Por 36 votos a 14, Senado aprova TLP: saiba como a medida altera o papel do BNDES na economia

Medida Provisória 777 caducaria em 7 de setembro, mas governo consegue votar antes do vencimento do texto

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A despeito dos esforços de obstrução da oposição durante toda a tramitação da proposta no Congresso, o governo conseguiu, nesta terça-feira (5), concluir a votação e aprovar, por 36 votos a 14, a Medida Provisória 777. O texto substitui a TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) pela TLP (Taxa de Longo Prazo) como taxa de juros que baliza empréstimos concedidos pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Enquanto hoje a taxa é determinada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), formado pelos ministros da Fazenda e Planejamento e pelo presidente do Banco Central, a nova medida determina que o parâmetro seja o próprio título NTN-B de cinco anos, usado pelo governo para financiar sua dívida, e a inflação oficial. A MP caducaria se não fosse votada até a quarta-feira.

A discussão da proposta coloca em pólos opostos novamente setor produtivo e mercado financeiro. Além disso, na prática, trata-se de uma redução do controle do Poder Executivo sobre políticas de concessão de crédito, uma vez que a nova taxa cobrada pelo BNDES obedeceria as flutuações do mercado, mesmo que a nova taxa considere uma média de três meses, para que os efeitos da volatilidade afugentassem o empresariado. Do ponto de vista político, sob a argumentação de promover maior transparência à atividade do banco público e aos subsídios que seriam oferecidos, o governo abre mão de um instrumento de poder.

Hoje fixada em 7,5% ao ano, a TJLP está abaixo do valor pago pelo governo por sua dívida, o que indica que cada empréstimo concedido pelo banco público nessas condições representaria subsídio oferecido às empresas contratantes. O novo texto propõe um fim a essa situação a partir de janeiro de 2018, para os contratos celebrados a partir daquele momento. A MP determina que a TLP terá de refletir a variação do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) e uma taxa de juros prefixada, de vigência mensal. Esta será equivalente ao rendimento real das Notas do Tesouro Nacional – Série B no prazo de cinco anos. Ou seja, a TLP será o resultado dos dois componentes (IPCA e juros da NTN-B).

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Para evitar diferenças entre a nova taxa e a antiga, a proposta determina que a primeira TLP, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2018, será igual à TJLP vigente na mesma data. Por exemplo, se a TJLP iniciar o ano em 7%, a TLP será fixada em 7%. Para isso, o governo vai fazer aplicar um “fator de ajuste” na fórmula para que a nova taxa fique igual à anterior. Esse fator de ajuste será modificado gradativamente, ao longo de cinco anos, de modo que em 2023 a TLP reflita apenas o IPCA e os juros de cinco anos da NTN-B.

Os apoiadores da medida argumentam que o atual modelo permitiu subsídios robustos a grandes empresários, que poderiam ter tomado crédito no mercado. Os subsídios decorrentes da diferença entre o financiamento da dívida do governo e os juros cobrados pelo BNDES em empréstimos, na argumentação do governo, contribuiu para um agravamento da situação das contas públicas, elevando o déficit fiscal. O fim do subsídio implícito poderia, ainda segundo os apoiadores da instituição da TLP, contribuir em uma maior eficácia da política monetária, e, consequentemente, um patamar mais baixo para a Selic, uma vez que a taxa básica de juros não seria “furada” por taxas mais baixas, praticadas em determinados contratos via bancos públicos. A equipe econômica não acredita em redução no nível de investimentos e sustenta que subsídios não seriam extintos, mas deixariam de ser implícitos para se tornarem elementos de discussão da sociedade, com maior transparência.

“Quem quer democratizar o crédito, garantir juros barato para toda a sociedade, quem quer que o BNDES faça um financiamento equilibrado por porte de firma, inclusive, priorizando pequenas e médias empresas, alocando recursos para projetos estruturadores de longo prazo – como saneamento, infraestrutura, tecnologia – precisa apoiar a TLP. Hoje, estamos garantindo recursos baratos para grandes grupos empresariais, que poderiam perfeitamente tomar recursos do mercado de capitais, de outras fontes. Essa mudança estrutural que a TLP vai provocar será muito benéfica para a sociedade e para a economia, dando mais relevância ao papel que o BNDES tem que cumprir”, argumentou o relator da matéria, deputado Betinho Gomes (PSDB-PE) em entrevista ao blog Terraço Econômico.

