“Se governo precisar, a corda vai estourar do lado de Levy”, diz analista político

Em entrevista ao InfoMoney, Carlos Magno critica o excesso de personalismo político no Brasil e a ascensão do "baixo clero" no Legislativo. Para ele, os custos mais elevados por apoio gerarão pressão permanente sobre o ajuste fiscal do ministro da Fazenda

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – A política brasileira vive um momento de fortalecimento das relações clientelistas em troca de apoio para a formação de bases mínimas no Legislativo. Um dos defensores dessa interpretação é o analista político e professor da Faculdade Senac de Minas Gerais Carlos Magno. Para o especialista, contribui para a consolidação deste cenário a ascensão do “baixo clero” – grupo composto pela maioria de parlamentares sem grande expressão na Câmara, focado em interesses específicos e pequenos projetos que atendam suas bases e garantam sucesso em futuras disputas eleitorais. A excessiva fragmentação partidária, o pragmatismo dos partidos e o triunfo do personalismo nas ações políticas também causam sérias dificuldades de governabilidade a um governo com reduzida capacidade de diálogo e que enfrenta os efeitos crescentes da crise econômica do país.

Para completar a enxaqueca da presidente Dilma Rousseff, pesa também sua culpa no cartório sobre o descontrole das contas públicas e políticas econômicas taxadas como equivocadas no primeiro momento. Mas mais do que isso, diz Magno, a mudança da orientação de um plano heterodoxo para outro ortodoxo na economia, na contramão de toda sua campanha eleitoral, manchou a credibilidade da petista e comprometeu ainda mais a alocação de recursos na base clientelista de apoio. Hoje, compartilha a conta salgada o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que enfrenta fortes resistências no Congresso e até internamente, no Executivo, para a implementação do ajuste fiscal da forma que defende. O analista político e professor enxerga um cenário de desgaste e uma permanente possibilidade de Levy perder o posto de comandante da política econômica. “As tensões no âmbito político vão ditar isso. Se o governo tiver que fazer as concessões para poder manter a base e diminuir a tensão política, a corda vai estourar do lado do Levy”, observa. Para ele, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles teria sido um nome com maior trânsito entre os grandes players do mercado para articular a recuperação de credibilidade e superação das crises.

Carlos Magno vê significativa debilidade nos partidos políticos brasileiros e que a chave para uma solução da crise também passa pela recuperação dessas estruturas em detrimento do personalismo exacerbado. “Isso tudo vem acontecendo porque os partidos cerraram os espaços de a sociedade falar por meio deles”, diz. A incorporação de um espírito democrático por eles seria parte fundamental do processo de amadurecimento do país, mas que precisa lutar contra também o oportunismo político de algumas lideranças. O professor é crítico aos movimentos que pedem a saída da presidente Dilma e ao comportamento da oposição neste cenário, além de ser grande defensor de reformas políticas mais profundas – ao contrário do que a que tem sido discutida hoje no parlamento. Para ele, o Brasil vive um momento único e de enorme riqueza, que só ocorre por conta da consolidação da democracia no país. Confira os melhores momentos da entrevista concedida ao InfoMoney:

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InfoMoney – O baixo clero se fortaleceu nos últimos anos?
Carlos Magno – Muito. O problema é que o perfil das bancadas é muito pouco qualificado. Nós não temos bons políticos – aqueles que fazem a grande política. É um montão de varejistas. Não é à toa que o presidente da Câmara tem o apoio que tem. E é um apoio suprapartidário. A própria pulverização partidária dificulta ter esse controle e torna as trocas e concessões muito mais caras para o governo.

IM- Como se resolve essa situação, em que cresce uma bancada mais interesseira em cargos e repasses de recursos para emendas?
CM – Não é um cenário fácil. A equipe de governo de Dilma lida muito mal com isso. O presidente Lula, no começo do segundo mandato, teria sinalizado com a possibilidade do retorno de Henrique Meirelles ao governo. Dilma, por conta de divergências anteriores, preferiu não consultá-lo. Ele era a última opção para ela. O ex-presidente do Banco Central é uma pessoa com trânsito em diversos setores da economia, muito diferente dos atuais ministros dela, como o próprio Levy, que tem pouco trânsito, com relativa inexperiência. Apesar de toda sua história de vida e capacidade técnica que já mostrou em outras ocasiões, ele não tem o trânsito com os grandes players que Henrique Meirelles tinha – e que teve papel fundamental no sucesso econômico do governo Lula. Falta isso tudo ao governo Dilma. Enquanto não resolver a questão de sua credibilidade, ele ficará refém.

