“CPI da Lava Toga” alimenta debate sobre ativismo judicial e crise institucional

Na terceira tentativa para destravar investigações sobre juízes de cortes superiores, grupo de senadores muda de estratégia, eleva temperatura no parlamento e provoca cisão no bolsonarismo

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A nova tentativa de um grupo de senadores de criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a atuação de tribunais superiores, sobretudo de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), tem acirrado o clima político no Congresso Nacional e provocado um racha na própria base bolsonarista.

Líder do movimento para investigar o “ativismo” de magistrados, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) tem dito já contar com as 27 assinaturas necessárias e pretende protocolar o pedido de instalação da chamada “CPI da Lava Toga” ainda nesta terça-feira (17).

Esta é a terceira tentativa para tirar a CPI do papel. A primeira foi travada após os senadores Kátia Abreu (PDT-TO), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Eduardo Gomes (MDB-TO) retirarem suas assinaturas, sob a alegação de que o requerimento não tinha fato determinado. Isso fez com que o pedido perdesse o apoio mínimo necessário de 27 senadores e fosse arquivado pelo presidente da casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

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Na segunda tentativa, Vieira apresentou um novo requerimento, desta vez listando 13 fatos determinados para justificar a instalação do procedimento investigatório. Dentre eles, eram apontadas situações envolvendo Dias Toffoli, presidente do STF, e o ministro Gilmar Mendes.

O pedido foi protocolado com 29 assinaturas, mas acabou barrado por Alcolumbre. O presidente da casa citou parecer técnico da consultoria legislativa, e alegou que “o requerimento não reúne os pressupostos constitucionais e regimentais de admissibilidade”. O documento dizia que nenhum dos fatos elencados poderia ser investigado pelos senadores. Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), os senadores decidiram arquivar o pedido.

Desta vez, para evitar o mesmo desfecho, a decisão dos defensores da CPI da Lava Toga foi de restringir o escopo da investigação a um fato específico: o inquérito instaurado por Toffoli para apurar eventual cometimento de crimes “que atingem a honorabilidade” do tribunal, seus membros e familiares – procedimento polêmico que ficou conhecido como “inquérito das fake news”.

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Na avaliação de Vieira, a iniciativa “violou o sistema acusatório e o princípio da segurança jurídica” e permitiu que fossem produzidas “diversas ilegalidades”. Ele cita o episódio de censura sobre reportagem da revista Crusoé (“O amigo do amigo de meu pai”), que posteriormente foi desfeita, a suspensão de mais de 130 procedimentos de investigação sigilosos a cargo da Receita Federal e o afastamento de auditores fiscais.

“Dias Toffoli agiu de maneira absolutamente incompatível com o decoro e a responsabilidade de seu cargo, protagonizando verdadeiros desmandos que atingiram diversos cidadãos, os veículos de imprensa e a sociedade como um todo”, afirma o parlamentar no requerimento que ainda deverá ser protocolado.

O senador diz já contar com as assinaturas regimentais necessárias para a instalação da CPI da Lava Toga, mas busca, por cautela, mais apoio para evitar os riscos do mesmo desfecho da primeira tentativa.

Alcolumbre é abertamente crítico à iniciativa para investigar eventuais abusos de magistrados a partir de uma CPI. Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em março, o senador disse que a medida não faria bem ao Brasil. “Topo fazer um diálogo em relação à reforma e ao aprimoramento da questão do Judiciário. Não vejo nesse momento uma CPI do Judiciário e dos tribunais superiores. Não vai fazer bem para o Brasil”, disse.

O grupo contrário à iniciativa também alerta para possíveis riscos sobre a agenda econômica a poucos dias de o plenário votar em primeiro turno a reforma da Previdência. “Uma CPI como essa pode paralisar a casa por 120 dias [tempo de duração de uma CPI]. Como ficam as demais pautas de interesse do país?”, diz um senador envolvido nas discussões. “No momento atual, precisamos de instituições fortes, harmonia entre os poderes e reformas aprovadas”.

Para o analista político Leopoldo Vieira, da consultoria Idealpolitik, o avanço das investigações de magistrados pelos parlamentares pode desviar a agenda do Senado. “Embora a concorrência dos Poderes tenha permitido avanço nas reformas (pela busca por protagonismo na pauta econômica), uma overdose de problemas pode capturar a prioridade política”, avalia.

