Petrobras: todos os esqueletos foram mesmo expostos?

A estatal admitiu perdas de mais de R$ 50 bilhões em 2014 com o petrolão e com as gestões políticas dos últimos anos. Agora, os números e explicações ainda vão ser analisados para ver se ela mudou mesmo de rumo e parte para um "recomeço".

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O governo saiu aliviado, o presidente da empresa, Aldemir Bendini, depois de classificar o processo que moeu a Petrobrás com um “desastre de avião”, pediu desculpas para o a corrupção que engolfou a estatal, mas a verdade é que o balanço do ano passado, com a admissão das perdas com o “alopramento” da Operação Lava-Jato, divulgado ontem, ainda vai passar por um escrutínio público e de especialistas nacionais e estrangeiros antes de poder ser considerado um “recomeço” para a companhia como disse o ministro Joaquim Levy anteontem nos Estados Unidos. O balanço completo só foi divulgado depois das 22 horas.

O “desastre” que a Petrobrás admitiu ter tido em 2014, fruto das “malfeitorias” praticadas nos últimos anos pela ocupação política de sua gestão, foi impressionante à primeira vista: prejuízo líquido de R$ 21,6 bilhões contra um lucro líquido de R$ 23,6 bilhões em 2013. A nova diretoria da estatal chegou a esta conta, aceita pela auditoria independente Price, contabilizando R$ 6,19 bilhões de baixas por corrupção e R$ 44,6 bilhões com reavaliação de ativos. O endividamento está elevado: subiu 27% em um ano, para R$ 282 bilhões. Este é um dado crucial analisado pelos investidores e fornecedores de crédito.

A diretoria da empresa deve passar o dia de hoje e ainda o de amanhã em conferências com analistas nacionais e estrangeiros para explicar os critérios adotados para contabilizar os prejuízos, para dizer como chegou a esses valores. O aval da Price foi importante para evitar uma tragédia econômico-financeira para a empresa, porém ele não é absoluto. Como ressalta o colunista Celso Ming, em seu comentário no jornal “O Estado de S. Paulo” de hoje, somente depois de algumas semanas se poderá ter uma avaliação mais segura sobre os acertos feitos e os rumos da empresa daqui para frente.

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Em princípio, já vale muito que o balanço tenha saído, com a assinatura dos auditores, coisa que chegou a parecer até impossível, dadas algumas resistências do governo em assumir tudo o que foi feito de errado na empresa. A pergunta que ainda está no ar é exatamente nesse sentido: todos os esqueletos foram abertamente expostos?

Além dessa dúvida, fica outra: a empresa vai mudar de fato de rumo, mudar seu ambicioso plano estratégico, considerado há tempos por muitos analistas equivocado em algumas partes e excessivamente ambicioso? A apresentação de ontem não deu indicações muitos seguras. Um dos pontos mais criticados por alguns especialistas, o modelo de exploração do pré-sal, não foi foco das informações da empresa. O assunto é ainda tabu no governo pelo empenho da presidente Dilma em sua aprovação anos atrás, quando ainda era a toda poderosa ministra da Casa Civil de Lula.

Porém, um outro ponto criticado na estratégia anterior vai ser revisto. Em carta aos acionistas publicada nesta quarta-feira, Aldemir Bendine, afirmou que a estatal deixará de apostar seus esforços na atividade de refino – uma das grandes bandeiras do governo Lula – e voltará seu foco para a exploração, que é mais rentável. E voltou a reafirmar também em revisão de outros investimentos.

Os investimentos em refino sempre foram alvo de crítica da parte dos investidores, pela alta demanda de aportes financeiros e o baixo retorno aos acionistas – devido aos altos custos de produção no Brasil. Também foram as refinarias os principais dutos de desvio de dinheiro da estatal, conforme apuração da Polícia Federal e do Ministério Público ao longo das investigações do petrolão.

Bendini anunciou ainda que não haverá pagamento de dividendos este ano. Era mesmo só o que faltava fazer qualquer pagamento, com o tamanho do prejuízo admitido. Com isso, a Petrobrás vai desfalcar o caixa do Tesouro em duas fontes: os dividendos a que recebe como acionista majoritário e os impostos calculados sobre o lucro líquido.