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Segundo o parlamentar, o grande objetivo da TLP seria reduzir a taxa de juros estrutural para a sociedade, o que seria naturalmente acompanhado pelas próprias taxas de mercado. Betinho Gomes acredita ainda que a medida será capaz de desenvolver o mercado de capitais brasileiro, sobretudo no que diz respeito ao financiamento de projetos de longo prazo. Para ele, “será uma verdadeira revolução no mercado de crédito brasileiro”. Cálculos citados pelo deputado indicam que, entre 2007 e 2016, os subsídios implícitos concedidos pelo diferencial de taxa de juros somaram quase R$ 240 bilhões, sendo R$ 140 bilhões via empréstimos da União, R$ 82 bihões via FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e R$ 18 bilhões via FMM (Fundo da Marinha Mercante). Ele argumenta que não foi gerado retorno econômico equivalente ao País, com a participação da indústria no PIB (Produto Interno Bruto) caindo desde 2007, apesar das flutuações na diferença entre Selic e TJLP. O gráfico abaixo foi extraído do relatório apresentado pelo deputado Betinho Gomes à comissão mista que analisou a Medida Provisória:

No mesmo sentido, o secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Mansueto Almeida, defende que a medida promoverá uma redução nos juros para todos os brasileiros e acabará com tratamento diferenciado para determinados setores. “Não faz sentido discriminar empresas por porte, nem por localização”, disse em vídeo divulgado pelo Banco Central. “Acabou a história de ‘amigos do rei’. A TLP são juros mais baixos para todos os brasileiros”. O economista argumenta que subsídios poderão continuar existindo, mas os setores terão de negociar com o Congresso a inclusão dos benefícios no Orçamento. Além disso, Almeida acredita que a nova taxa trará maior previsibilidade às empresas, uma vez que, em vez de definida pela equipe econômica do governo, dependerá do mercado. Em defesa da medida, o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a afirmar que ela mira os privilégios do setor privado. “Hoje 70% do crédito do BNDES está concentrada em empresas com faturamento acima de R$ 300 milhões”, estimou. Para o ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão, Dyogo Oliveira, a TLP é importante para reduzir a discricionária hoje existente com a definição da TJLP e por permitir a venda de direitos sobre o crédito concedido pelo BNDES — o que é conhecido no mercado como “securitização”. Na avaliação de Oliveira, a medida permitiria que o banco público operasse no futuro com escala maior.

O que dizem os críticos
A MP que institui a TLP respeita uma teoria que norteia boa parte das decisões da equipe econômica do atual governo. É o que diz o economista Felipe Rezende, professor associado do Bard College e Levy Economics Institute, que vislumbra um fracasso na estratégia de promover maior eficiência na alocação de recursos públicos ao explicitar as disputas por nacos do orçamento, com os lobbies e corporações triunfando sobre áreas sensíveis para o desenvolvimento nacional, caso dos investimentos em infraestrutura. “Hoje, experiência para a economia brasileira tem sido jogar o subsídio à sociedade de forma explícita, para se ter uma alocação orçamentária mais eficiente. Isso é muito perigoso. Explicita-se um conflito social para eliminar os rent seekers (corporações e lobbies). A expectativa é que eles seriam mais fracos do que aqueles com menor poder econômico. Na teoria, seria uma ótima ideia, mas acho que, na prática, a alocação tende a piorar, porque os grupos mais organizados irão cada vez mais canalizar recursos”, observa.

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O economista exemplifica: “Neste ano, o empenho já chegou ao limite dos gastos orçamentários, não há mais onde cortar. Cortou-se principalmente nas áreas mais sensíveis: ciência, infraestrutura, saúde e educação, por exemplo. E onde foram concedidos aumentos até agora? A aprovação de emendas recente pelo governo Temer para conquistar o apoio da base aliada é um caso clássico. Liberaram os cofres públicos para o governo montar sua base de apoio em detrimento de cortes em outras áreas. Esse é o resultado contrário do que teóricos do governo na Fazenda falavam que a PEC do Teto iria fazer, mas é esperado, porque aqueles que têm poder sobre o orçamento acabam abocanhando de forma muito mais fácil recursos que agora são limitados. A premissa da equipe econômica foi por água abaixo”. Para Rezende, a TLP trará uma defasagem nos investimentos públicos e a iniciativa privada não preencherá o vazio deixado em novos projetos de infraestrutura — o que, segundo ele, se repete em outras economias. Na avaliação do economista, a inexistência de uma carteira de projetos para investir agravaria o problema.

