Menos padrinhos, mais especialistas: novos políticos eleitos lançam processos seletivos para montar equipes

Iniciativa busca aumentar profissionalismo na administração pública e é celebrada por especialistas, mas ainda alimenta ceticismo em segmentos da política tradicional

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A demanda por novos personagens e práticas na política brasileira foi um dos recados mais eloquentes das últimas eleições. A Câmara dos Deputados teve sua maior taxa de renovação em duas décadas, enquanto no Senado Federal três em cada quatro candidatos à reeleição ficaram pelo caminho. Os chamados outsiders também obtiveram sucesso em diversas disputas para governos estaduais. Agora, um mês após a vitória nas urnas, o desafio de muitos deles tem sido mostrar que o recado das urnas foi realmente assimilado e que ações já estão sendo tomadas antes mesmo da posse.

Para quem acompanha política há mais tempo, o atual período de transição de governos e montagem de gabinetes chama atenção pela preocupação de nomes eleitos em se cercar cada vez mais de figuras técnicas e especializadas. Alguns deles decidiram romper com a tradição de nomeações políticas para cargos estratégicos e lançar mão de processos seletivos. Em alguns casos, até empresas especializadas estão sendo utilizadas para melhores resultados. A iniciativa é celebrada por especialistas em administração pública, mas ainda alimenta ceticismo em alas da política tradicional. De qualquer modo, há quem veja a movimentação como tendência.

“Temos visto na administração pública um nível de maturidade maior com relação à gestão e quanto à necessidade de se profissionalizar mais. Nos últimos anos, vemos os governantes olhando com muito mais atenção a questão das pessoas. Afinal, são elas que implementam a gestão”, observa Luana Tavares, diretora-executiva do CLP (Centro de Liderança Pública), instituição voltada à formação de lideranças no setor público.

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Para Luana, os novos gestores públicos estão buscando formas de inovar e atender melhor as demandas da sociedade em um momento de profundo mal estar com os resultados produzidos pela política. Uma das movimentações nesse sentido tem sido a adoção de processos seletivos para o preenchimento de vagas até mesmo no primeiro escalão, normalmente distribuído a partir de critérios políticos. É o que já se observa nas equipes de transição para os governos de Minas Gerais, com Romeu Zema (Novo), e Rio Grande do Sul, com Eduardo Leite (PSDB).

No caso mineiro, o governador eleito optou por uma parceria com duas firmas especializadas em recrutamento de pessoal (a Exec e a ABF/Elogroup, que estão atuando voluntariamente) para escolher os profissionais que assumirão cargos de chefia em pastas setoriais na gestão. “Eles listam pessoas com competências e habilidades suficientes para enfrentar os grandes desafios do Estado, para que eu possa escolher entre elas as melhores opções para compor meu secretariado”, explica Zema. Até agora, já foram divulgados os nomes dos escolhidos para ocupar a Secretaria de Fazenda, Gustavo Barbosa, e a Secretaria de Planejamento e Gestão, Otto Levy. Barbosa foi indicado por Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e atual guru econômico do Partido Novo, mas precisou passar por avaliação técnica das empresas de seleção.

No caso gaúcho, o governador eleito Eduardo Leite está participando pessoalmente da organização de um processo mais técnico para a contratação de profissionais para sua equipe. “O que estamos fazendo é um processo de ‘busca ativa’, em que uma agência externa esta identificando em diversas redes currículos de pessoas com disposição e disponibilidade para as áreas de saúde e educação. É uma forma de ampliarmos nossas opções, em busca dos melhores quadros técnicos”, afirmou por meio de sua assessoria de imprensa.

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A ousada iniciativa exige adaptação do establishment político e nem sempre pode ser muito bem recebida, sobretudo no caso de governadores eleitos por coligações modestas. Em um país em que a regra do sistema político são as taxas recordes de fragmentação partidária, os desafios da governabilidade se fazem ainda maiores e o risco de retaliações existe. Mesmo assim, há quem observe uma janela de oportunidade para o aprimoramento da profissionalização da gestão, estabelecendo canais de diálogo e sem menosprezar a importância da política nos processos.

