Haddad atacado, dobradinhas e “incêndio no posto Ipiranga”: 2 análises sobre o debate na TV Aparecida

Encontro tem tom morno, mas indica estratégias dos candidatos à presidência para o sprint final da corrida eleitoral

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Na noite de ontem, sete dos principais candidatos à presidência participaram de debate promovido pela TV Aparecida e pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). O encontro marcou a estreia de Fernando Haddad (PT), oficializado candidato substituto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na disputa, e teve novamente a ausência de Jair Bolsonaro (PSL), que se recupera de ataque a facada sofrido duas semanas atrás, durante ato de campanha em Juiz de Fora (MG). Com uma estrutura que impedia a escolha de enfrentamentos pelos candidatos, o debate teve tom morno, mas deu indicações relevantes sobre as estratégias de cada um para as duas semanas que antecedem o primeiro turno.

Haddad foi alvo de Geraldo Alckmin (PSDB), Álvaro Dias (Podemos) e Henrique Meirelles (MDB), enquanto Ciro Gomes (PDT) procurou se diferenciar do petista sem repelir o eleitorado de seu adversário no campo da esquerda. O pedetista protagonizou “dobradinha” com Marina Silva (Rede) e até fez referência a Guilherme Boulos (PSOL) em tema na área de habitação, embora tenha divergido do adversário sobre regulamentação dos meios de comunicação. A estratégia é tentar atrair o chamado “voto útil” no sprint final para garantir uma vaga ao segundo turno.

Ausente no debate, Bolsonaro foi lembrado em alguns momentos pelos adversários. Em um dos principais momentos Marina e Meirelles atacaram o parlamentar e seu guru econômico, Paulo Guedes, sobre a ideia ventilada da criação de um imposto similar à extinta CPMF. O assunto gerou ruído na campanha de Bolsonaro, que usou as redes sociais para tentar desfazer o mal-estar gerado. “Já no começo da história eu vejo que está acontecendo um incêndio no posto Ipiranga”, ironizou a ex-senadora.

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A despeito de algumas farpas trocadas, os ataques observados neste debate foram acima da linha da cintura, mas reforçam estratégias que os candidatos devem adotar nos próximos dias, decisivos para a corrida presidencial. Para entender um pouco melhor os impactos do evento e os sinais que o encontro transmitido pela TV Aparecida dá para o futuro da disputa, o InfoMoney ouviu dois analistas políticos. Veja as avaliações a seguir:

João Villaverde, analista sênior de Brasil da Medley Global Advisors (MGA)
O debate tinha potencial para ser quente, por conta da proximidade das eleições, da estreia de Fernando Haddad (PT) e do acirramento da polarização confirmado pelas pesquisas. Mas o formato não ajudou. Com perguntas muitas vezes voltadas a temas morais e feitas de forma ampla, os candidatos tinham respostas fáceis. Um exemplo foi a pergunta inicial: “É possível retomar o caminho da ética?”. Quem, em sã consciência, responderá que não?

Mesmo morno, o debate serviu para alguns pontos muito importantes, que somente ficaram claros quando houve perguntas e respostas entre eles.

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As estratégias desse sprint final ficaram claras.

Haddad de fato estreou e foi o alvo predileto de Alckmin, Álvaro Dias, Henrique Meirelles e também Ciro Gomes. Ao finalmente ter um candidato encarnando o PT e por já estar em segundo nas pesquisas tendo apenas uma semana de campanha, Haddad gastou parte importante do debate respondendo a questionamentos duros. Nada surpreendente, diga-se. Assim como todos estavam preparados para atacá-lo, ele estava preparado para contra-atacar.

Haddad seguiu a cartilha a ele definida: atacou a reforma trabalhista e a PEC do Teto dos Gastos, ligou Geraldo Alckmin (PSDB) ao impopular presidente Michel Temer e nada disse sobre Jair Bolsonaro. A estratégia é clara, dado que Bolsonaro é o rival preferido para o segundo turno, por isso tem sido preservado pela campanha oficial petista.