Do ponto de vista político, os opositores à medida acreditam que o governo tem adotado como estratégia uma espécie de “jogo duplo” com o Congresso e o mercado, ao estabelecer uma taxa vinculada aos contratos de NTN-B com vencimento em cinco anos e condicionar a concessão de qualquer subsídio ao aval do parlamento. Na prática, haveria uma contradição, com o Executivo aceitando ceder poder ao Legislativo e aos agentes econômicos, uma vez que o governo não mais decidirá pela taxa que balizaria contratos de crédito do BNDES. Nesse sentido, um dos alertas feitos pelos críticos seria que, em um momento em que o instinto de sobrevivência fala mais alto, como foi durante a tramitação de uma denúncia contra o presidente Michel Temer no início do mês, recursos importantes do banco público seriam usados como instrumentos do toma lá dá cá político. Além disso, a volatilidade atual do Legislativo poderia impedir que o empresário opte por fechar um contrato, visto que o que foi decidido hoje pode ser revisto amanhã. Tal mecanismo tenderia a limitar as possibilidades de políticas de crédito continuadas em longo prazo.

Para alguns economistas, o argumento do governo de que a TLP fortaleceria a política monetária do governo não se sustenta. Os dois principais motivos seriam uma participação minoritária dos contratos do BNDES com a TJLP sobre o total de crédito concedido no país e o fato de que a atual taxa é decidida pela própria equipe econômica do governo — o que lhe daria maior liberdade para fazer uso de tal mecanismo em consonância com a política de juros do Banco Central. “As intervenções no exterior, em meio à crise de 2008, foram com os BCs tentando alterar as taxas de longo prazo da economia. No Brasil, você faz isso com uma canetada. Do ponto de vista de eficácia de política monetária, você tem mais instrumentos hoje do que terá amanhã. Hoje você pode colocar a taxa onde quiser. Agora, será necessário influenciar a taxa de curto para ver se aqueles efeitos atingem o longo prazo”, afirmou Arthur Koblitz, economista e vice-presidente da Associação dos Funcionários do BNDES.

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Além disso, ele sustenta que a TLP traria de volta um nível de indexação maior à economia brasileira, já que a taxa também seria atrelada à inflação oficial. “A TJLP foi criada lá no Plano Real. Antes, a taxa do BNDES era indexada à inflação. Tirou-se a taxa de inflação porque se desejava evitar a indexação da economia. Por que agora é bom indexar?”, questionou o economista.

Koblitz critica também as argumentações de que a TLP traria mais previsibilidade ao mercado de crédito e o ambiente seria marcado por menos volatilidade. “O fato de que a TJLP é administrada pelo governo não significa que ela é sujeita a repentinas mudanças. Ela tem se comportado de forma muito mais responsável do que o mercado costuma arbitrar as variáveis da TLP. A TLP sofrria muito maiores oscilações. O fato de o governo saber que tem impacto na economia faz com que ele modere suas variações. Graficamente, é possível ver isso: uma TJLP mais baixa, com flutuações bem menores que a TLP. É uma ótima forma de contraste”, argumentou. O fato de a nova taxa ser mais volátil pode afugentar os empresários, mesmo com a decisão do governo de colocar uma média de 3 meses para a NTN-B.

Segundo o economista, o tempo médio para o fechamento de um contrato de crédito junto ao BNDES é de 210 dias. “A TLP é muito instável de período a período. No momento de conversa de uma empresa com o BNDES, ela pode sofrer um repique, que pode adiar o investimento dela. Para quem já tomou o empréstimo, é mais fácil prever o futuro com a TLP. Mas, para quem está decidindo, a TJLP é muito mais estável”, disse em conversa com o InfoMoney.