“Vai ser um grande desafio e algo sem muito precedente, porque é uma inovação tando em gestão como em política. Mas acho que a questão de fazer processo seletivo não necessariamente significa não olhar para o processo político”, afirma Luana. A especialista lembra que países com modelos mais profissionais de gestão pública, como o Reino Unido ou até mesmo o Chile, conseguem conciliar as duas pontas.

“No final, a decisão é política, mas o critério muda. Os partidos podem manter o equilíbrio e estabelecer diálogo, mas ainda assim adotar critérios técnicos para essas decisões”, complementa. Por mais que a palavra final possa ficar com a política, a simples adoção de processos seletivos já auxilia na escolha de quadros mais capacitados para as funções a serem desempenhadas.

Deputados também inovam

A implementação de processos seletivos também aparece no Poder Legislativo, com deputados eleitos abrindo mão de nomeações meramente políticas em posições-chave de seus gabinetes. É o caso de Felipe Rigoni (PSB-ES), segundo capixaba mais votado para a Câmara dos Deputados. Na semana passada, o deputado eleito abriu inscrições para as vagas de assessor de comunicação e imprensa; secretário parlamentar; assessor de processos legislativos e emendas; assessor de relacionamento; assessor de fiscalização e análise de dados; e auxiliar de relacionamento.

Rigoni, primeiro cego eleito deputado federal, defende a meritocracia no setor público, tornando mais justa a distribuição de oportunidades no país e fazendo com que todo o sistema se torne mais transparente e ético. O parlamentar argumenta que é necessária uma nova forma de se fazer política e que reformas administrativas como essa caminham na direção demandada pela sociedade. As inscrições ficarão abertas no site de Rigoni até 3 de dezembro. O processo conta com quatro etapas, sendo a última uma entrevista com o próprio deputado eleito.

Outro a adotar processo seletivo para a formação de equipe é o deputado federal eleito Vinicius Poit (Novo-SP). Segundo a assessoria do parlamentar, as vagas serão preenchidas de acordo com critérios como capacidade de entrega, histórico de resultados, qualificação técnica, espírito empreendedor e propósito de transformação. Além de técnico, Poit promete um gabinete enxuto, com apenas metade do total de vagas disponíveis preenchidas.

“Com um número de assessores reduzido, a alta qualificação se faz ainda mais necessária para conseguirmos chegar aos resultados que queremos no Congresso Nacional”, afirma. “Tenho certeza que estamos dando um primeiro passo para que, em breve, as indicações meramente políticas acabem. Precisamos de gente qualificada, motivada e capaz de fazer a diferença. Só assim teremos um governo mais eficiente”. A etapa de análise de currículos já começou, mas ainda é possível se inscrever no processo pelas páginas do deputado eleito nas redes sociais.

Na Assembleia Legislativa de São Paulo, o recém-eleito Daniel José (Novo) também resolveu seguir o caminho dos processos seletivos para a montagem de seu gabinete. “Durante esse período pós-eleições, estudamos bastante como é o processo legislativo para compor o gabinete, quais são os perfis que precisamos e entendemos melhor como um deputado estadual pode fiscalizar muito bem o Executivo e faremos isso através de data science. Seremos um gabinete Data Driven – sendo possível ter uma visão de 360 graus de todo o mandato, ouvir e compreender a sociedade, mensurar estratégias de atividade legislativa, identificar qual o nicho e qual o perfil do público que será atingido”, explicou.

“Após definir o objetivo do mandato, desdobramos em duas vezes a nível de tarefas, decidindo as posições realmente necessárias, uma vez que o Novo tem um corte de verba de gabinete de 50%, além do fim dos privilégios políticos para seus eleitos”, disse. O processo seletivo para o gabinete do deputado estadual abrirá em dezembro. Mais detalhes serão publicados em suas redes sociais.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.