“Tudo que o mercado temia com Fernández já foi feito por Macri”, diz economista argentino

Um dos economistas mais próximos da oposição, Emmanuel Alvarez Agis critica medidas adotadas pelo atual governo para conter a desvalorização do peso

Marcos Mortari

SÃO PAULO – Desde que as eleições primárias argentinas indicaram uma possível vitória do candidato opositor Alberto Fernández contra Mauricio Macri na corrida presidencial, cresceu no mercado a preocupação com o risco de maior interferência sobre a economia.

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Em um mês, o Merval (principal índice acionário do país) acumulou queda de 38%. No mesmo período, o peso argentino sofreu uma desvalorização de 19% em relação ao dólar.

O ambiente de incertezas e especulações levou o governo a anunciar um “reperfilamento” da dívida pública, seguido de um programa de controle de capitais, medidas que criticou diversas vezes no passado e que eram frequentemente associadas ao possível triunfo eleitoral da oposição.

Figuras próximas de Alberto Fernández, por sua vez, criticaram as iniciativas, principalmente pela ordem que foram tomadas. É o caso do economista Emmanuel Alvarez Agis, tido como um dos nomes mais influentes da candidatura opositora. Ele concedeu uma entrevista exclusiva ao podcast Frequência Política, do InfoMoney, na última quinta-feira (5).

“Em uma situação de emergência, primeiro se coloca um controle de capitais para tratar de evitar um problema com a dívida. Neste caso, foi exatamente o contrário. Primeiro se tomou uma medida com a dívida. Ela dá o sinal ao mercado de que a Argentina sequer pode pagar sua dívida de curto prazo em moeda doméstica. Isso provoca uma corrida bancária”, afirma.

O podcast Frequência Política é feito em parceria pela equipe de análise política da XP Investimentos e o InfoMoney. Você pode ouvir a íntegra pelo Spotify, Spreaker, iTunes, Google Podcasts e Castbox ou baixar o episódio clicando aqui.

Quando questionado sobre a relação entre o candidato e o mercado, o economista concorda que faltam acenos mais claros aos agentes econômicos. Por outro lado, argumenta que ainda não se sabe ao certo em qual situação econômica Fernández deverá herdar o poder caso saia bem-sucedido da disputa de outubro.

“É muito paradoxal que todas as medidas que o mercado temia que Alberto Fernández tomasse já foram tomadas por Macri. Que medo poderia ter o mercado? Parece que a única vantagem disso é que hoje estamos com todos os medos do mercado concretos. Já temos a dívida com problemas, a moeda se depreciou muito e há um controle de capitais. Então, o único positivo é que esse é o piso. Daqui, a única coisa que pode fazer Alberto Fernández é melhorar”, pontua.

Emmanuel Alvarez Agis é um dos nomes cotados pela imprensa argentina para desempenhar papel relevante no gabinete peronista caso o resultado das primárias se confirme nas eleições de outubro. Com ampla passagem no setor público, dirigiu empresas estatais e atuou como vice-ministro da Economia (2011-2013) e como Subsecretário de Programação Econômica (2011-2013). Também foi assessor da ONU (Organização das Nações Unidas) em temas macroeconômicos. Em 2016, fundou sua própria consultoria: a PXQ.

Confira os destaques da entrevista:

InfoMoney – O resultado das PASO provocou uma forte reação negativa dos mercados, algumas medidas foram tomadas pelo governo nas últimas semanas. Mas neste momento recaem dúvidas sobre como será a economia em um provável governo Alberto Fernández. O que senhor poderia nos dizer a esse respeito?
Emmanuel Alvarez Agis – O primeiro ponto é entender o porquê dos movimentos desta semana pós-eleições primárias. Creio que se conjugaram várias circunstâncias negativas. Uma é a expectativa do mercado muito diferente. Nem as pesquisas que chegaram mais perto puderam indicar um resultado tão contundente. Segundo, que [não se esperava que] um resultado tão contundente pudesse em crise o sistema institucional argentino. Temos o paradoxo de um presidente que ninguém duvida que vai terminar sendo eleito nas eleições gerais, mas que hoje nada mais é do que um candidato a presidente.