“Se houver uma guerra entre três CPIs que atacam o Judiciário, as eleições de 2018, o filho do presidente e políticos envolvidos em escândalos, tudo isso, por mais que os Poderes se mantenham responsáveis do ponto de vista econômico, pode acabar fazendo com que eles tenham que se ater ao foco do conflito político”, complementa.

Já Thiago Vidal, analista da Prospectiva Consultoria, diz que, caso a CPI seja aberta, uma reação do Poder Judiciário pode ser considerada inevitável, sobretudo para o caso de parlamentares envolvidos em processos. “Em alguns setores certamente vamos ver processos engavetados andando mais rapidamente. Isso assusta os políticos mais tradicionais”, sustenta.

No meio político, o especialista observa o risco de uma reação do grupo contrário às investigações sobre os magistrados. Neste caso, um dos cenários a se considerar é de agenda do governo travada no parlamento, em uma tentativa de forçar o Palácio do Planalto a interceder no caso. Além da paralisa, pautas-bomba também precisam ser monitoradas.

No comando das articulações, o senador Alessandro Vieira busca tranquilizar quem teme por uma crise institucional ou pela paralisia da agenda econômica no parlamento. “Vivemos em um país que teve dois impeachments, senadores presos, ministros de Estado presos, deputados federais presos, presidente da Câmara preso. A democracia continuou funcionando normalmente, e irá continuar funcionando, caso se consiga investigar e seja o caso de punição a algum ministro do Supremo”, disse em entrevista a Veja.

Ele cita, ainda, a CPI do BNDES na Câmara dos Deputados como exemplo de que é possível conduzir uma agenda econômica simultaneamente a uma comissão parlamentar delicada. A casa legislativa aprovou a reforma da Previdência durante a vigência da comissão que investiga irregularidades no banco público.

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Cisão no bolsonarismo

A pressão de grupos contrários à iniciativa atraiu importantes aliados nos últimos dias: o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) e o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filhos do presidente Jair Bolsonaro (PSL).

“Tenho a clara percepção que uma CPI com essa pauta toca fogo no país. Todo mundo sabe como começa e ninguém sabe como termina. Vai colocar o Poder Legislativo contra o Poder Judiciário”, afirmou Flávio Bolsonaro em entrevista ao canal Terça Livre.

Já o deputado endossa a narrativa de que a comissão não seria capaz de produzir resultados concretos e que os envolvidos na sua criação estariam em busca de moeda de troca em relação a pautas de interesse do governo, caso da indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada brasileira em Washington (EUA) e do subprocurador Augusto Aras para a PGR (Procuradoria-Geral da República).

A disputa pela instalação da CPI da Lava Toga no Senado também abriu uma fissura na própria direita. Um dos casos mais simbólicos foi o da senadora Juíza Selma (PSL-MT), que relatou a pressão que sofreu de Flávio Bolsonaro para retirar sua assinatura e inviabilizar a abertura da comissão parlamentar. A parlamentar disse que o filho do presidente chegou a gritar com ela ao telefone. O senador negou a acusação. Depois do episódio, Selma indicou que deverá mudar de sigla, para o Podemos.

O líder da bancada pesselista na casa legislativa, Major Olímpio (SP), chegou a defender que Flávio deixasse o partido. “Nós que representamos a bandeira anticorrupção do Presidente. Eu tentei convencê-la (senadora Juíza Selma, de saída para o Podemos) a ficar e resistir conosco. Quem tem que cair fora do PSL é o Flávio, não ela. Gostaria que ele saísse hoje mesmo”, disse em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo.

Caminhos indefinidos

Apesar de o senador Alessandro Vieira dizer já contar com as 27 assinaturas necessárias para a abertura da CPI Lava Toga, o futuro das investigações sobre possíveis abusos cometidos por magistrados ainda é incerto. Analistas políticos mantêm o ceticismo sobre a possibilidade de o esforço driblar qualquer iniciativa política e jurídica que venha a surgir.

De um lado, não está descartada a possibilidade de uma nova decisão do presidente Davi Alcolumbre pelo arquivamento de um requerimento para abertura de comissão parlamentar, ainda que o texto busque abordar um fato determinado – o que poderia afastar uma das justificativas já usadas para barrar a iniciativa. Do outro, existe o risco de judicialização.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.