Lula pode usar fundo eleitoral e ter propaganda na TV? Decisão no Pará reabre polêmica

Tese da "inelegibilidade chapada" volta ao debate após TRE-PA impedir uso de recursos públicos de campanha por candidato a deputado estadual condenado em segunda instância

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Uma decisão liminar da Justiça Eleitoral no Pará pode reaquecer um debate sobre a aplicação de sanções contra candidatos em clara impossibilidade legal de disputar eleições antes mesmo de uma decisão final sobre seus pedidos de registro. A chamada condição de “inelegibilidade chapada” ganhou destaque há alguns meses em meio às discussões sobre a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na corrida presidencial de outubro. O petista está preso há mais de quatro meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro após condenação em segunda instância e está potencialmente inelegível pela Lei da Ficha Limpa.

O juiz federal Arthur Pinheiro Chaves, do TRE-PA (Tribunal Regional Eleitoral), na última quinta-feira (23), deferiu parcialmente um pedido liminar do Ministério Público Eleitoral contra o candidato a deputado estadual Mauro Cezar Melo Ribeiro (PRB) e determinou o impedimento de utilização de recursos do fundo partidário e do fundo especial de financiamento de campanha por sua campanha. Em 2003, o atual candidato foi condenado em segunda instância por usurpação de função pública, pena que cumpriu e teve extinta punibilidade em março de 2016 por indulto. A partir desta data, diz o magistrado, teria começado a contar o prazo de oito anos de inelegibilidade para Ribeiro, conforme prevê a Lei da Ficha Limpa:

Art. 1º São inelegíveis:
I – para qualquer cargo:
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes: (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;

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Em sua decisão monocrática, o magistrado do Tribunal paraense define o conceito da “inelegibilidade chapada” como uma inelegibilidade patente, “quando é evidente e incontroverso o impedimento jurídico da pessoa se candidatar a um cargo eletivo”, o que “não admite, portanto, maiores digressões acerca de sua configuração”. No caso específico, ele diz não haver mais possibilidade de qualquer valoração do caso pela Justiça Eleitoral, o que justificaria o impedimento prévio de uso de recursos públicos para campanha, ainda que o processo eleitoral não tenha transitado em julgado. Segundo o juiz federal, a extinção da pena por indulto não elimina os efeitos da inelegibilidade de candidatos condenados.

Advogados eleitorais consultados pelo InfoMoney veem similaridade entre o caso Mauro Cezar Melo Ribeiro e o envolvendo o ex-presidente Lula no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). O pedido de registro de candidatura do petista, alvo de 16 impugnações, ainda está sob análise do Tribunal, com a relatoria distribuída ao ministro Luís Roberto Barroso. O processo está na fase das alegações da defesa e pode ser julgado na primeira semana de setembro.

“A decisão do TRE-PA é reflexo de todo o debate que vem sendo alimentado no caso Lula. Destaco a posição do ministro Fux em que utiliza a expressão ‘inelegibilidade chapada’. Esse registro nasce como caso clássico de inelegibilidade, taxativo, de discussão objetiva, em que o requisito maior de plano já aparece excluído, que é o requisito da Lei da Ficha Limpa”, observa Marcones Santos, especialista em Direito Constitucional.

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“Isso nos remete a outro princípio do Direito, de que o acessório caminha com o principal. Se há um caso clássico de ‘inelegibilidade chapada’, não há o acessório. O recurso do fundo é um acessório ao registro, ele só tem um sentido, que é viabilizar uma candidatura. Se não há candidatura registrada, não se pode permitir acesso ao fundo”, complementa o especialista.

Leitura similar tem a advogada eleitoral Karina Kufa, professora e coordenadora do curso de especialização em direito eleitoral do IDP-SP. Para ela, tal aplicação também evita o uso de recursos públicos em campanhas de candidatos que sabidamente serão impedidos de disputar eleições. A especialista, contudo, faz uma ressalva: “Neste caso, vejo a possibilidade de a Justiça Eleitoral barrar os recursos públicos para a candidatura, já que é um prejuízo sem retorno. Isso não se aplicaria em inelegibilidades incertas”.

Para o professor de Direito Eleitoral Marcos Ramayana, a decisão vinda do TRE-PA foi correta. Ele compara a distribuição de recursos do fundo eleitoral à legislação que trata da captação de recursos por vaquinha virtual, o chamado crowdfunding. Neste caso, a liberação dos recursos doados por pessoas físicas está condicionado ao registro da candidatura. A Lei 13.488/2017, que altera a Lei das Eleições (9.504/1997) prevê:

Art. 22-A § 3º Desde o dia 15 de maio do ano eleitoral, é facultada aos pré-candidatos a arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei, mas a liberação de recursos por parte das entidades arrecadadoras fica condicionada ao registro da candidatura, e a realização de despesas de campanha deverá observar o calendário eleitoral.

“Se o candidato só pode pegar esse dinheiro com a candidatura deferida, é muito mais importante que essa interpretação seja também vinculada ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que trata de recursos públicos. Ele tem que ser tratado com maior cautela”, defende Ramayana.

“A decisão do TRE-PA já leva em conta essa necessidade de preservação do dinheiro público, para que ele não seja distribuído a um candidato que daqui a alguns dias terá seu registro indeferido. E seria muito mais difícil recuperar os recursos. Trata-se de uma decisão que merece toda a consideração jurídica”, elogia. O professor argumenta que tal entendimento deve valer para o fundo eleitoral e a distribuição de tempo de rádio e TV entre candidatos.

Para Ramayana, embora a Constituição Federal garanta autonomia aos partidos para definir suas estruturas internas e distribuição de recursos recebidos, o fundo eleitoral foi constituído por lei e pode aplicar, por analogia, regras estabelecidas para o financiamento coletivo e que não estão claras na legislação que trata do FEFC. O especialista defende que a questão equilibre duas interpretações: a liberdade partidária e a correta utilização dos valores para candidatos elegíveis, dentro de um período razoável.

O debate, porém, está longe de um consenso no meio jurídico. Para o advogado eleitoral Cristiano Vilela, a decisão do TRE-PA deve reacender o debate sobre a tese da “inelegibilidade chapada”, mas ele acredita na possibilidade de uma reversão no próprio colegiado ou no TSE.

Ele entende que restrições de acesso aos recursos dos fundos partidário e eleitoral e ao tempo de televisão só devem ocorrer após o trânsito em julgado do processo eleitoral. “Enquanto perdurar a possibilidade de recursos, a legislação é clara que não existe essa possibilidade. O caso do Pará foge totalmente à jurisprudência da justiça eleitoral e deve ter decisão reformada”, observa.

Vilela observa que pedidos de cautelares para restringir acesso aos recursos públicos é postura recente adotada pelo Ministério Público. “Em eleições anteriores, jamais se cogitou questão nesse sentido. A jurisprudência e a lei são claras, que se pratiquem todos os atos de campanha até que se chegue a uma conclusão do caso. Uma guinada, especialmente durante o processo eleitoral, é muito ruim para as instituições”, conclui.

O quadro ainda é de indefinição sobre os caminhos que a Justiça Eleitoral deve adotar. Mas vale destacar duas diferenças entre os casos de Mauro Cezar Melo Ribeiro e Lula. No primeiro, já havia condenação com trânsito em julgado e cumprimento de pena. No segundo, ainda cabem recursos nas cortes superiores, embora o réu já esteja preso. Além disso, a decisão na situação do Pará foi tomada pelo relator no TRE local, ao passo que o caso do ex-presidente tramita no TSE.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.