Essa questão institucional, combinada com uma reação muito negativa de Macri – que, em vez de felicitar o candidato opositor pelo resultado, tomou uma série de comunicações e medidas muito contraditórias –, parece que o mercado entendeu que vai ser muito difícil a coordenação e a transição em qualquer tipo de cenário econômico.

Hoje em dia a discussão mudou substancialmente. Antes deste cenário econômico que atravessa a Argentina, a discussão era quão distinto vai ser um governo Alberto Fernández em relação a um governo de Macri em termos da orientação da política econômica. Hoje, lamentavelmente, a pergunta é: quão abaixo Alberto Fernandez vai receber a economia em dezembro, se ganhar as eleições? Quantas reservas haverá no Banco Central? Em que situação vai estar a dívida soberana? Em que nível estará a inflação?

Desde as PASO, não somente essa falta de coordenação senão as próprias medidas que Macri tomou (o reperfilamento da dívida e os novos controles de capitais) fizeram com que a situação se deteriorasse muito. Estamos vivendo a pior combinação em termos de crise financeira, que não é só uma corrida cambiária e uma pressão muito forte contra o peso nessas últimas duas semanas. Acreditamos que nesses dias está começando uma corrida bancária.

Estamos falando de um governo que entrega uma situação de dívida em dúvida, em crise, um reperfilamento, uma moeda muito depreciada, uma inflação muito alta e uma situação financeira muito débil. Creio que a pergunta é: que ferramentas o novo governo vai usar para tentar pôr a economia em seu ponto de partida?

IM – Mas o governo alega que pode haver uma fuga de capitais ainda maior, o peso pode se desvalorizar muito. Então, adota-se uma medida que o próprio presidente era muito crítico.

EA – Estou muito contrariado com a maneira como se deram essas medidas. Normalmente se entende que um controle de capitais é a última medida que se toma para evitar que a dívida entre em crise, para evitar que o mercado avalie que não há capacidade de pagamento da dívida. Em uma situação de emergência, primeiro se coloca um controle de capitais para tratar de evitar um problema com a dívida e, se a medida falha, provavelmente se chega a um problema com a dívida.

Neste caso, foi exatamente o contrário. Primeiro se tomou uma medida com a dívida. Ela dá o sinal ao mercado de que a Argentina sequer pode pagar sua dívida de curto prazo em moeda doméstica. Isso provoca uma corrida bancária, e, então, finalmente Cambiemos tem que ir pelo controle de capitais para evitar que a situação se deteriore ainda mais.

IM – A Argentina consegue pagar?

EA – Este é o problema. Minha avaliação é que não havia nenhum problema para enfrentar a dívida de curto prazo, inclusive não havia problema nenhum para enfrentar a dívida em 2020. O desafio que a Argentina tem de verdade no horizonte de médio prazo é o vencimento do stand by com FMI. É realmente um nível de vencimento que a Argentina seguramente não pode enfrentar e que o FMI já sabe que certamente implica que o fundo opte por um acordo de mais longo prazo com a Argentina.

Por isso, o reperfilamento pelo qual opta Macri foi lamentavelmente uma decisão que tem mais a ver com especulação política e com especulação da campanha eleitoral, no sentido de evitar uma medida da qual ele foi muito crítico (o controle de capitais). Mas, por colocar em primeiro lugar a questão política, provocou-se um dano muito grande à economia, porque o mercado está vendo que o governo que, em princípio, era o mais market friendly do espectro político, termina colocando em default seletivo uma dívida. Aliás, pela primeira vez na história do país, um governo não paga a dívida que ele mesmo emitiu.

Neste caso, o paradoxo é máximo, lamentavelmente. Parece que assim que essa situação se ordenar, e esperamos que ocorra nas próximas duas semanas, vamos entender como começa a funcionar a economia com essa questão que é muito estranha, que é um controle de capitais mas com a dívida em situação de alto estresse.