IM – Ao que se deve exatamente essa relação distante entre Dilma e Meirelles?
CM – É uma divergência de orientação econômica. Henrique Meirelles, quando presidente do BC, adotou uma política de muita austeridade, de caráter ortodoxo muito forte. Podemos lembrar que os superávits primários dos primeiros anos do governo Lula eram maiores que aqueles alcançados durante o governo Fernando Henrique. O início do governo Lula é marcado pelo aumento do desemprego. Uma série de medidas impopulares foram tomadas para sinalizar para o mercado a disposição daquele governo de manter a austeridade assumida pelos governos do PSDB anteriores. E parece que isso, em determinado momento, foi ponto de muita disputa dentro do governo Lula. Esse desgaste entre Dilma e Meirelles foi acontecendo naturalmente.

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IM – Lula tinha mais cacife político, até pelo legado de eleições mais confortáveis e pela figura política que ele representa, para tomar essa iniciativa de maior austeridade com Meirelles.
CM – Em política econômica, a credibilidade vale muito. Se a credibilidade estava arranhada com a gestão Guido Mantega, você tem uma pessoa que já passou por um momento difícil e é bem relacionada pode ajudar a abrir portas. São coisas que o Levy não tem.

IM – O senhor vê possibilidade dessas tensões com Levy chegarem à exaustão e o ministro sair? Como o senhor enxerga a permanência de Levy e as possibilidades de alterações no quadro da Fazenda?
CM – A possibilidade, tanto da Fazenda quanto do Planejamento, vai existir o tempo todo. As tensões no âmbito político vão ditar isso. Se o governo tiver que fazer as concessões para poder manter a base, de certa forma, sob controle e diminuir a tensão política, a corda vai estourar do lado do Levy. Esse é um movimento histórico nosso; sempre foi assim, nos governos tucanos também. Esse ajuste vai ter que ser feito no âmbito político. Agora, tem que saber o quanto essa base política está disposta a fazer os ajustes macroeconômicos necessários.

IM – Mas Pedro Malan ganhava bastante discussão…
CM – Sim. Por conta de toda a sustentação política que aquele governo tinha. A partir do momento em que o governo Fernando Henrique, no segundo mandato, foi perdendo força, o próprio Malan foi perdendo os embates internos. Não chegou a custar a cabeça dele, mas a própria reorientação política do final do segundo mandato de Fernando Henrique já indicava esse enfraquecimento para a manutenção de uma base mínima.

IM – Agora que vemos grandes pressões de Renan Calheiros em troca de uma base de sustentação ao menos no Senado, a redução de ministérios entra em pauta. Como o senhor enxerga esse cenário? Fica mais difícil a alocação de cargos, mas, ao mesmo tempo, um aceno positivo é esperado para a sociedade. Qual das duas pontas vence?
CM – A gente precisa desmistificar essa questão, achando que o número de ministérios é uma coisa com tanta centralidade política ou econômica. Porque, na verdade, você pode desmanchar os ministérios, mas as atividades deles serão realocadas em algumas secretarias. Então, basicamente, você extingue o cargo de ministro. E o que isso vale do ponto de vista econômico? Nada.

Acredito que serão comprometidas algumas políticas que vêm sendo feitas, até com algum sucesso, porque, na medida em que você diminui a estrutura que aquilo tem disponível, sublocando a dotação orçamentária, uma série de políticas serão paradas. Então, você vai piorar o atendimento daquilo que já vem sendo feito com alguma debilidade. E o que acontece? A sociedade, de uma maneira geral, não fica satisfeita, o governo perde eficiência e a economia não é tão grande assim.

IM – Qual deve ser o caminho para esse governo reconquistar a base na Câmara principalmente?
CM – É uma tarefa muito difícil. Do jeito que as coisas estão colocadas, se não houver uma costura por cima, com aqueles políticos que fazem política, a única saída é a clientelista. É você trocar emenda parlamentar por apoio. Aí é o varejão: você negocia uma emenda e x apoios em x questões. Isso encarece com o tempo. O que é contraproducente do ponto de vista de uma austeridade fiscal.

