Plano Real controlou inflação, mas às custas de pesado endividamento

Vulnerabilidade externa brasileira ficou latente nos anos 90, com juros reais altos atraindo capitais e alavancando dívida

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SÃO PAULO – Após o alto endividamento do país apresentado na década de 70, com recursos externos, e a restrição creditícia que marcou os anos 80, o que levou o governo a emitir títulos no mercado interno para honrar suas obrigações no exterior, a década de 90 foi marcada pelo Plano Real e a volta do fluxo de capitais ao Brasil.

A solução para a inflação adotada pelo Plano Real foi a adoção de uma âncora cambial e de taxas de juros reais elevadas, de forma a atrair entrada de dólares. Tal fato prejudicou o comércio externo brasileiro, além de fazer disparar a dívida interna, uma vez que sua maior parte é pré-fixada.

Assim, diante da instabilidade no mercado financeiro mundial na década de 90, o Brasil se viu forçado a desvalorizar sua moeda, o que não foi suficiente, levando o país a recorrer a empréstimos de organismos multi-laterais para proteger o real. A vulnerabilidade da economia brasileira ficou visível.

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Plano Real comprometeu ajuste externo

A entrada de capitais se intensifica com a implementação do Plano Real em 1994, com a adoção de uma âncora cambial, de forma a reduzir a inflação, e de taxas de juros reais elevadas, o que acaba atraindo um volume elevado de capitais externos ao país, resultando na valorização da moeda.

Deste modo, os superávits comerciais começam a ser revertidos, na medida em que as exportações passam a ser incentivadas, em detrimento das exportações. Além disso, mesmo com juros reais elevados, o consumo aumenta consideravelmente.

Crise mexicana revela necessidade de desvalorizar o real

No final de 1994, o México sofre uma crise, resultando na reversão de fluxos de capitais no Brasil, que ficou conhecido como “Efeito Tequila”. Tal fato obrigou o governo brasileiro a reverter o processo de abertura da economia, aumentar as taxas de juros e alterar a política cambial que tinha mantido o dólar ao redor de R$ 1,00. Deste modo, passa-se a realizar uma desvalorização anual da moeda entre 6% e 7%. Contudo, em meados de 1996, os déficits começam a aumentar, na medida em que a economia se recupera do aperto creditício anterior.

Pode-se observar que a forte entrada de capitais externos oculta fraquezas de nossa economia, com destaque para o baixo investimento produtivo, a baixa taxa de poupança e dos déficits externos crescentes. Mesmo assim, o governo não altera sua política cambial, temendo a volta do “Dragão da Inflação”.

Assim, diante da forte dependência dos fluxos externos, em um ambiente de forte volatilidade, a sensibilidade da economia brasileira se mostra em 1997, sendo contaminada pela Crise da Ásia. Diante dos elevados desequilíbrios, o governo brasileiro é forçado a se desfazer de elevado volume de reservas para evitar a desvalorização, aumentar a taxa de juros e se comprometer com uma retração fiscal, buscando financiar por meio de capitais de prazo mais longo.

Deste modo, observa-se que a fuga de capitais exerce pressões sobre a taxa de câmbio e sobre a taxa de juros, o que obriga a ajustes para conter esse fluxo. Tal situação mostra que em momentos de crises internacionais, os investidores estrangeiros ameaçam retirar seus fundos, exigindo ajustes comprometedores ao crescimento econômico. As medidas adotadas permitem a manutenção da política cambial adotada desde 1995, mas são incapazes de reverter a fragilidade das contas externas.

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Baixo endividamento dos setores bancário e privado evitou quebra

A situação da economia brasileira só não ficou pior dado que o sistema financeiro do país estava saneado, tendo em vista a realização do PROER, iniciado logo após a crise mexicana. Além disso, os bancos brasileiros tinham avançado pouco em emprestar para o setor privado, uma vez que nos anos de inflação eles obtinham altos lucros com suas tesourarias e serviços bancários diretos. Também, em meados de 1997, apenas 19% das obrigações dos bancos privados estavam denominadas em moeda estrangeira.

Além disso, a inflação alta antes do Plano Real evitou o desenvolvimento de um mercado de capitais de longo prazo, levando a dívida média das corporações brasileiras a apenas 30% de suas ações em 1997. Com isso, observa-se que nem o setor privado nem o bancário encontravam-se endividados em proporções capazes de gerar uma crise no Brasil.