Alckmin, instado a responder Haddad sobre a comparação com Temer, imediatamente sacou sua resposta mais dura: “Quem escolheu Temer foi o PT. Temer era vice da Dilma. Quem o escolheu foi o PT, duas vezes, em 2010 e em 2014”. Mais adiante, Alckmin foi enfático, pela primeira vez, buscar uma diferenciação com o governo Temer: “Olha, o governo Temer fracassou totalmente”.

Foi também contra Haddad que, pela primeira vez, Henrique Meirelles (MDB) proporcionou um momento digno de nota de sua campanha, ao alertar o candidato do PT que a crise econômica iniciada em 2014 foi resultado de política econômica da ex-presidente Dilma Rousseff. Reforçou o tema principal de sua campanha (“em tempos de crise, chame o Meirelles”) e ainda reforçou a comparação entre Haddad e Dilma.

Tendo colocado mais de R$ 45 milhões de seus próprios bolsos em sua campanha e tendo o terceiro maior tempo de TV e rádio, mas recolhendo apenas 2% dos votos, Meirelles também aproveitou uma pergunta a Marina Silva para criticar Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Foi uma decisão acertada, que ambos, Meirelles e Marina, devem usar em suas campanhas nos próximos dias.

Marina, aliás, serviu para fazer boas tabelinhas. Com Meirelles, aproveitou a levantada de bola e retribuiu: ambos criticaram pesadamente a de fato estranha combinação entre, de um lado, um economista liberal da Universidade de Chicago que deseja aumentar impostos para o Estado, e de outro um candidato que, em temas econômicos, costumeiramente votou com as bancadas de esquerda na Câmara dos Deputados.

Antes, Marina bateu bola com Ciro Gomes sobre saúde pública. Ciro, aliás, fez questão de demarcar seu campo, na delicada situação de terceiro colocado: tentando ganhar o campo da esquerda, mas sem alienar o eleitor de centro que renega o apoio ao PT. Assim, portando uma gravata vermelha, Ciro criticou Haddad por defender uma reforma tributária que “o PT teve 14 anos para fazer e não fez”. Elogiando Boulos, disse ser contrário à regulamentação dos meios de comunicação. A estratégia de “meio lá e meio cá” está clara e foi pela primeira vez testada ontem.

Cada um à sua maneira, também Alckmin e Marina Silva buscam essa estratégia. A Ciro, Alckmin e Marina Silva resta apelar para o voto útil do eleitorado que agora é exposto a ideia de que o segundo turno caminha para ser entre Haddad e Bolsonaro.

De modo geral, o debate reforçou as estratégias que os candidatos levarão para as ruas e para os meios de comunicação nessa reta final. Dificilmente o eleitor muda de voto por conta de debates, que servem mais para “pregação para convertidos”, isto é, para o eleitor confirmar que votará no candidato X e não no candidato Y.

 

Lucas Fernandes, analista político da Barral M. Jorge
Na estreia de Haddad nos debates televisionados, o PT foi o principal alvo de críticas dos adversários – estratégia oposta ao que ocorreu nos outros programas, onde os presidenciáveis optaram por críticas veladas para não fortalecer o nome de Lula. O crescimento de Haddad nas pesquisas e a ausência de Bolsonaro são os principais fatores que estimularam os ataques ao petista. Em sua maioria, os argumentos usados de um lado e de outro foram batidos – enquanto Haddad fez questão de destacar o governo Lula e dizer que os erros de Dilma foram potencializados pela sabotagem do MDB e do PSDB, Alckmin e Ciro questionaram a falta de autocrítica do PT e o legado de corrupção, desemprego e déficit público.

A dinâmica de sorteio das perguntas deu um clima monótono para o debate e reduziu o número de enfrentamentos entre os principais candidatos. Vale destacar que os debates não costumam ser determinantes para a decisão dos votos, já que os telespectadores destes programas costumam ter suas preferências políticas cristalizadas. Normalmente o conteúdo dos debates costuma ser usados como material de campanha (contra e a favor) e viralizar na internet, entretanto, até o momento não houve grande repercussão nas redes sociais.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.