Fernando Gabeira: é necessário ter uma visão construtiva com Jair Bolsonaro

Em entrevista ao Podcast da Rio Bravo, jornalista aponta que os eleitores do candidato do PSL não são as pessoas descritas nas visões alarmistas e afirma ainda que uma autocrítica da esquerda seria estratégica

Lara Rizério

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SÃO PAULO – Deputado federal durante 16 anos, entre 1995 e 2011, e atualmente na GloboNews, Fernando Gabeira nunca deixou de fazer política e de manifestar as suas opiniões. Em entrevista ao podcast da Rio Bravo, o jornalista fez um grande diagnóstico sobre a situação política nacional e os caminhos a serem enfrentados nos próximos anos em um ambiente de alta polarização.

Filiado ao PT até 2003 e colega de Jair Bolsonaro por 16 anos na Câmara dos Deputados, Gabeira faz uma crítica da esquerda ao mesmo tempo em que destaca os pontos que fizeram a população aderir à candidatura do nome do PSL, que não despertava tanta atenção entre os políticos até pouco tempo atrás. 

Sobre isso, Gabeira lembra de seus anos de convivência com o deputado, apontando que está acostumado a discutir com ele em muitas circunstâncias e ainda apontou a estratégia usada para falar com ele. “A de tentar entendê-lo, não só por ele ou pela amizade que possa existir entre nós, mas pelo fato de ele representar uma parte considerável da população.” 

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De acordo com o ex-deputado, por conta disso, é necessário ter uma visão construtiva com Bolsonaro: “Se você parte pra ideia de que é ele um fascista, nazista, perde o contato com a possibilidade não só de falar com ele, mas com os eleitores dele também. E os eleitores dele não são as pessoas descritas nessas visões alarmistas”. 

Já sobre a esquerda, mais especificamente sobre o PT, Gabeira aponta que uma autocrítica seria uma visão estratégica. “Ainda que perdesse as eleições agora, ela podia te capacitar para fazer uma oposição e recuperar a importância estrategicamente, mas as pessoas não pensam muito a longo prazo, porque elas são muito dependentes também do poder imediatamente”, afirmou. 

Confira a entrevista abaixo: 

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Rio Bravo: Muito tem se falado nessas eleições a respeito da polarização política na sociedade brasileira. De repente, essa disputa transcendeu a conversação eleitoral, alcançando desde as relações de amizade até os vínculos familiares. Como é que nós chegamos a este estado de coisas?

Fernando Gabeira: O primeiro aspecto que nós devemos considerar para a chegada a esse estado de coisas é se afastar um pouco do julgamento e observar a base técnica em que nós nos movemos. Nas eleições passadas, os candidatos falavam para um público mais ou menos passivo. Eles faziam comícios, faziam corpo a corpo e no máximo interagiam com os eleitores nas reuniões de casas de família. Hoje não, hoje os eleitores falam entre si, compartilham ideia, então a eleição se tornou muito mais democrática, envolveu muito mais as pessoas do que envolveria no passado. Às vezes, no passado, um pequeno grupo fazia campanha, mas não havia um envolvimento maciço em torno da eleição presidencial.

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Portanto, eu acho que embora pareça um pouco mais árida, um pouco mais aristosa essa campanha, ela é, de uma certa maneira, mais democrática na medida em que representa um nível de participação maior. Quanto às diferenças, não há ainda no Brasil uma educação política, que vai se formando com o tempo. Essa educação política, um dos pontos que talvez o Brasil possa olhar é para onde ele ainda teve uma escola de política, digamos assim, mais elaborada, que é Minas Gerais. Em Minas Gerais, existe uma frase muito importante que orientaria uma politica mais tranquila. Essa frase é a seguinte: “As ideias brigam, as pessoas não”.

Então, quando nós nos acostumarmos à briga de ideias e separar da briga das pessoas, isso vai ser um avanço político muito grande, o que só se alcança com o tempo mesmo.

Rio Bravo: A despeito de quem sai vencedor nas urnas no próximo domingo, o Brasil dá conta de suportar mais quatro anos nesse clima de polarização?

Fernando Gabeira: Dependendo das circunstâncias, é possível que o clima de polarização arrefeça, porque na verdade ficou bastante claro e fica bastante claro que o primeiro aspecto a se analisar numa eleição é confiar na boa fé dos eleitores, confiar na boa fé do Brasil ao escolher a sua opção democraticamente. O primeiro aspecto de importância também no que vai ser visto adiante é fazer com que as coisas avancem, fazer com que o Brasil avance. Isso não significa que não exista oposição, a oposição pode fazer com que o Brasil avance mais ainda do que avançaria.

