Somente Dilma, com o aval do Congresso, poderia propor novas eleições, diz Gleisi Hoffmann

Senadora apoia a discussão da PEC no Senado, mas desconhece a posição da presidente sobre o assunto

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Na linha de frente da defesa da presidente Dilma Rousseff no processo de impeachment que tramita no parlamento, a senadora e ex-ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann tem se empenhado para tentar convencer seus pares ou ao menos a apresentar elementos que questionem a existência de crime de responsabilidade da mandatária na denúncia apresentada. Em paralelo ao iminente afastamento da petista do cargo, nos bastidores circula uma discussão sobre a possibilidade de se convocar novas eleições presidenciais ainda neste ano, simultaneamente ao pleito municipal.

Se na prática a proposta se restringirá a gerar constrangimento ao vice Michel Temer ou se existe alguma possibilidade de a discussão ganhar nova dimensão, ainda não se sabe ao certo. No mês passado, um grupo de seis senadores apresentou a ideia em forma de proposta de emenda constitucional e contou com apoio até de parlamentar peemedebista. Hoje, o texto conta com 30 assinaturas de senadores que apoiam ao menos a discussão. No entanto, as chances de uma PEC deste teor ser aprovada no Congresso hoje são mínimas, tendo em vista que seriam necessários 2/3 de cada casa em dois turnos.

Em entrevista ao InfoMoney, Gleisi disse que a única forma possível para que sejam convocadas novas eleições sem que haja cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral seria por meio de projeto enviado pela própria presidente. Conforme conta a imprensa, a ideia já vinha circulando no Palácio do Planalto há mais de um mês, mas enfrentaria resistências de Dilma e de sua própria base de apoio, com os temores de que a convocação às urnas poderia derrubar a argumentação de que estaria em curso no país uma espécie de “golpe parlamentar” — foco de resistência do governo e apoiadores contrários ao impeachment no momento. Confira os melhores momentos da conversa:

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IM – Nas últimas semanas, a discussão sobre novas eleições voltou a ganhar força, na esteira da PEC 20/2016. Qual é sua avaliação sobre a questão?
GH – É um projeto que está sendo discutido por um grupo de senadores, e eu assinei para que pudesse tramitar na casa. Para haver realmente eleição, é preciso que a presidenta envie uma PEC. Só ela, que está no exercício de seu mandato, pode propor ao Congresso interrompê-lo. Não pode ser iniciativa do Congresso Nacional. É importante deixar isso claro.

Esse grupo de senadores tem articulado inclusive com outros movimentos para tentar sensibilizar a presidenta e o próprio Congresso a fazer esse debate. Não falei com ela sobre isso, não sei seu posicionamento. 

IM – A proposta defendida pelos seis senadores seria, portanto, inconstitucional. A única maneira de a medida contar com o amparo legal, na sua percepção, seria com o envio de proposta por parte da própria presidente, portanto?
GH – Exatamente. Só ela, à luz da Constituição, pode propor a interrupção de seu mandato. 

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IM – Neste caso, a senhor calcula algum risco de inconstitucionalidade?
GH – Inconstitucional não é. Qualquer presidente, independentemente do que esteja acontecendo, se quiser interromper o mandato, pode comunicar o Congresso Nacional e convocar novas eleições. Isso é legítimo. Não há inconstitucionalidade. O que não sabemos é se o Congresso aceitaria. 

IM – Nem o vice, Michel Temer, precisaria concordar com a decisão?
GH – Não. 

IM – A senhora acredita que essa poderia ser uma saída? Qual é sua posição?
GH – Estamos em uma linha muito firme de defesa da presidenta em dizer que esse impeachment não poderia acontecer e não poderia nem ter sido aberto. Não pode consolidar o afastamento que vai se dar agora, porque não há base constitucional. Há uma forçação de barra na interpretação de aspectos da Constituição, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Lei de Orçamento para justificar um pedido de impeachment. O Tribunal de Contas da União mudou uma interpretação que tinha há quinze anos. Nunca falaram diferente antes, não emitiram nenhum alerta para a presidenta – o que é obrigatório pela LRF – de que aquilo estaria errado, e colocaram direto no relatório que as contas tinham que ser reprovadas, a penalização máxima. Só houve um outro pedido de rejeição de contas pelo TCU, com Getúlio Vargas, na década de 1930. Isso dá base para um processo de impeachment. Ela conserta tudo que o Tribunal mandou consertar, paga os atrasos aos bancos ocorridos em 2014, acerta a situação orçamentária e querem cassá-la por conta disso. É uma loucura! Não há base. É uma penalização desproporcional à infração que eles dizem que ela cometeu. 