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O gráfico abaixo, elaborado por Koblitz, compara o comportamento das taxas:

Defensores da MP 777 rebatem com outro gráfico, que leva em consideração os juros reais:

Outro argumento usado pelos defensores da TLP refutado pelo representante dos funcionários do banco público seria que as políticas de concessão de crédito privilegiaram as grandes empresas, que teriam condições de captar recursos no mercado privado, sem necessidade de subsídios. De fato, quando se divide os recursos repassados pelo BNDES entre micro, pequenas, médias e grandes empresas, nota-se que o último grupo abocanha cerca de 70% do total, enquanto no caso de bancos como Itaú e Bradesco, esse indicador fica na faixa entre 30% e 50%. No entanto, Koblitz argumenta que, para o cálculo fazer sentido, seria necessário excluir empréstimos voltados à infraestrutura e exportação, uma vez que esses setores contam quase exclusivamente com grandes empresas. Além disso, o economista argumenta que 57% das operações domésticas do BNDES têm prazos superiores a 5 anos, ao passo que apenas 6% atendem a esse requisito no caso do Bradesco.

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Os críticos à TLP temem que a medida dificulte ainda mais investimentos de longo prazo, com o mercado não conseguindo preencher o espaço que hoje é ocupado em grande medida pelo BNDES. “No Brasil, todo o crédito de longo prazo na indústria é feito pelo BNDES, porque a taxa básica de juros não viabiliza nenhum tipo de investimento. A TJLP foi criada exatamente por isso. Há uma dependência maior do banco público para a concessão de crédito em determinados setores”, disse Klobitz. Na avaliação do economista, a MP 777 é um sinal claro da perda de força do empresariado brasileiro.

Para ele, a ideia do governo neste momento seria a inviabilização do BNDES, ao menos no que diz respeito ao atual papel do banco público no processo de desenvolvimento. “A proposta da TLP não tem um compromisso com o atual arranjo brasileiro. Se o desejo é mudar essa estrutura, que o FAT é mal remunerado — não é mal remunerado como eles sugerem, já que o governo subtrai os recursos deste fundo pela DRU e depois tem que fazer aportes –, vamos discutir a nova estrutura de apoio dos bancos de desenvolvimento. Vamos nos inspirar no que fazem os países lá fora. A TLP desmonta e não põe nada no lugar”, criticou.

O economista acredita que, no primeiro momento em que a Selic tiver que subir, haverá cortes expressivos nos investimentos. “Diminuir o BNDES é mais um passo de uma marcha da insensatez que vem de décadas. Tudo em nome de uma espécie de normalização de uma economia de mercado. O BNDES é a última peça que sobreviveu de intervenção importante do governo na economia, que está ligado ao nosso passado desenvolvimentista, e está sendo destruído com os mesmos argumentos das reformas dos anos 90. Haverá uma queda da influência e dos desembolsos do banco. Esses recursos vão ficar no caixa do banco, então eles vão discutir novas devoluções de recursos para o Tesouro Nacional. Está claro que essa é a primeira parte de outro programa, que vai ser acompanhado por leilão do FAT”, disse.

Na avaliação de Koblitz, o banco público desempenhará função mais próxima à da época das privatizações, mas sem a relevância que teve. “Os principais ativos que o governo tinha, os ativos pelos quais o setor privado tem apetite já foram privatizados. Isso torna um programa de privatizações menos relevante. Por outro lado, você tem todos os estados quebrados e o governo condicionando essas renovações de dívida a privatizações. No Rio, tem a história de o BNDES ficar com uma parte da Cedae e depois vender. Então, acredito que seria um papel de pegar os ativos que sobraram nos estados e ajudar na privatização”, projetou.

Divergência

Para o ex-secretário do Tesouro, Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, as previsões que haverá um desmonte do BNDES ou do FAT são fantasiosas. “O BNDES é um banco de mais de 60 anos e não há proposta de extingui-lo ou privatizá-lo. Já foi o banco da infraestrutura quando criado, apoiou a industrialização e privatizações/concessões, função que agora voltará com força. O que se busca nesse momento é adequá-lo à realidade fiscal do país. Isso também remete à possível devolução de recursos de sua gigantesca dívida com o Tesouro Nacional, hoje representando R$ 450 bilhões”, escreveu em relatório a clientes.

“O BNDES continuará a existir, mas não como um banco todo poderoso com acesso ilimitados a recursos subsidiados extra-orçamentários. O FAT será preservado, com maior autonomia de recursos e menos dependente da discricionariedade da TJLP e da eventual disponibilidade de recursos por parte do BNDES para suprir suas necessidades”, concluiu o economista-chefe do Safra.

(com Agência Câmara)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.