Em seu afã de preparar o ambiente para melhorar sua condição econômico-financeira, a Petrobrás cometeu sexta-feira um tropeço, o que não é bom para quem quer recuperar sua credibilidade: informa o jornal “O Estado de S. Paulo” que o empréstimo de R$ 2 bilhões que a companhia anunciara ter sido aprovado na semana passada pela Caixa Econômica Federal, de um financiamento total de R$ 9,5 bi completados pelo Banco do Brasil e pelo Bradesco, ainda não foi oficialmente chancelado pelo Conselho Diretor da CEF.

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A Petrobrás está apenas começando a batalha pela retomada da confiança interna e externa que perdeu com as trapalhadas da Lava-Jato e com as interferências políticas em seus negócios. O caminho é longo e tem de ser corrido em vacilações.

Em tempo: a turma do Lava-Jato entrou um pouquinho mais em pânico com a primeira condenação de alguns “malfeitores”, num processo que envolve as obras da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, do ex-diretor Paulo Roberto Costa, do ex-doleiro Alberto Yousseff e outras seis pessoas pela Justiça do Paraná.

A terceirização e outras derrotas do governo

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Em viagem a Portugal e Espanha, onde já tinha compromissos marcados antes da investidura na nova função, o ministro-vice-presidente da República, Michel Temer, responsável pela articulação política da presidente Dilma Rousseff, viu o governo sofrer mais derrotas na Câmara dos Deputados. Por coincidência, ambas articuladas pelo presidente da Casa, o peemedebista Eduardo Cunha, no pescoço de quem Dilma esperava ver Temer colocar o guiso do governismo. E com votos decisivos do PMDB, partido que Temer ainda preside. E uma derrota no Senado.

O primeiro baque veio no projeto de mudança nas regras de terceirização da mão-de-obra. Por 230 a 203 votos, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou ontem uma emenda ao projeto de lei 4.330/04 que tem causado um duro embate entre entidades patronais e de trabalhadores. No início do mês, os parlamentares já haviam aprovado o texto-base do projeto, faltava votar os destaques.

A votação foi uma derrota do PT, do governo Dilma Rousseff e das entidades sindicais, como a Centra Única dos Trabalhadores e a Confederação dos Trabalhadores do Brasil, que defendiam a reprovação da proposta legislativa. O ponto crucial é a permissão para terceirização total, inclusive nas atividades-fim da empresa. Não passou também, como ele queria, a proposta do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que visava pelo menos garantir que o governo não perderá receita com a mudança.

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Governo e sindicatos dizem que se a lei passar a valer haverá uma precarização das relações trabalhistas. Os que defendem o projeto, como a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), alegam que ele vai impulsionar a criação de novos postos de trabalho.

A aprovação teve o dedo direto do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Com a ajuda do PSDB, que na semana passada ameaçou votar com o governo e ontem recuou. Agora, o governo está nas mãos de Renan Calheiros e do Senado para barrar o que a Câmara aprovou. E são mais muito ávidas, portanto complicadas.

Ainda na Câmara, Cunha e o PMDB conseguiram aprovar a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição que limita em 20 o número de ministérios. Após uma votação apertada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ),o projeto seguirá agora para uma comissão especial e só depois será apreciado – em dois turnos – pelo plenário da Casa. Por 34 votos a favor e 31 contrários, o projeto de autoria do presidente da Câmara venceu quatro semanas de longos debates e obstrução dos petistas.

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Dilma e o PT nem querem ouvir falar nesse assunto. Nem o PMDB, seu patrocinador. Contudo, o partido de Temer joga para a platéia para acuar a presidente e os petistas. Vai tentar deixar para eles barrarem uma medida que tem a total simpatia a opinião pública.

O Senado não ficou atrás na provações para Dilma. Lá foi aprovado o projeto do senador José Serra (PSDB-SP) que institui o voto distrital para eleger vereadores em cidades com mais de 200 mil eleitores. A proposta passou em caráter terminativo e agora vai para a Câmara. Se for votada até outubro, passará a valer já para as eleições do ano eu vem.

