companhia tem potencial para voltar à arena de empresa com sólidos pagamentos de dividendos (como no passado)”, aponta.

Vaz, da Nord, ressalta que a venda da Aesop marca um novo ciclo de desenvolvimento para a Natura &Co. e tem tudo a ver com a reestruturação do negócio. A aquisição da Avon, em janeiro de 2020, está sendo um grande desafio, pois a Natura ainda tem grandes dificuldades na integração das operações e na transição do modelo de vendas.

Além dos desafios operacionais, o cenário macroeconômico não ajudou e a companhia ainda enfrentou os impactos da pandemia e de uma guerra.

Tudo isso vem refletindo na queda dos resultados e no aumento do endividamento da companhia brasileira de cosméticos. Sem ter muita escolha, a companhia precisou se desfazer da Aesop para reforçar seu caixa e amortizar parte da sua dívida.

Agora, o foco da Natura agora é reduzir seu endividamento e focar na incorporação das operações com a Avon. A estratégia da empresa é concentrar os investimentos no mercado da América Latina com as marcas Avon e Natura, e internacionalmente com Avon e The Body Shop (TBS).

“A Natura acabou vendendo o negócio certo (Aesop) e ficando com os duvidosos, mas em um cenário de incertezas no mundo, dificilmente conseguiria uma boa negociação por ativos em dificuldade da Avon ou TBS. Seja como for, a Natura precisa mostrar sua capacidade na consolidação das operações com a Avon e na reestruturação da TBS”, avalia o analista da Nord.

Para ele, apesar da companhia de cosméticos ser uma ótima empresa,  ainda precisa superar os desafios operacionais, sendo assim, pelo múltiplo considerado elevado por ele e o cenário macro incerto, prefere “continuar acompanhando de fora”.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.