Como o Judiciário tornou-se foco de instabilidade e um dos maiores inimigos do ajuste fiscal?

Sucessivos episódios no apagar das luzes de 2017 reforçam uma corte no auge da fragmentação e em choque com demais poderes

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – As últimas movimentações do Supremo Tribunal Federal no ano reforçam a imagem de uma corte profundamente dividida. A imagem dos onze supremos nunca foi tão ilustrativa da atual conjuntura da instância máxima do Judiciário brasileiro. Embora parte da academia aponte para os benefícios do dissenso em termos da qualidade da disputa argumentativa, outros chamam atenção para a ambiguidade em entendimentos recentes da corte. Posições contraditórias sucessivas em casos como o recente “tranca e solta” de investigados em operações evidenciam uma instituição imprevisível e que põe em risco a própria jurisprudência e segurança jurídica. A depender do ministro sorteado, a decisão pode ser uma ou outra. No que tange à operação Lava Jato, o abismo é ainda maior, com o relator Luiz Edson Fachin colecionando algumas derrotas importantes nos últimos dias.

Só na última terça-feira, por cinco votos a quatro, os magistrados decidiram tirar do juiz federal Sergio Moro parte da investigação sobre políticos do PMDB pelo suposto crime de integração de organização criminosa, sem foro privilegiado. O ministro Gilmar Mendes decidiu, em caráter liminar, que a polícia não pode cumprir mandado de condução coercitiva sem que o investigado tenha sido anteriormente convocado a depor. Já o ministro Luís Roberto Barroso decidiu enviar para a primeira instância um inquérito instaurado contra o deputado federal Rogério Marinho (PMDB-RN), com base em um entendimento da maioria da corte, em julgamento ainda não concluído, de restrição do alcance do foro privilegiado para supostos crimes cometidos no exercício do mandato.

O excesso de decisões monocráticas e os resultados apertados reforçam tal interpretação de uma corte dividida e, muitas vezes, contraditória, imprevisível. Em participação no programa Conexão Brasília, pela InfoMoneyTV, o jurista Pedro Serrano já chamava atenção, em outras circunstâncias, para um esvaziamento de sentido da Constituição promovido pelo próprio STF. O processo começa a se intensificar com as crescentes intervenções da corte sobre a atividade política e questões cotidianas da vida em sociedade, tudo isso sob uma postura populista. “Quando o Judiciário passa a agir de acordo com o senso comum — que muitas vezes é moralista –, de acordo com a turba, com o desejo da sociedade, veiculado pela imprensa, ele acaba com o sistema que foi criado no pós-guerra, a ideia de que se deve haver direitos acima desse tipo de maioria. Ele acaba instaurando novas normas jurídicas, como se fosse agente político e agindo com excesso de poder no sistema, desequilibrando a relação entre os Poderes”, observou Serrano na entrevista concedida em outubro.

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No caso da decisão individual do ministro Barroso, há possibilidade de desgastes internos. Por mais que o placar estivesse consolidado, o julgamento usado como jurisprudência ainda não foi concluído, devido a pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Embora o movimento do magistrado tenha sido combinado com alguns colegas, novos atritos podem ser inevitáveis, como se observou entre o mesmo ministro e Gilmar Mendes novamente na véspera. A movimentação em acordo com os anseios de parcela majoritária da opinião pública contribui para piorar o clima no tribunal e acirra a tensão que começava a ser controlada em relação ao Congresso Nacional. Enquanto o STF caminha para consolidar o entendimento de manter sob sua jurisdição apenas casos criminais de parlamentares e ministros investigados por práticas vinculadas ao exercício do cargo, sendo todo o restante levado à primeira instância, tramita no parlamento uma proposta de emenda constitucional que põe fim à prerrogativa de foro especial para uma série de autoridades, incluindo membros do Judiciário.

Por trás da coincidência, há mais um episódio de queda de braço entre os Poderes. O Supremo tenta, mais uma vez, transpor limites de sua função de julgador para ssumir papel legislativo, com o intuito de acenar para a sociedade. Por outro lado, os parlamentares, temerosos de perderem o foro privilegiado em um momento tão delicado de avanço de investigações. Trata-se de mais uma tensão entre Judiciário e Legislativo, que certamente impacta na agenda de ambas os poderes. No limite, a depender do nível de estresse alcançado, é possível haver ainda mais prejuízo do governo na imposição da agenda fiscal, sobretudo da difícil reforma da Previdência, sobretudo em um ano eleitoral.

A própria decisão de Gilmar Mendes, também monocrática, sobre as conduções coercitivas também gera atritos. Se por um lado, ela nasce de uma narrativa de combate a excessos que ocorreram durante a operação Lava Jato, por outro, tende a provocar reações de colegas da magistratura e dos próprios procuradores. Contudo, o excesso de decisões individuais contribui para a insegurança jurídica e as divisões no Judiciário.

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Impacto fiscal do corporativismo

Também vale lembrar decisão monocrática do ministro Ricardo Lewandowski, que, na última segunda-feira (18), suspendeu a medida provisória 805, que cancelava o aumento salarial de servidores federais e determinava o aumento da alíquota da contribuição previdenciária dos funcionários públicos de 11% para 14%. A decisão às vésperas do recesso dificulta qualquer reversão em tempo para não trazer impactos sobre o orçamento público de 2018. Com a posição do magistrado, o governo terá de promover cortes de despesas, conforme já anunciado pelo ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira. As projeções são de que a liminar traga um impacto de R$ 6,6 bilhões para os cofres públicos (R$ 4,4 bilhões com a suspensão da postergação do reajuste e R$ 2,2 bilhões com a suspensão do aumento da arrecadação previdenciária).

Na prática, foi uma interferência de um único ministro da corte sobre as decisões de política econômica do governo. Trata-se de mais uma demonstração de força do Supremo Tribunal Federal em uma medida corporativista, após as derrotas recentes sofridas contra o Legislativo. Se esses elementos não constituem uma crise institucional, ao menos as fissuras produzidas já inspiram preocupação.

Adversários do ajuste

Para além dos efeitos indiretos que um maior nível de tensão entre as instituições poder trazer à agenda de reformas do governo, o Judiciário tem capitaneado um enfrentamento a mudanças mais radicais nas aposentadorias de servidores públicos. A estratégia tem sido desidratar ainda mais — quando não barrar por completo — a PEC 287, que trata da reforma da Previdência e aguarda data para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No mesmo sentido, a busca pela manutenção de um ambiente de salários acima do teto constitucional para as mais diversas categotias do funcionalismo também se revela uma pedra no caminho do ajuste nas contas públicas. Como normalmente se observa, os grupos com maior capacidade de organização e pressão e maior poder político gozam de mais condições para oferecer resistências a projetos contrários aos seus interesses e provocar mudanças de rotas mais agradáveis aos seus anseios. Os membros do Judiciário sabem, como poucos, operar nessa lógica.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.