Eu não creio que no período imediatamente após esse processo haja uma radicalização por parte da esquerda, porque ela vai ser, de uma certa maneira, forçada a fazer uma avaliação da sua trajetória, a rever alguns conceitos, a melhorar os seus argumentos, a estudar um pouco mais. Enfim, são coisas que acontecem em todas as eleições enquanto você não obtém o respaldo da maioria da população.

Rio Bravo: A propósito disso, em relação ao Partido dos Trabalhadores, muito se falou também sobre uma autocrítica que o PT deveria ter feito. Na sua leitura, esse movimento surtiria algum efeito junto ao imaginário dos eleitores?

Fernando Gabeira: É uma situação muito difícil. Uma autocrítica para o PT dependeria de algumas circunstâncias. Ela não poderia ser tão arrasadora a ponto de derrotá-lo previamente nas eleições, mas ela não poderia ser tão superficial a ponto de parecer apenas uma desculpa esfarrapada.

Vendo de fora, a minha opinião é de que uma autocrítica seria uma visão estratégica. Ainda que perdesse as eleições agora, ela podia te capacitar para fazer uma oposição e recuperar a importância estrategicamente, mas as pessoas não pensam muito a longo prazo, porque elas são muito dependentes também do poder imediatamente.

Rio Bravo: Ao longo da campanha, a sua participação como entrevistador foi bastante criticada, exatamente por tentar compreender o candidato Jair Bolsonaro. Qual é a sua leitura da ascensão de Bolsonaro como um fenômeno político?

Fernando Gabeira: Eu acho interessante que critiquem, talvez por não saberem bem, mas eu tenho uma convivência com ele de 16 anos. Eu estou acostumado a discutir com ele em muitas circunstâncias, então eu tenho uma tática para lidar com o Bolsonaro diferente da tática que eles optaram. Eu tenho uma tática de tentar entendê-lo, não só por ele, pela amizade que possa existir entre nós, mas pelo fato dele representar uma parte da população considerável.

Mesmo quando ele não era um candidato bem sucedido, ele já expressava coisas que quem anda nas ruas do Brasil sabe que as pessoas pensam também, então é necessário ter com o Bolsonaro, no meu entender, uma visão construtiva, porque se parte para a ideia de que é um fascista, que é um nazista, você perde um pouco o contato com a possibilidade realmente de não só falar com ele, mas falar com os eleitores dele também, porque os eleitores dele não são essas pessoas que são descritas nas visões alarmistas. Já se disse que o Brasil é insano, que essas pessoas são fascistas… Eu acho que é preciso pensar bem e conhecer bem o que está por trás desse apoio.

A segunda parte da pergunta, sobre o fenômeno, evidentemente que eu percebi alguma coisa. Eu percebi, em primeiro lugar, que ele percorria o Brasil falando contra a corrupção e isso era um dado que o fortalecia muito. Como eu ando muito pelo Brasil, eu percebia também como estava crescendo o prestígio dele, algo que as redes também confirmavam. Então, esse fenômeno foi também dependente da disposição dele de correr o Brasil falando em dois temas para os quais o PT não tem resposta. Um deles é a corrupção e o outro é a segurança pública. Não há uma resposta estruturada do PT para combater a visão de segurança pública dele, que tem, no meu entender, inúmeras falhas.

Surgiu no Brasil, há bastante tempo já, pensadores de direita que ocuparam um espaço importante, surgiram também jovens liberais discutindo na internet, propagandistas, gente que discutia a questão de costumes, toda uma corrente de direita mais intelectualizada e mais dona dos seus argumentos.

A esquerda não conseguiu responder isso à altura. Pelo contrário, ela de uma certa maneira foi uma presa fácil desse novo movimento intelectual de direita que acabou respaldando muito o Bolsonaro nas redes.

Rio Bravo: Outros partidos não teriam alternativas para a segurança pública e para a questão da corrupção?

Fernando Gabeira: O problema é o seguinte: todos os partidos, de alguma forma, disseram que são contra a corrupção, mas quando diz que é contra a corrupção num partido como o PSDB, por exemplo, que teve o seu presidente investigado, que teve vários casos denunciados, a força não é a mesma. O próprio combate ao PT não foi sólido da parte do PSDB, porque ele também se sentia vulnerável nesse campo.

Os outros partidos que eventualmente entraram, a Marina [Silva, da Rede] tem outras propostas, mas veio com um discurso do desenvolvimento sustentável. Algo que é muito importante, até garantiu o Prêmio Nobel a dois economistas há cerca de duas semanas; no entanto, não era essa a questão que interessava à grande massa dos brasileiros. A questão que interessava era a corrupção, o sistema político partidário apodrecido que precisava ser sacudido e a questão da segurança pública.