Plano Real trouxe pesado endividamento

Em contrapartida, o setor público apresentou um forte crescimento da dívida a partir da implementação do Plano Real, em razão das políticas cambial e monetária. O real valorizado desequilibrou as contas públicas, tornando necessário trazer ao país elevado número de reservas, o que foi feito mediante a adoção de elevada taxa de juros, se comparada com as taxas de juros internacionais.

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Essa taxa nesse elevado patamar atraía capital externo, mas penalizava as contas públicas, na medida que depois de meados de 1994, o Brasil reduziu a base monetária através da emissão de títulos públicos, de forma a evitar o risco de inflação aliado ao excesso de liquidez. Isso elevou de sobremaneira a dívida mobiliária, que era corrigida justamente pelas altas taxas de juros que atraíam o capital especulativo. Tal desequilíbrio começou a ser parcialmente compensado com a venda de ativos através dos programas de privatização.

Seguindo a crise da Ásia de 1997, a instabilidade financeira atinge a Rússia em agosto de 1998, forçando o governo local a desvalorizar o Rublo e a declarar moratória da dívida, o que afeta novamente a credibilidade dos países emergentes. Tal fato leva à fuga dos investidores dos ativos de maior risco, em busca de maior segurança, o que compromete o acesso de capitais a países em desenvolvimento.

Crise da Rússia leva a empréstimo de US$ 41,5 bilhões

Assim, o Brasil é forçado a adotar medidas de contenção à saída de dólares. Desta forma, ainda em 1998 é anunciado um acordo com organismos multilaterais e governos estrangeiros, recebendo um pacote de ajuda no valor de US$ 41,5 bilhões. Contudo, o pacote não é suficiente para evitar que a situação se agrave, após a forte fuga de capitais, levando à desvalorização do real em janeiro de 1999. A partir daí adota-se um regime de taxa de câmbio flutuante e, em meados do ano, um regime de metas inflacionárias.

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Vale ressaltar que mesmo com a desvalorização cambial, a balança comercial não apresenta os resultados esperados, fechando o ano de 1999 com saldo bastante inferior ao que possuía antes da crise russa. A taxa de juros é então reduzida, não variando muito na primeira metade de 2002. Diferentemente do que ocorreu em outros países, a desvalorização da taxa de câmbio não prejudicou muito as empresas brasileiras, na medida em que elas se encontravam de certa forma protegidas com instrumentos de hedge cambial. Já o sistema financeiro tinha também baixa exposição cambial, uma vez que os ativos externos indexados ao câmbio excediam as obrigações em moeda estrangeira.

A análise permite concluir que enquanto nos anos 80 a participação da dívida externa supera a da dívida interna no montante total, a partir de 1993 essa posição se inverte, acentuando drasticamente a partir da implantação do Plano Real, sendo que a dívida interna torna-se fator de grande preocupação.

Período eleitoral de 2002 revelou vulnerabilidade

Finalmente, a vulnerabilidade externa brasileira foi mais uma vez evidenciada na segunda metade de 2002. A fuga de dólares foi inevitável, como reflexo da desconfiança dos investidores com relação às eleições brasileiras, visto que o candidato de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva estava liderando as pesquisas de intenção de voto. Dessa forma, o dólar subiu muito, quase atingindo o patamar de R$ 4,00.

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A fuga de capitais levou o governo a negociar mais um empréstimo com o FMI, dessa vez de US$ 30 bilhões, de forma a ampliar as reservas brasileiras no sentido de proteger o real de uma desvalorização ainda maior. Com política econômica austera do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o mercado se acalmou, contudo, as tensões geopolíticas que resultaram na guerra do Iraque voltaram a pressionar o real. Passado o conflito, o real voltou a se valorizar, com a volta do fluxo de capitais para o Brasil.

Dessa forma, o país volta a apresentar um processo de ajuste em suas contas externas, aproveitando a desvalorização cambial para melhorar o seu balanço de pagamentos com o aumento das exportações, já que os investimentos estrangeiros diretos minguaram. Além disso, de forma a tentar reduzir a vulnerabilidade externa, o Banco Central tem adotado medidas no sentido de reduzir a dívida atrelada à moeda norte-americana, diminuindo o percentual rolado no vencimento das dívidas cambiais.

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