IM – Faltam sinalizações de Alberto Fernández ao mercado, tendo em vista as reações das últimas semanas e já que não há concordância com as medidas tomadas por Macri?

EA – É muito paradoxal que todas as medidas que o mercado temia que Alberto Fernández tomasse já foram tomadas por Macri. Que medo poderia ter o mercado? Que em um governo de Fernández a moeda teria uma depreciação muito alta. Já teve. Que outro medo poderia ter o mercado? Que Alberto Fernández impusesse um controle de capitais como os que a Argentina teve no passado. Macri o fez. E que outro medo teria o mercado? Que Alberto Fernández não quisesse pagar a dívida. Macri diz que não vai pagar neste ano.

Parece que a única vantagem disso é que hoje estamos com todos os medos do mercado concretos. Já temos a dívida com problemas, a moeda se depreciou muito e há um controle de capitais. Então, o único positivo é que esse é o piso. Daqui, a única coisa que pode fazer Alberto Fernández é melhorar.

A falta de um sinal claro também ocorre porque é difícil entender em que situação Alberto Fernández vai assumir, porque a economia, desde as eleições primárias até aqui, só se deteriorou.

IM – As medidas vão depender desta avaliação sobre a situação da economia?

EA – Seguramente. E acredito que todos os analistas estamos com uma dificuldade muito grande de entender qual será o ponto de partida, porque, quando há uma corrida bancária, é muito irresponsável fazer uma prospecção. Também seria irresponsável fazer uma projeção sobre a situação da dívida, quando também precisamos entender se o reperfilamento vai ser algo que faça Fernández junto com Macri, sozinho Fernández no próximo governo ou com o FMI. São tantas alternativas que o mercado está um pouco atônito.

IM – É possível negociar com outros possíveis credores, como o caso da China?

EA – Isso não seria uma iniciativa para retirar o FMI da mesa, mas o contrário. O próprio fundo, quando utiliza seu conceito de acesso excepcional, exige que o país tenha fontes alternativas de financiamento. Nesse sentido, é positivo que tanto Macri quando Fernández tentem gerar outra fonte de financiamento, como podem ser organismos multilaterais ou a China.

IM – Muitos analistas observam uma aproximação de Fernández com os governos de Portugal e Espanha. Acredita que esses seriam os modelos do próximo governo argentino?

EA – A visão externa na oposição é a visão de um mundo multipolar, e não unipolar. O principal objetivo da economia argentina é abrir mercados em dois sentidos: o urgente de financiamento externo, mas também no sentido mais estrutural de crescer e poder exportar ao mundo.

Uma visão mais unilateral seria um erro. Acredito que é necessário se aproximar de maneira multilateral do mundo para tratar que a abertura de mercado permita a Argentina não apenas financiar essa fonte para sair desta situação, senão fundamentalmente exportar que não importa a cor ou a orientação de cada analista.

IM – O que esperar de Cristina Kirchner neste governo?

EA – Acredito que Cristina soube eleger alguém, tanto eleitoral como politicamente, que lhe permitiu ampliar seu espectro. Nesse sentido, Cristina se entende como uma parte da coalizão, não como a líder. Isso está ficando bastante claro à posterioridade das eleições primárias, onde o eixo do poder e da discussão passa por Alberto Fernández, e não por Cristina.

IM – Portanto, muito diferente do que se observou no passado?

EA – Sim. Acredito que Cristina fez uma avaliação autocrítica da sua própria trajetória política e seu governo e escolheu uma pessoa como Alberto Fernández, que publicamente a criticou muito. Então, me parece que, na realidade, o que Cristina está dizendo à sociedade com essa eleição de Alberto Fernández é: “eu aprendi com meus erros e quero provar com uma alternativa muito mais abarcadora do que o que foi no passado”. Eleitoralmente funcionou muito bem.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.