Plano da Petrobras (PETR4) não é o “ideal” do mercado, mas elimina grande incerteza e ainda sinaliza bons dividendos

Mudanças estratégicas aparecem aos poucos com apostas em mais diversificação, enquanto analistas no geral seguem com visão positiva

Lara Rizério

RIO DE JANEIRO, BRAZIL - MAY 12: A person walks by The Petroleo Brasileiro SA (Petrobras) headquarters on May 12, 2023 in Rio de Janeiro, Brazil. Brazilian President Lula Da Silva said on Thursday that his administration is working to reduce the price of gas in Petrobras and that the government will keep its stake at the company. (Photo by Buda Mendes/Getty Images)

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O anúncio mais esperado do fim de ano da Petrobras (PETR3; PETR4) foi feito na noite da última quinta-feira (23), com números que, se não parecem tão empolgantes, também não foram tão ruins como muitos poderiam esperar, além de tirar um grande fator de incerteza da frente.

Após uma reunião de duas horas e meia do conselho de administração, a estatal divulgou seu novo plano estratégico, que terá investimento de US$ 102 bilhões, cifra que corresponde a R$ 500,8 bilhões para o período 2024 e 2028 e que ficou em linha com as especulações das últimas semanas.

O anúncio representa uma ampliação de 30,7% frente ao plano de negócios em vigor atualmente, que soma US$ 78 bilhões (R$ 382,7 bilhões) para o período 2023/2027. Considerado expressivo pelo mercado, o aumento atende a pedidos do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que enxerga no incremento dos negócios da Petrobras um vetor do crescimento econômico nos próximos anos.

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Do total de US$ 102 bilhões, a Petrobras afirmou que US$ 91 bilhões se referem a projetos em implantação, enquanto US$ 11 bilhões consideram projetos ainda em avaliação, sujeitos a estudos adicionais de financiabilidade antes do início da contratação e execução.

A estatal manteve o foco na área de Exploração e Produção (E&P), que ficará com US$ 73 bilhões ou 71,5% do total a ser investido. O pré-sal segue como grande foco da área, representando 67% do total dos recursos para (E&P). Previsão mais aguardada pelo mercado, a principal novidade são os aportes em energias renováveis e descarbonização, de US$ 11,5 bilhões, que representam média de 11,2% do volume total e já anunciaram que vão subir para 16% até 2028.

A Petrobras projeta atingir em cinco anos a produção de 3,2 milhões de barris equivalentes de óleo e gás por dia. A curva de produção considera a entrada de 14 novas plataformas (FPSOs) no período 2024-2028, 10 das quais já contratadas.

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Na visão do Morgan Stanley, embora o capex de US$ 102 bilhões seja um número “ousado”, o banco projeta um desembolso efetivo de cerca de US$ 80 bilhões em 5 anos, sendo de US$ 14 a US$ 15 bilhões no ano que vem.

“Historicamente, a Petrobras investe consistentemente abaixo do orçamento, o que nos leva à conclusão de que a tese de dividendos continua muito presente”, apontam os analistas do banco.

“Acredito que esse novo plano estratégico da Petrobras seja bem recebido pelo mercado. A companhia não pode perder o foco daquilo que ela faz de melhor que é a Exploração e Produção (E&P). Contudo, ainda tenho receios se o presidente Lula fará intervenções ao longo do curso que possa desviar da linha estratégica. É um plano que apresenta mais oportunidades para empresa gerar caixa se bem executado”, apontou Raphael Figueredo, estrategista-chefe da Eleven Financial Research.

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O Goldman Sachs também aponta que o anúncio elimina um potencial overhang (potencial de excesso de ações por um fator de incerteza) e que o investimento anunciado para os próximos 5 anos está em linha com as expectativas do mercado, de acordo com as suas recentes conversas com investidores. “Como tal, reiteramos a nossa classificação de compra”, avalia.

O Itaú BBA destaca que, apesar do estágio ainda incipiente de potenciais novos investimentos nos segmentos como petroquímica, fertilizantes, energias renováveis e novas embarcações, aprecia a iniciativa da empresa de divulgar os investimentos ainda em avaliação.

“Isto dá aos investidores maior clareza sobre o que esperar em termos de implantação potencial total de capex – incluindo novos projetos potenciais e aquisições – e destaca o robusto processo de governança da empresa para projetos em aprovação”, aponta.

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Já sobre potenciais fontes de frustração, o BBA cita as estimativas mais baixas para a produção planejada de petróleo em 2025 e 2026, devido a alguns problemas com cronogramas de projetos, embora dentro do intervalo no plano anterior.

O Bradesco BBI também aponta que o que decepcionou foi a curva da produção, considerada conservadora. Para o próximo ano, a empresa espera uma produção de petróleo de 2,2 milhões de barris por dia (bpd), enquanto a empresa já opera a 2,3 milhões e tem outras duas grandes plataformas que irão aumentar sua produção nos próximos 12 meses.

Dividendos esperados

Falando sobre os dividendos, com base em suas premissas macroeconômicas, a empresa espera que os pagamentos nos próximos anos totalizem US$ 40-45 bilhões (em comparação com US$ 65-70 bilhões do plano anterior), o que pode incluir recompra de ações, com potencial para mais US$ 5-10 bilhões de dividendos extraordinários.

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Os valores implicam em um dividend yield (dividendo sobre o preço da ação) de aproximadamente 8%-9% em relação ao market cap atual e 9%-11% incluindo dividendos extraordinários, em comparação com 13%-14% no mínimo e 15%-17% incluindo dividendos extraordinários do plano anterior.

