Bolsonaro demonstra força com manifestações, mas contrata instabilidade após Previdência

Para entender o recado dado pelas urnas no último domingo, o InfoMoney compilou avaliações de três casas de análise política

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Onze dias após as ruas serem tomadas por atos contra decisão do governo de contingenciar parte do orçamento destinado à educação e em meio à piora nos níveis de avaliação da gestão pela população, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) deu uma demonstração de força no último domingo (26), com milhares de apoiadores se mobilizando em defesa de sua administração e agenda em mais de uma centena de cidades. O pesselista cumpriu a promessa de não comparecer aos atos, mas manifestou endosso por sucessivas vezes ao longo do dia, em um movimento de aproximação, em contraste com o afastamento adotado dias antes.

Além dos esperados ataques à esquerda, desta vez mais tímidos, os manifestantes apontaram os canhões a outros grupos que chamaram de “traidores”. Constavam na lista o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), parlamentares do chamado “centrão”, ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e o MBL (Movimento Brasil Livre) – que não endossou os protestos, por considerar que apoiavam pautas radicais e antidemocráticas, como o fechamento do Congresso e do STF. O movimento que ganhou expressão no impeachment de Dilma Rousseff (PT) foi um dos principais alvos dos presentes.

Os atos também exaltaram as figuras de duas estrelas da Esplanada dos Ministérios de Bolsonaro: os ministros Paulo Guedes (Economia), fiador da reforma da Previdência, e Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), autor do “pacote anticrime e anticorrupção”, em tramitação na Câmara dos Deputados. O endosso à impopular proposta de mudanças no sistema de aposentadorias vigente foi entendido por analistas políticos como um recado que pode ajudar na aprovação da matéria pelos parlamentares, a despeito de um clima mais hostil nas relações entre Executivo e Legislativo.

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Para entender o recado dado pelas urnas no último domingo, o InfoMoney compilou avaliações de três casas de análise política. Eis os destaques:

XP Política

O presidente conseguiu uma boa adesão das ruas, mesmo diante de um cenário de divisões internas e do risco apresentado por pautas radicais. “Bolsonaro cumpriu o papel ontem. Colocou gente na rua e mostrou que tem apoio. Nada muito impressionante, mas tampouco muito diferente do que se esperava. Uma coisa chamou atenção: Sérgio moro e a dependência que logo mais Bolsonaro pode vir a ter da popularidade do ex-juiz”, observam os analistas.

Para eles, os atos de domingo e as respostas dadas pelo presidente afastam as perguntas sobre qual seria a estratégia do governo: distensionar a relação com o Congresso Nacional ou dobrar a aposta e manter algum nível de conflito.

“Não será binária a situação. Bolsonaro vai manter distensionamentos e tensionamentos constantes, é assim que ele faz política. Não se pode dizer que Bolsonaro não mantenha coerência e o discurso de campanha, e, mesmo quando quis sair disso e negociou dois ministérios com Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), sua ala ideológica no governo e família trataram de o lembrar que ele, ao menos em público, não pode aparecer fazendo isso”.

A despeito da hostilidade das ruas ao mundo político, os especialistas não esperam um parlamento acuado por ora. Para eles, as atenções devem se voltar a como os congressistas reagirão aos atos endossados pelo próprio presidente, que havia adotado postura de maior distanciamento durante a semana passada.

“O fato de Bolsonaro ter abandonado a tentativa de se distanciar das manifestações – publicando tweets e mensagens ao longo de todo o domingo – fornece ingrediente para que os já insatisfeitos no Congresso reforcem o clima de animosidade com o Executivo. O parlamento ainda não se convenceu de que pode ser dirigido pelas pressões de ruas e redes insufladas pelo presidente. Enquanto parecer que o governo segue nessa tentativa, o Congresso certamente esperará momentos para tentar mandar seus recados e dar seu troco”, concluem.

