Qual é o real significado da vitória mais magra de Michel Temer na Câmara?

Há quem vislumbre menos força para o peemedebista tocar a agenda de reformas, ao passo que outros ponderam que o resultado pode dizer menos do que o desejável sobre o futuro

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – O placar que selou a vitória de Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral) sobre a segunda denúncia ontem no plenário da Câmara dos Deputados foi menor do que muitos esperavam, com o presidente conquistando apoio efetivo de menos da metade do total de parlamentares na casa. Foram 251 votos favoráveis ao relatório do deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), que recomendava a rejeição da peça apresentada pela PGR (Procuradoria Geral da República), a 233 votos contrários; houve 2 abstenções e 25 deputados se ausentaram. O desempenho veio abaixo do verificado na primeira denúncia, quando o governo venceu por 263 votos a 227 e 2 abstenções.

Com isso, diversas interpretações já têm sido ventiladas no mercado. Há quem veja ainda menos força para o peemedebista tocar a agenda de reformas, em contraste com um possível ganho de forças de Rodrigo Maia (DEM-RJ) para comandar a agenda legislativa até as próximas eleições, ao passo que outros ponderam que o resultado pode dizer menos do que o desejável sobre o futuro ou as reais sinalizações podem ter ficado nas entrelinhas.

“De fato, o número alcançado ontem não foi um placar de encher os olhos”, reconheceram os analistas da XP Investimentos. “Mas esses números permitiram ao governo sobreviver – essa etapa está cumprida. Não é algo desprezível ter êxito em matar o seu leão de cada dia na selva que é Brasília”. Nem no cravo, nem na ferradura. A despeito das contas de otimistas somarem os 251 votos obtidos com as 25 ausências e 2 abstenções como ponto de partida para as negociações em busca de uma aprovação para a reforma da Previdência, os especialistas alertam que há muita água a passar embaixo da ponte.

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“Há quem diga que o governo está manco e acabou, porque tem uma base menor. De fato, comparado com os votos do impeachment, o governo murchou bastante na Câmara. Há quem diga que o governo correu para a vitória de sorriso aberto e passadas largas, e que na verdade a soma de ausências com as abstenções dão ao governo uma base maior. Em agosto nos opusemos a essa conta fácil, agora em outubro também, pelo simples fato de que contas fáceis e adesões voluntárias acontecem cada vez menos na base de Temer”, explicam. A expectativa dos analistas da XP é que o Palácio do Planalto saia a campo para fazer anúncios de novas medidas e votações de matérias de impacto para provar sua força no parlamento, onde vangloria-se de colecionar vitórias nos mais importantes projetos apresentados.

No roteiro do governo, há propostas que vão desde a privatização da Eletrobras até a própria retomada da tramitação da reforma da Previdência, que chegou a estar muito próxima de ser votada em plenário antes da revelação da delação premiada de executivos do grupo J&F e áudios envolvendo o presidente Michel Temer — o episódio que desencadeou as primeiras duas denúncias por crime comum contra um presidente no exercício de seu mandato. Para fazer tal agenda andar, o governo conta com uma arma que mostrou saber usar: a caneta, importante instrumento às vésperas de uma eleição com menos recursos e sem a possibilidade de financiamento empresarial de campanhas. Duas imagens valem mais que mil palavras.

“O placar foi menor, mas não tanto assim como fazia crer a falta de quórum pela manhã e o jeito atarantado e preocupado dos líderes da base aliada. Foi o suficiente para manter acesa a expectativa de que o governo ainda tem alguma chance de fazer avançar a pauta fiscal até o final do ano, incluindo uma reforma da previdência bastante aguada”, observou a equipe de análise política da LCA Consultores. O próprio crescimento tímido de apenas seis votos da ala favorável à abertura do processo pode indicar que o momento do governo não é tão ruim como uma avaliação mais apressada dos números pode indicar. Neste momento, é preciso entender os casos de ausências para avaliar o real significado de cada uma das manifestações dos parlamentares. Na avaliação da equipe da LCA, a pauta governista terá de ser construída juntamente com Maia, em algo que eles chamaram de “congressualismo de coalizão”, em um maior protagonismo do parlamento.

Qualquer uso de votação de denúncia contra o presidente como proxy para um eventual apoio à reforma previdenciária pode conter profundas distorções, tendo em vista as naturezas completamente distintas entre as matérias. Por outro lado, é inevitável que o mercado já comece a fazer suas apostas com base na última batalha travada por Michel Temer na Câmara dos Deputados.

“A vitória menor [por parte do governo] pode ser explicada não pelo medo de contaminação com a impopularidade da matéria ou do governo, mas já antecipando a nova rodada do ‘presidencialismo de cooptação’, para algo mais caro politicamente às vésperas da eleição mas também para os interesses do governo: a reforma da Previdência”, observou o analista Leopoldo Vieira, que organiza o ciclo de lightning talks Idealpolitik-Análise de Cenários.

Para ele, o resultado não necessariamente indicará dificuldades à vista para a reforma da previdência, mas talvez o oposto, uma vez que a pauta será a prioridade do governo e este passará a ser mais cobrado por isso. “O governo vai priorizar isso na lógica de só entregar ao mercado se receber apoio (portanto, agora precisa entregar), e a base, sabendo disso, vai buscar colher os derradeiros benefícios para se preparar para o ano que vem, sem deixar o governo na chuva”, disse. Nesse sentido, a votação da última quarta-feira poderia ser vista já como uma sinalização dos parlamentares no mercado político para os próximos movimentos que planeja o Planalto.

O analista da Idealpolitik ainda chama atenção para a dobradinha entre o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o presidente Michel Temer. “Ambos saíram fortalecidos, a partir do jabuti do Supremo contra o senador. A denúncia foi rejeitada, Aécio foi salvo no plenário e na Comissão de Ética do Senado e mantido no comando do PSDB. Vale lembrar que o mineiro conseguiu entregar praticamente todos os votos da bancada de seu estado no partido ao peemedebista, além do próprio papel exercido pelo relator Bonifácio de Andrada. O senador, contudo, não foi capaz de evitar uma defecção maior dos tucanos do governismo.

“Temer encontrará terreno árido na Câmara, de aliados que estavam lá, mas que coordenaram exatamente o momento de dar o quórum na sessão de ontem, desgastando o governo o dia todo e aumentando a conta da aprovação sensivelmente. Para seguir em frente, terá de lidar com essa pressão do Legislativo, Rodrigo Maia à frente, na tentativa de imprimir uma pauta mais conectada, no curto prazo, a demandas eleitorais”, observaram os analistas da XP Investimentos.

Para eles, o governo inevitavelmente terá de fazer uma reforma antes de qualquer outra: a da base aliada e de sua relação com o Congresso. “Desafios enormes, recursos escasseando, tempo curto, eleições ali na esquina. Fácil não será, mas, tampouco, impossível”, concluíram os analistas da XP.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.