IM – Ganhou repercussão na imprensa o questionamento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) à advogada Janaína Paschoal sobre supostos crimes de responsabilidades cometidos pelo vice-presidente Michel Temer, uma vez que ele também teria assinado os decretos não numerados. A senhora concorda que o peemedebista também deveria ser alvo do processo ao qual Dilma hoje responde?
GH – Não há nenhuma ilegalidade nesses decretos. Os únicos decretos numerados são os normativos. Eu não julgo que isso seja suficiente para impeachment, agora, se estão processando a presidenta Dilma por conta deles, haveria que, por analogia, se processar o vice-presidente Michel Temer. Vão retirá-la por um fato e mantê-lo por ter cometido o mesmo fato? Ou a tese é para um e para o outro ou não é para nenhum, senão ficamos com dois pesos e duas medidas. 

IM – Quais são suas esperanças para o desfecho dessa primeira etapa do processo no Senado?
GH – Vamos debater muito. Acho que o Senado está tendo um papel esclarecedor, porque esse tipo de discussão aprofundada não foi feita na Câmara. Lá foi uma balbúrdia, um “oba-oba”. Mesmo tendo posicionamentos políticos, o Senado procura discutir com mais profundidade. Acredito que isso está sendo bom para esclarecer inclusive à população. As pessoas ficam realmente espantadas ao ver a fragilidade do objeto com o qual querem tirar a presidente. É uma matéria árida. Mas, a partir do momento em que começamos a discutir esses pontos, as pessoas começam a compreender do que se trata. Na semana passada, foi bom inclusive para alguns senadores compreender. Muitos estão entendendo que não pode ser o conjunto da obra, que são apenas esses dois fatos apenas [“pedaladas fiscais” e edição de decretos de créditos suplementares] que dão base para o julgamento da presidenta. 

IM – Os senhores argumentam que esse processo de impeachment em curso representa uma espécie de golpe parlamentar. O que estaria por trás do movimento?
GH – Querem afastar a presidenta da República sem ter uma eleição e colocar em seu lugar o vice-presidente que tem uma forte articulação política com o presidente da Câmara dos Deputados, que comanda uma grande parcela dos deputados hoje. O vice-presidente não ganharia uma eleição direta. Com o programa que está apresentando, muito menos. Portanto, a única forma que esse grupo vê em assumir o poder é retirando a presidenta Dilma. Não vou discordar que tenha em relação a ela críticas, decepção, de que grande parte da população quer que ela saia mesmo, mas essa é uma avaliação que se faz em um processo eleitoral. Não se pode usar um instrumento como o impeachment, excepcionalíssimo, comparável ao Estado de Sítio, Estado de Defesa, para tirar uma presidenta que não tem crime de responsabilidade cometido. E por crime eleitoral, por financiamento de campanha, o julgamento se dá no Tribunal Superior Eleitoral, e também envolveria o vice. Por isso que estão tentando fazer por aqui para o vice poder assumir, e ele o tempo inteiro conspirou para isso. 

IM – Quando se fala em votos, Michel Temer teve os mesmos que elegeram a presidente Dilma.
GH – Quando digo votos, digo o seguinte: em condições normais de um afastamento dela, ele teria legitimidade para assumir por ser vice. Mas as condições não são normais. Elas foram criadas a partir de uma ação dele para que pudesse assumir a presidência da República. Há uma articulação desde meados do ano passado para acontecer isso. Não é uma condição normal, não é um impeachment normal como foi com Collor, que tinha objeto, crime, que estava comprovado. Por isso, que digo que não há legitimidade. A única forma de ele chegar efetivamente à presidência é por essa via. 

IM – Quando começou esse processo que se costuma chamar de “conspiração”?
GH – A partir do momento em que ele entregou o cargo. Existia um desgaste político da presidenta, que não justifica o impeachment, mas existia; havia um problema de articulação no Congresso, uma crítica muito grande na economia. Isso criou as condições.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.