“Vemos um risco ascendente para esses números, uma vez que a produção provavelmente ultrapassará o orçamento e, historicamente, a Petrobras executa menos de 100% do investimento orçamentado”, avalia o Goldman.

O Morgan Stanley aponta que as projeções de proventos foram robustas e provavelmente um número a ser superado. “Gostamos de ver a empresa apresentando oficialmente uma faixa de potenciais dividendos extraordinários, o que prova que este é um tema ativo de discussão dentro da equipe de gestão. No limite superior da faixa (US$ 55 bilhões), o valor está próximo de nossa estimativa atual de US$ 60 bilhões para o período. Dada a nossa opinião de que o desembolso de capex provavelmente ficará abaixo do plano, temos um elevado grau de confiança de que os riscos são positivos para as distribuições de dividendos, especialmente em 2024–25”, avaliam.

Já o Itaú BBA aponta que o intervalo destacado para pagamentos de dividendos extraordinários implica um rendimento de dividendos modesto para os próximos anos, particularmente em comparação com outras grandes empresas petrolíferas, o que foi um pouco frustrante para os analistas do banco.

“Acreditamos que os investidores fundamentalistas e de longo prazo poderão acolher com satisfação a clara orientação para o investimento total, incluindo uma estimativa para as iniciativas ainda imaturas, e o reforço do processo de governança da empresa para aprovação de projetos. Por outro lado,
reconhecemos que pode haver alguma frustração em relação aos números de produção mais baixos e
os modestos dividendos extraordinários implícitos, especialmente entre investidores de curto prazo”, avaliam os analistas do banco, que possuem recomendação marketperform (desempenho em linha com a média do mercado, equivalente à neutra) para os ativos PETR4, com preço-alvo de R$ 38.

A XP, por sua vez, aponta que os dividendos vão permanecer robustos no curto prazo, mas ainda é um (outro) passo em direção a deterioração da tese.

“De acordo com a pesquisa que conduzimos com investidores institucionais no início deste mês, 91% da amostra acreditavam que o capex ficaria abaixo dos níveis anunciados, enquanto 62% acreditavam que o nível anunciado ontem poderia desencadear uma venda de mais de 5% nos preços das ações. No entanto, acreditamos que o mercado está melhor preparado para esse resultado, também considerando que o fluxo de notícias sobre esse assunto foi intenso nas últimas semanas, e relatos na mídia especulavam um número de mais de 100 bilhões”, aponta.

Ainda assim, considera o plano como uma mudança ligeiramente negativa em comparação com o plano anterior. “Além disso, a divulgação da avaliação do capex (Portfólio em Avaliação) pode indicar que a gestão está considerando ativamente movimentos de fusões e aquisições, e, em nossa opinião, se esse resultado for confirmado, o mercado poderá reagir muito negativamente”, considera, mas seguindo ainda com recomendação de compra para os ativos.

O Bradesco BBI, por sua vez, não vê grandes surpresas negativas, apesar do aumento no plano de investimentos de 5 anos (que acredita ser bastante esperado nesta fase).

“Ainda vemos grandes chances de a Petrobras pagar um dividendo complementar relacionado a 2023 de aproximadamente US$ 5 bilhões (resultando em um rendimento de dividendos elevado para 2024) e vemos a empresa encerrando 2024 com uma posição de caixa e equivalentes de cerca de US$ 18 bilhões, gerando aproximadamente US$ 20 bilhões em geração de caixa em 2024 (com base em um Brent de US$ 78/barril)”, apontam os analistas do banco.

Eles veem que, se a Petrobras pagasse o dividendo mínimo (45% do fluxo de caixa operacional, subtraído dos investimentos) terminaria 2024 com uma posição de caixa de cerca de US$ 24 bilhões (retirando o pagamento de US$ 3,5 bilhões em dividendos relativos aos resultados do 3T23, a serem pagos no 1T24). “Isto está muito acima do nível ideal de US$ 8 bilhões. Ainda há muito espaço para fusões e aquisições e dividendos complementares em 2024”, destaca o BBI, que também tem recomendação de compra para as ações PETR4.

Já na visão do BTG, o novo plano marca uma mudança estratégica, enfatizando o crescimento (também via fusões e aquisições) além de seu principal negócio, após anos de desinvestimentos e foco no segmento upstream (atividades de exploração e produção de petróleo).

“Na nossa opinião, esta estratégia não parece a ideal para a criação de valor no longo prazo, uma vez que, historicamente, a diversificação de atividades da empresa muitas vezes não conseguiu produzir retornos adequados”, avaliam os analistas.

Contudo, este plano não parece minar os aspectos-chave da perspectiva ainda otimista da casa em relação à tese de investimento. A empresa transformou-se significativamente nos últimos 9 anos, com foco na desalavancagem, segmento de E&P representando 80% do seu Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciações e amortizações), e reduzindo os custos de extração para US$ 7,5/barril (de cerca de US$ 15 em 2014). “Esperamos que a disciplina, juntamente com a diversificação gradual, ainda impulsione a geração robusta de fluxo de caixa em um futuro próximo”, conclui.

Lara Rizério

Editora de mercados do InfoMoney, cobre temas que vão desde o mercado de ações ao ambiente econômico nacional e internacional, além de ficar bem de olho nos desdobramentos políticos e em seus efeitos para os investidores.