Em terceiro lugar, interessava também e havia uma discussão teórica sobre o papel do Estado, qual é a necessidade do Estado de ser enxugado, se o Estado tinha ou não atribuições adequadas. Enfim, é a discussão em torno do liberalismo e da visão estatizante, mas essa é uma camada mais intelectualizada. Na camada mais popular mesmo, a questão da corrupção, da segurança pública, as duas questões tiveram um peso maior, no meu entender.

Rio Bravo: O número de candidatos à Presidência da República tornou a concertação e a possibilidade de construção de pontes ainda mais difíceis?

Fernando Gabeira: O problema da construção das pontes é o problema também de você ter uma ideia determinada. O que dificultou o caminho do centro não foi propriamente a desunião, porque se um dos candidatos tivesse se destacado certamente ele poderia pedir o apoio dos outros e tentar fazer uma aglutinação. Isso não aconteceu, porque na verdade o centro não apresentava resposta para essas questões que estão colocadas. Não havia respostas claras…

O [Geraldo] Alckmin, por exemplo, falava uma linguagem que talvez fosse uma linguagem importante no passado, dizer o que ele fez, o que ele construiu, as coisas boas que ele ia trazer, mas não era essa propriamente a temática da eleição. A temática da eleição era o que fazer com a segurança pública rapidamente, o que fazer com a corrupção, e isso não foi colocado.

Rio Bravo: Qual é o impacto das mídias sociais no acirramento da disputa política?

Fernando Gabeira: Na verdade, nós estamos vivendo uma continuidade de um movimento que teve muita repercussão nas mídias sociais, que foram aquelas manifestações de 2013. Depois, em 2015, as manifestações que eram, basicamente, pedindo bons serviços públicos em troca do imposto que se paga, elas se afunilaram na luta contra a corrupção e, mais tarde, a favor do impeachment da Dilma.

São movimentos que já demonstravam a força das mídias sociais, são movimentos que não foram muito desenvolvidos na imprensa, eles surgiram um pouco surpreendentemente para quem faz a cobertura diária.

Então havia já alguma coisa na sociedade que a própria existência das mídias sociais mostrava uma capacidade de mobilização e uma indignação com a situação do país bastante ampla, não foram as mídias.

O que justifica a presença e a constância do debate político nas mídias sociais é exatamente a gravidade da situação política. A resposta não está nas mídias, está no país. As pessoas se cansaram de ver os problemas do país e passaram a se comunicar mais e trocar ideias e viram nas eleições uma maneira de dar uma resposta coletiva.

Rio Bravo: Como é que o Brasil sai desse impasse? Ou seja, como é que possível restabelecer essa conversação política no país?

Fernando Gabeira: Quando a pessoa deixa de ser candidato e se torna o presidente do país, ela se torna o presidente de todos os brasileiros, então a conversa é diferente. É preciso ter um outro tom. Eu acho que se houver um outro tom já ajuda.

Da mesma forma, eu espero que a esquerda faça uma avaliação da sua atuação e do próprio comportamento do eleitorado e procure, de uma certa maneira, falar com esse eleitorado também. Falar no sentido de que é possível, de muitas formas, atenuar um pouco, ajustar um pouco, até modificar algumas propostas que surgiram no auge da polarização. Acredito que, dadas as circunstâncias do Brasil, as dificuldades que nós temos e a necessidade de superar essa crise, recuperar o crescimento do país, todos serão responsáveis por um clima de produtividade. Essa preocupação deveria ser de todos.

Uma oposição do tipo “quanto pior, melhor” é muito voltada para a tomada do poder, quando na verdade nesse momento uma oposição que teria melhores resultados seria uma oposição que provocasse correções ou até alterações para melhor nas propostas do governo.

Rio Bravo: Seja quem for o vencedor, você observa esse movimento de conciliação acontecendo?

Fernando Gabeira: Infelizmente, esse movimento já não é totalmente observado. Há momentos conciliatórios e há momentos de radicalismo de novo, como na mensagem que Bolsonaro gravou e foi passada numa manifestação na Paulista ou como a expressão do Haddad dizendo que o Bolsonaro era um anticristo e devia ser varrido da face da Terra. Desaparecendo o tom de campanha e aparecendo para nós agora as grandes tarefas de reconstrução, a expectativa é de que todos compreendam a gravidade da situação do Brasil e avancem.

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Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.