Agora, se houver um senso republicano, os partidos da base do governo e os partidos da oposição têm de sentar. Não sei até que ponto compensa, para a oposição, destruir tudo para depois herdar um caos. Porque não dá para achar que esse parlamento que está, com um crescimento do baixo-clero da forma que está (a famosa bancada BBB – boi, bala, bíblia), em uma futura vitória da oposição, não vá se impor também.

Outro cuidado necessário é com a instituição partido, porque não existe democracia sem eles. O que percebemos, no meio disso tudo, pelas próprias pesquisas que foram feitas no dia 16, é que não há diferença entre PT e PSDB do ponto de vista da percepção sobre a corrupção. A opinião de todo mundo que estava na rua é que qualquer um dos dois partidos é corrupto. Os partidos são corruptos. Isso, para a democracia, é muito ruim. A corrupção sai do espaço das pessoas e vai para o espaço das instituições. E, na verdade, quem é corrupto são as pessoas, não as instituições.

Portanto, se essas lideranças políticas não fortalecerem partidos políticos e processos partidários, aí sim teremos uma situação que só vai piorar para frente.

IM – Vivemos uma espécie de ascensão do “distritão” mesmo com sua derrota na Câmara, do ponto de vista do crescimento das figuras individuais em detrimento às imagens dos partidos?
CM – Podemos observar um fenômeno semelhante que aconteceu na Itália após a operação Mãos Limpas. As instituições partidárias foram completamente destruídas e até hoje temos problemas de governabilidade. O que vale são pessoas. Nós já temos uma tendência a esse personalismo na política em nosso país. Sempre buscamos o salvador. Em vez de apostar em projetos, apostamos em pessoas. E os indicadores das pesquisas sobre toda essa mobilização social que tem acontecido no país parecem ter reforçado isso. Acho que estamos em um momento chave para a discussão democrática como um todo, no qual as lideranças políticas e partidárias de nosso país vão ter que encontrar um caminho nisso, superando seus problemas internos personalistas.

IM – Ao mesmo tempo, existe certa responsabilidade dos partidos, que abandonaram um pouco a questão ideológica, não? Eles são muito mais pragmáticos hoje.
CM – Sim. É por isso que essas lideranças políticas têm que arrumar um caminho. A sociedade tem que voltar a falar no sistema político por meio dos partidos. Isso tudo vem acontecendo porque os partidos cerraram os espaços de a sociedade falar por meio deles. A função dos partidos não é dar voz à sociedade? No momento em que eles param de fazer isso, fecham em torno daqueles interesses cristalizados lá dentro, a sociedade vai ficando apartada disso. E quanto mais apartada fica, pior é.

IM – De certa forma, faltaria espírito democrático para os próprios partidos?
CM – Sim. De compreensão do que é fazer política no ambiente democrático, porque pensar em começar uma campanha eleitoral logo depois da apuração da urna é uma coisa surreal. A oposição, aqui no Brasil, começou sua campanha no dia em que foi anunciada a vitória da Dilma. É uma coisa que, de fato, mantém o país polarizado de forma que não sei se realmente contribui para o desenvolvimento, para o atendimento das agendas que temos.

IM – Virou fla-flu.
CM – Aí, cabe uma crítica à própria grande mídia, que dá palanque a esse tipo de player, quando reforça não a presença de partidos nas manifestações, mas a presença de lideranças e quando reforça o caráter personalista de quem critica e é criticado em vez de apontar para o caráter sistêmico da crítica. Assim, você, tentando informar a sociedade, acaba reforçando o personalismo.

IM – Uma das discussões, em meio a todo o descrédito do sistema político brasileiro, em parte, foi a questão da reforma política concluída na Câmara. Qual foi seu balanço sobre tudo isso?
CM – Vou resumir assim: qual reforma? Eu não vi nenhuma.

IM – O que falta para termos uma reforma política?
CM – Falta muito para ser uma reforma. O que foi feito foi um ajuste para manter o mesmo esquema eleitoral que está aí. O que o Mensalão e o Petrolão nos trazem de lição? Em primeiro lugar: eleição no Brasil é feita com dinheiro público. Se é dinheiro desviado de contratos superfaturados para partidos financiarem as eleições e se os doadores doam para todos os lados com chances de ganhar, quem está financiando as eleições são essas empresas e com dinheiro público.