Governo e PT não querem o voto distrital de modo nenhum. Preferem o voto em lista fechada para as eleições legislativas. A proposta de Serra é um teste para depois aplicar o distrital nas eleições para a Câmara dos Deputados e as Assembléias Legislativas.

Para completar, o PMDB, que foi o autor da proposta de aumento do Fundo Partidário em 171%, da lavra do senador Romero Jucá e ajudou a aprová-la no Orçamento, resolveu tripudiar sobre a sanção da medida pela presidente Dilma Rousseff. Renan Calheiros criticou Dilma dizendo que ela cometeu um grande erro.

Até o vice Michel Temer avaliou que Dilma poderia contingenciar parte da verba da mais de R$ 800 milhões. Depois de saber da impossibilidade técnica, aventou a idéia de seu partido devolver 20% da verba ou simplesmente não utilizar tal valor. Tudo vai acabar como mais um ônus político para a presidente.

Mas o PMDB não se faz de rogado quando é para receber. Segundo o “Valor Econômico”, até o fim de semana o partido deve levar as estratégicas (politicamente no Nordeste) presidências da Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Paranaíba e do Banco do Nordeste, ambas, atualmente, feudo do PT.

Outros destaques dos jornais do dia

DILMA/PESDB/IMPEACHMENT – No “Estadão”: As declarações do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de que rejeitará um eventual pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff com base nas “pedaladas fiscais” levou o PSDB a rever sua estratégia e adiar a apresentação dos pareceres jurídicos que serão utilizados para embasar a tese. Foram chamadas de pedaladas a manobra fiscal com a qual o governo usou bancos públicos para cobrir despesas com programas sociais que deveriam ter sido pagas pelo Tesouro. Pela análise de Cunha, a iniciativa, que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal, não pode se aplicar no atual mandato.

CONTAS EXTERNAS – O Investimento Direto no País (IDP, antes chamado de IED), recursos destinados ao setor produtivo, não conseguiu cobrir o rombo externo em março: enquanto esses investimentos foram de US$ 4,263 bilhões, o buraco a ser coberto chegou a US$ 5,736bilhões. No trimestre, o déficit nas contas externas desacelerou 8,44% em comparação com igual período do ano passado. O IDP do período também não foi suficiente para cobrir esse rombo e ficou uma diferença de US$ 12,258 bilhões a ser coberto por capital especulativo. O Banco Central ainda mudou a metodologia de cálculo desses números e, com isso, alterou também sua projeção para o déficit do ano, de US$ 80 bilhões para US$ 84 bilhões. A previsão de IDP foi incrementada, aumentou de US$ 65 bilhões para US$ 80 bilhões.

TRABALHO – 1) Sem acordo com o governo em relação à criação de uma tabela de preço mínimo para o frete, representantes dos caminhoneiros prometeram bloquear novamente as rodovias do País a partir da zero hora de hoje.

2) Os cerca de 470 funcionários da fabricante de carros Chery, de Jacareí (SP), completam hoje 18 dias seguidos de paralisação. Ontem, não houve acordo na audiência de conciliação entre a empresa e o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos.

3) Trabalhadores da fábrica da Mercedes-Benz em São Bernardo do Campo, entraram em greve ontem por tempo indeterminado. Eles protestam contra 500 demissões anunciadas pela empresa na sexta-feira, de um grupo de cerca de 750 funcionários que estava em layoff (contratos suspensos) havia quase um ano.

LEITURAS SUGERIDAS

  1. José Serra – “O eleitor quer o poder. Que bom!” – Estadão
  2. Editorial – “Déficit e fragilidade – “Estadão”
  3. Celso Ming – “Começar de novo” – Estadão
  4. Vinicius Torres Freire – “Mais incompetência que corrupção – Folha
  5. Jânio de Freitas – “O racha” – Folha
  6. Merval Pereira – “Jogo de poder” – “O Globo”
  7. Ribamar de Oliveira – “O realismo chega às contas da Previdência” – Valor

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