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As manifestações foram uma demonstração de força do presidente, embora a adesão provavelmente tenha sido menor do que a dos atos contra os cortes orçamentários da educação. Para os especialistas da consultoria de análise de risco político, embora a tendência de curto prazo seja de um acirramento de tensões com o parlamento, o endosso a agendas específicas, como a reforma da Previdência, surpreendeu e traz um horizonte mais favorável para os anseios do mercado.

“Muitos especialistas (incluindo nós) estavam avaliando os protestos desta semana com um resultado perde-perde para o presidente. Se o comparecimento fosse baixo, apenas reforçaria um capital político dilapidado e ele poderia sair politicamente enfraquecido. Se fosse alto e os manifestantes se voltassem contra os políticos tradicionais, haveria um antagonismo com os parlamentares de centro, de quem o presidente precisa para aprovar sua agenda de reformas. O resultado, porém, foi mais construtivo. O motivo tem menos a ver com a participação e mais com a ótica em torno dos próprios protestos”, pontuam.

“O fato de os manifestantes incluírem publicamente banners em apoio à reforma da Previdência e ao ministro Paulo Guedes (Economia) é significativo. Foi a primeira vez que o presidente usou sua base mobilizada e ideológica de apoio para defender sua principal reforma econômica, e o endosso popular à medida nas ruas ressoaria entre os congressistas mais sensíveis à opinião pública”, avaliam.

A incomum defesa das ruas a uma proposta que restringe benefícios é significativa e funciona como um contrapeso a futuros protestos de opositores, o que pode debelar o risco de contaminação de outras agendas sobre a pauta da reforma previdenciária – caso do próprio contingenciamento de verbas na educação e outras áreas.

Por outro lado, os atos reforçam um ambiente de polarização que vem sendo apontado pelas pesquisas de avaliação de governo. “Bolsonaro parece manter sua base mais leal de apoio, mas perde seus defensores mais moderados. Mas manter uma base de apoio legal, que pode variar de 30% a 40% do público, é significativo. Enquanto as indicações são de que caminhamos para um ambiente mais polarizado, a mensagem do presidente continua a ressoar”, afirmam.

Os ataques promovidos ao mundo político pelos manifestantes, com algum endosso do presidente, por sua vez, intensifica o clima de polarização. Na prática, as expectativas são de que Bolsonaro não consiga construir uma base majoritária sólida no Congresso, ao passo que não deixará de ser ator relevante tão cedo. Para a reforma previdenciária, os impactos negativos seriam limitados, mas os analistas veem dificuldades crescentes para o governo após a aprovação desta proposta.

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As manifestações superaram as expectativas iniciais, mas não alcançaram as marcas dos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff, dos atos em apoio a Bolsonaro no segundo turno das eleições e da mobilização contra os cortes na educação, em 15 de maio.

“Apesar disso, o saldo final pode ser visto como positivo para o governo, principalmente pelo fato de não terem sido apoiadas pelos principais movimentos direita do país como o MBL e o Vem pra Rua. O apoio da população à agenda do governo favorece a aprovação das reformas, reduzindo a pressão que os parlamentares possam sofrer por votar a favor”, pontuam.

Os ataques ao centrão e a Rodrigo Maia, avaliam os especialistas, devem estimular a manutenção da estratégia do governo de usar a conexão com o eleitorado para pressionar os parlamentares a votarem de acordo com as orientações do governo.

“Em situações pontuais, essa tática pode aumentar o poder de barganha do presidente, mas, a longo prazo, tende a gerar um ambiente de desconfiança e dificultar a governabilidade. Neste sentido, os eventos deste domingo não contribuem para a construção de uma base governista sólida no Congresso e devem manter o clima de acirramento na relação entre o Palácio do Planalto e os parlamentares”, projetam.

Por outro lado, os atos, embora relevantes, não reverteram uma tendência mostrada pelas pesquisas de avaliação de governo: a perda de capital político de Bolsonaro entre parte do eleitorado anti-establishment e antipetista que depositou seus votos no pesselista na última corrida presidencial.

“Sem o apoio deste grupo, há riscos para a sustentabilidade do atual governo, podendo até mesmo prejudicar a capacidade de expandir sua influência nas eleições municipais de 2020”, concluem.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.