IM – Portanto, seria uma espécie de financiamento público, mas direcionado de maneira interessada, sem nosso consentimento?
CM – Não só sem nosso consentimento, mas sem ser distribuído de forma igual e republicana, dando possibilidade para que todas as vozes da sociedade possam se manifestar de forma igual. Então, quando você mantem doação de empresa, extingue limite de doação ou mantém qualquer possibilidade de se diminuir o controle sobre o financiamento de campanha, perpetua-se o atual sistema. Porque ninguém se elege sem dinheiro. Programa de televisão custa caro. Mobilização de uma campanha municipal já é uma fortuna, imagine em escala nacional. E ninguém dá dinheiro. Empresa não dá dinheiro. A pessoa física pode até doar porque acredita: do mesmo jeito que alguém paga o dízimo, pode dar dinheiro para um partido. Mas empresa não tem crença, tem lucro. Empresa não doa porque acredita. Empresa doa porque quer lucro e esse lucro vai sair depois. Alguém vai pagar por isso. Quem paga é o povo.

IM – A forma como o sistema eleitoral se dá é a melhor opção ou o senhor preferiria outros modelos (distrital, distritão, em lista etc.)?
CM – Em um país tão diferente e tão grande como o nosso, essa não é uma questão fácil de ser respondida. A realidade da região sudeste é completamente diferente daquela do centro-oeste ou do norte; e, se pegarmos dentro de uma mesma região, o litoral do nordeste é completamente diferente do interior da região inteira. Não existe modelo perfeito, mas enquanto continuarmos com a estrutura de sub-representação e supra-representação de parte da população ou de estados da federação, vamos continuar com esse problema. O mesmo vale para o problema do financiamento, independentemente se o sistema for proporcional ou distrital. São distorções que precisam ser resolvidas.

Precisamos definir, enquanto sociedade, qual é o caráter da representação que queremos. Depois, aí, sim, definimos o modelo. Existem discussões preliminares que a sociedade precisa fazer. Eu quero ampliar o número de vozes do parlamento ou diminui-lo? Quando digo vozes, refiro-me a representações partidárias e ideológicas. Uma democracia de coalizão com tantos partidos como temos é extremamente complexa. Como é que podemos resolver isso? Como diminuímos o número de partidos? Não basta impedirmos de se criar o partido, como foi feito nas vésperas da eleição presidencial passada. Temos que resolver esse problema, mas isso tem que ser feito na competição.

IM – A impressão que fica ao ouvir sua leitura sobre os fatos é que o impeachment seria uma gota de água no oceano: haveria uma questão muito mais ampla, mas o afastamento é um ponto de maior interesse e apelo, o que ofusca outras crises e problemas. Quais são suas expectativas sobre o futuro desse governo e o sistema político brasileiro?
CM – Como cidadão, eu não gostaria de ver mais um presidente afastado, sobretudo pelas condições que estão aí. Nosso país tem que aprender a conviver com a divergência e saber respeitar os prazos que a democracia nos impõe. A presidente foi eleita, não cometendo nenhum crime constitucional. Forçar a barra por um desligamento é forçar a barra contra a própria democracia e estabilidade do nosso sistema. Não contribui em nada. Por outro lado, é preciso que o atual governo compreenda que perdeu a disputa do discurso na sociedade e sua credibilidade, e que ele precisa construir um consenso mínimo para não acabar com o país.

Não consigo enxergar hoje uma grande crise econômica. Temos hoje uma crise política que pode se tornar uma crise econômica. Se isso não for equacionado, todo mundo vai perder: setor empresarial, setor político, governo, oposição, cidadãos. Tudo isso precisa ser conduzido de forma serena e com debate público. Essa é a preocupação que devia estar presente na pauta dos debates. A gente precisa ter um mínimo de estabilidade para segurar essa Olimpíada no ano que vem, por exemplo. Não é um impeachment, com o país chegando dividido, que vai garantir a realização do evento no ano que vem. Temos tudo isso para resolver. É preciso ter tranquilidade neste momento.

IM – Mais alguma coisa que o senhor gostaria de acrescentar?
CM – Estamos vivendo, hoje, um processo que está expondo as contradições de um sistema político que nasceu antes da Constituição de 1988, mas que se consagrou com ela. Isso só está acontecendo porque nossa democracia está se consolidando. E a consolidação da democracia envolve, inclusive, atores que não são simpáticos a ela. É um momento muito rico da nossa sociedade e que temos que saber conviver com ele nesse ambiente democrático. A disputa pela democracia que acontecia lá atrás continua existindo hoje e a gente tem que saber lidar com isso.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.